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No ápice da covid-19, SP não divulga dados sobre testes desde janeiro

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Carolina Marins

Do UOL, em São Paulo

20/03/2021 04h00

O estado de São Paulo tem, atualmente, 2,2 milhões de casos confirmados de covid-19, sendo que as maiores médias móveis foram registradas nos últimos dias. Mas não é possível saber como esses infectados foram contabilizados e qual a incidência deles na população total, já que, desde o fim de janeiro, o governo paulista não divulga os dados de testes realizados.

O placar de testes do governo do estado, disponível para consulta no Seade, não é atualizado desde 31 de janeiro com os dados de exames RT-PCR e testes rápidos. Segundo uma mensagem no próprio site, o placar é atualizado mensalmente.

De acordo com os dados disponíveis até o momento, em janeiro foram realizados apenas 779.032 testes. É a menor quantidade desde junho quando foram feitos 905.908 testes. A Secretaria de Saúde diz que os dados do mês ainda são preliminares, embora a legenda informe que eles correspondem ao total acumulado até 31 de janeiro.

Na prática faltam parte dos dados do mês de janeiro, todo o mês de fevereiro e parte dos dados de março —meses em que São Paulo vem batendo recordes de casos e beira o colapso no sistema de saúde.

Desde o dia 4 de março, o UOL solicita os dados atualizados da testagem no estado. Inicialmente o prazo informado para envio foi 8 de março, em seguida foi estendido para esta semana, sem dia definido. Até o momento, porém, o placar continua desatualizado.

Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde informou que "o setor de Tecnologia de Informação reportou necessidade de equalização das bases de dados que congregam informações sobre testes realizados nas redes pública e privada de saúde, além da necessidade de ajustes no script e consolidação dos dados finais. Devido ao volume de dados, que certamente ultrapassa a ordem de 10 milhões de testes, o servidor ficou sobrecarregado e foi necessário alterar o ambiente de armazenamento e reiniciar o processamento".

"Justamente por isso, quaisquer suposições e análises sobre os dados de testagem referentes a 2021 não são adequadas, no momento, uma vez que os dados disponíveis são preliminares e estão em fase de atualização", acrescenta. A íntegra da nota pode ser lida no final da reportagem.

Com dados transparentes sobre testagens, é possível observar não só se o número de casos está aumentando ou diminuindo, mas quantos testes estão sendo feitos proporcionalmente à população, quantos deles resultam em positivos —apontando assim a incidência da doença na região— e possibilitam rastrear os contactantes dos contaminados para que seja feita uma quarentena eficiente. A ausência desses dados atrapalha a observação do comportamento da doença.

Além disso, com testagem adequada, é possível observar como o estado estará em relação à doença com duas semanas de antecedência. Uma explosão de casos agora sinaliza um grande aumento na busca por atendimento nas semanas seguintes, permitindo uma preparação antecipada do sistema de saúde.

Ou seja, quanto mais testes são feitos e divulgados, mais se torna possível evitar o colapso no sistema de saúde.

"[Sem os dados] A gente não sabe como é o gerenciamento dessa pandemia", explicou o professor de medicina da USP de Ribeirão Preto, Domingos Alves.

Se a gente não tem esses dados sobre testes, a gente não sabe se está sendo feito uma investigação do rastreamento dos contactantes. Aparentemente, no estado de São Paulo isso não está sendo feito.
Domingos Alves, professor da USP de Ribeirão Preto

Números atuais apontam para poucos testes

Ao todo, desde o início da pandemia, foram feitos 9.544.530 testes até 31 de janeiro, entre RT-PCR, rápidos e "outros", uma taxa de 212.573 testes para cada milhão de habitantes. Segundo os dados atuais do painel de teste, o mês com maior testagem foi julho, com um pouco mais de 1,4 milhão de exames feitos.

O UOL questionou quais seriam os "outros" testes feitos, mas não obteve uma explicação até o fechamento desta reportagem.

Segundo Domingos Alves, os números disponíveis de testes sugerem que apenas casos muito graves, possivelmente internados, são os testados no estado, deixando passar a maior parte dos contaminados.

Se você fizer a conta de número de testes por caso, você verá que o Estado de São Paulo está com 4,5 testes por caso em média. Isso significa que nós estamos testando pessoas que estão sofrendo internação e algumas pessoas com sintomas leves.
Domingos Alves, professor da USP de Ribeirão Preto

De acordo com o professor, o ideal é que sejam feitos de 10 a 30 testes para cada contaminado, assim seria possível rastrear as pessoas que tiveram contato com o paciente e estariam assintomáticas. Sem fazer isso, o estado não consegue conter a cadeia de transmissão do vírus.

Outro indicador que sustenta o argumento de que apenas internados são testados é a taxa de positividade. Somente na rede pública do estado, foram realizados mais de 2,4 milhões de testes RT-PCR, considerado o padrão ideal de testagem por possuir uma baixa possibilidade de erro. Desses, mais de 32% deram positivo, uma taxa considerada muito alta.

Como já explicou o professor em outra reportagem do UOL, 30% a 35% é a taxa estimada de internados para cada contaminado. Não à toa, ao mesmo tempo em que São Paulo bate recorde em casos e mortes, os números de internados superam os da primeira onda.

Comparando o nível de testagem atual do estado com os números reportados de casos, Domingos Alves calcula que a subnotificação seja de três vezes o que se registra. Ou seja, não seriam 2 milhões de contaminados, mas sim 6 milhões.

Mesmo um ano após o início da pandemia no país, o Brasil como um todo continua muito aquém em sua capacidade de testagem. O país aparece na 122ª posição no ranking de testagem do site Wordometers.

São 133.874 testes feitos para cada 1 milhão de habitantes. O país fica atrás de nações ditatoriais que são consideradas pouco transparentes, como Irã e Belarus, e até de países com populações muito maiores, como Índia e Estados Unidos.

Outro lado

Na noite de ontem, a Secretaria Estadual de Saúde enviou o seguinte posicionamento ao UOL:

"O setor de Tecnologia de Informação reportou necessidade de equalização das bases de dados que congregam informações sobre testes realizados nas redes pública e privada de saúde, além da necessidade de ajustes no script e consolidação dos dados finais. Devido ao volume de dados, que certamente ultrapassa a ordem de 10 milhões de testes, o servidor ficou sobrecarregado e foi necessário alterar o ambiente de armazenamento e reiniciar o processamento.

Justamente por isso, quaisquer suposições e análises sobre os dados de testagem referentes a 2021 não são adequadas, no momento, uma vez que os dados disponíveis são preliminares e estão em fase de atualização.

Desde o início da pandemia, SP já realizou mais de 9,5 milhões de testes para diagnóstico da COVID-19. Destes, mais de 2,5 milhões do tipo RT-PCR foram feitos na rede pública, com aumento expressivo de 19% de outubro para novembro, e de 16% de novembro para dezembro de 2020. A queda verificada entre setembro e outubro é diretamente relacionada a um momento em que a pandemia apontava para queda de casos.

Isto ocorre porque, conforme prevê o protocolo definido pelo Ministério da Saúde, a priorização da testagem é para pessoas sintomáticas, cabendo às Vigilâncias municipais o rastreamento e monitoramento de confirmados e contactantes a fim de conter cadeias de transmissão, sendo as principais medidas de prevenção o cumprimento das regras sanitárias, com uso de máscara e distanciamento social.

Fundamental destacar que a rede de laboratórios para diagnósticos de COVID-19 da rede pública de saúde é coordenada pelo Instituto Butantan e tem capacidade para liberar até 14 mil testes por dia".