Castro deixa bares abertos, e Paes, fechados: o que vale na cidade do Rio?
Eduardo Paes (DEM), prefeito do Rio, anunciou nesta segunda-feira (22) a proibição de funcionamento de atividades não essenciais a partir de sexta-feira (26).
A decisão, divulgada após reunião com comitês científicos em conjunto com a Prefeitura de Niterói, gerou impasse com o governo estadual, que defende medidas menos rígidas —Cláudio Castro (PSC), governador em exercício, manteve bares e restaurantes abertos até as 23h e anunciou um "superferiado" de dez dias.
Em meio à alta do novo coronavírus, juristas ouvidos pelo UOL entendem que as medidas mais restritivas devem prevalecer, se amparadas em dados científicos com vista ao combate da pandemia.
Guerra judicial?
Após Claudio Castro, aliado do presidente Jair Bolsonaro, afirmar que irá à Justiça contra medidas de fechamento do comércio, bares e restaurantes adotadas pelas prefeituras do Rio e Niterói, Paes disse ontem não acreditar na possibilidade de uma guerra de liminares.
"Eu tenho certeza de que o governador vai pensar melhor e não vai entrar na Justiça, não. Tenho a convicção e a esperança de que ele vai ajudar na comunicação de medidas. Afinal de contas, todos nós queremos ajudar a salvar vidas", afirmou.
E assegurou: "Na cidade do Rio de Janeiro, valerão as regras da Prefeitura do Rio de Janeiro no que é sua atribuição".
Qual decreto prevalece?
Especialistas em direito administrativo explicam que as medidas para cuidar da saúde pública são de competência compartilhada entre os governos federal, estadual e municipal.
Contudo, entendem que os decretos municipais devem prevalecer para evitar um eventual colapso no sistema de saúde. Até a noite de ontem, o painel Rio Covid-19, mantido pela prefeitura da capital, registrava taxa de ocupação operacional de 90% na rede pública, com 1.256 pacientes com covid internados e outros 116 à espera de leito.
É possível que um município esteja em situação mais delicada e que sustente medidas mais restritivas, por estar próximo de um colapso. Por outro lado, se um governo estadual vislumbrar a lotação do sistema, também pode agir. Vale a norma mais restritiva, desde que embasada em dados técnicos e científicos. Quanto menor a disponibilidade de leitos, maior a necessidade de restrição.
Patrícia Sampaio, professora de Direito Administrativo da FGV
"Essas decisões de restrição ao comércio e ao direito de ir e vir só se justificam porque estamos em situação de pandemia, com saturação do sistema de saúde. O gestor deve tomar a decisão embasado nos conselhos de saúde. São medidas temporárias, com o objetivo de poupar vidas", complementou.
Especialista em direito administrativo, a advogada Andréia Gonçalves cita as diretrizes estabelecidas pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que deu autonomia a governadores e prefeitos para determinar novas restrições ou flexibilizações da quarentena em meio à pandemia com base em orientações sanitárias.
"Isso funcionaria muito bem no Brasil se tivéssemos, na prática, o federalismo de cooperação em matérias de saúde pública nesse momento de crise. Mas temos visto divergências entre os governos", analisou.
A especialista sustenta que compete às prefeituras a autorização para o funcionamento de bares e restaurantes, por exemplo.
O poder da caneta sobre alvarás de funcionamento é do município. Portanto, é o município que vai dizer o que pode funcionar ou não. A menos que haja omissão deliberada em seguir orientações das autoridades sanitárias. A competência primordial para regulamentar o comércio cabe ao município.
Andréia Gonçalves, advogada
Professor de direito administrativo da pós-graduação da FGV (Fundação Getúlio Vargas), o advogado Leonardo Coelho Ribeiro entende que prevalecem as medidas de proteção à vida.
O ideal seria que municípios e estados se articulassem para exercer as competências de forma harmônica. Em caso de divergência, as medidas que preservem o direito à saúde e à vida devem prevalecer.
Leonardo Coelho Ribeiro, advogado
Ele também comentou a possibilidade de o governo estadual tentar resolver o impasse na Justiça, medida cogitada por Cláudio Castro (PSC), governador em exercício do Rio.
"É sempre difícil levar à Justiça assuntos que envolvem tomadas de decisão com base científica. Em análise judicial desse embate, o desafio do governador será provar em juízo que a sua escolha administrativa é a mais adequada diante de evidências científicas", explicou.
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