Aposta de Bolsonaro, vacinação com AstraZeneca é lenta em todo o mundo
Wanderley Preite Sobrinho*
Do UOL, em São Paulo
11/04/2021 04h00
Resumo da notícia
- Países que dependem da Covishield estão com a vacinação mais lenta
- Mais barata, a alta demanda comprometeu a produção da vacina
- Incêndio em laboratório e retenção em países produtores explicam escassez
- No Brasil, atrasos no recebimento de insumos e máquina quebrada retardaram entregas
- AstraZeneca diz que não se responsabiliza por atrasos de outros laboratórios
Única aposta do governo Jair Bolsonaro (sem partido) em 2020 para imunizar os brasileiros contra a covid-19, a vacina da Oxford/AstraZeneca (Covishield) enfrenta problemas de produção e distribuição no Brasil e em todo o mundo.
Levantamento da Info Tracker —plataforma de monitoramento da pandemia da USP (Universidade de São Paulo) e da Unesp (Universidade Estadual Paulista)— indica que os países que optaram pelo imunizante estão com suas campanhas de vacinação mais atrasadas que as de outras nações.
O governo federal assinou acordo com o laboratório anglo-sueco para a produção da Covishield pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) em julho de 2020, um mês antes de recusar a oferta de 70 milhões de doses oferecidas ao país pela Pfizer/BioNTech.
Sem opções, o Brasil iniciou sua vacinação em janeiro graças ao contrato do governo de São Paulo com o laboratório chinês Sinovac para a fabricação da CoronaVac pelo Instituto Butantan. Em disputa com o governador paulista João Doria (PSDB), Bolsonaro chegou a desdenhar do que ele chamou de "vacina chinesa" no ano passado, dizendo que não a compraria.
O presidente sancionou apenas em 2 de março uma lei que autorizou o Executivo a aderir à Covax Facility, o consórcio da OMS (Organização Mundial de Saúde). O governo também só firmou acordo com a Pifzer e a Janssen 17 dias depois, enquanto a Sputinik V aguarda aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Mais barata das vacinas (R$ 17,60 contra R$ 58,20 da CoronaVac), a Covishield também foi a escolha de outros países pelo mundo. Diante da forte demanda e de problemas inesperados em sua distribuição, as nações que apostaram suas fichas no imunizante da AstraZeneca estão com sua vacinação em ritmo lento.
"Sua principal vantagem pode ter se transformado em problema", diz o professor da Unesp e coordenador da Info Tracker, Wallace Casaca. "A alta demanda por ela prejudicou sua distribuição."
É o acontece no Brasil, Índia, Argentina, Canadá e Europa. O único país com vacinas suficientes da AstraZeneca é o Reino Unido, país de origem do laboratório, onde 22,2 milhões de doses já foram ministradas. A retenção dessas vacinas pelos britânicos provocou críticas da União Europeia, que ameaça retaliar.
Com exceção do Reino Unido, os três países que mais vacinaram proporcionalmente no mundo —Israel, Estados Unidos e Chile— não contrataram a vacina inglesa.
As seis razões para o atraso no mundo:
1 - Como a vacina da AstraZeneca é mais barata, o laboratório se comprometeu a entregar muito mais vacinas do que poderia produzir.
2 - Também por ser mais barata, a demanda por ela é muito maior do que a das concorrentes.
O que diz a AstraZeneca: "A AstraZeneca se antecipou na busca por uma vacina e fez diversos acordos com diferentes organizações que possibilitaram com que ela fosse a única que se comprometeu a entregar 3 bilhões de doses até o fim do ano, o que justifica também a demanda", afirmou ao UOL o laboratório por meio de nota.
3 - O incêndio na ala que expandiria a produção do Instituto Serum, na Índia, em janeiro, atrasou as entregas. No dia 4 de março, o Serum enviou carta à Fiocruz e a outros países do mundo informando sobre os atrasos.
4 - A Índia, onde a pandemia se manteve estável, registrou explosão de casos em 2021. Por isso, o governo indiano é pressionado a aumentar a vacinação doméstica. Embora a Índia não tenha rompido com os acordos, adiou os envios da vacina para outras partes do mundo.
O que diz a AstraZeneca: "O acordo e consequente entrega das doses do Instituto Serum foi realizado diretamente entre a Fiocruz e o Serum; a AstraZeneca não tem visibilidade do contrato ou cronograma de entrega."
5 - Na Coreia do Sul, o governo local anunciou que estuda suspender a exportação da vacina, produzida pelo laboratório SK Bioscience, para garantir o abastecimento interno, já que o país foi comunicado de que receberia menos imunizante do que o prometido pela Covax Facility.
6 - A União Europeia acusa o Reino Unido de usar em sua própria população grande parte das vacinas da AstraZeneca fabricadas localmente, atrasando as exportações para o bloco, que ameaça impedir a exportação da Pfizer para o Reino Unido.
O que diz a AstraZeneca: "Em relação às doses da Europa, não temos informações e nem visibilidade de nenhuma negociação que esteja atrapalhando a importação de vacinas de outras empresas."
Covishield vacinou 1,7% dos brasileiros
No Brasil, a imunização com a AstraZeneca também é lenta. Embora 10,4% dos brasileiros tenham recebido pelo menos alguma dose de vacina até quinta-feira (8), esse percentual seria de apenas 1,7% sem a CoronaVac, que responde por 83% das imunizações no país.
O primeiro lote com 2 milhões de vacinas da AstraZeneca fabricadas pelo Instituto Serum desembarcou no país com uma semana de atraso, em 22 de janeiro, após negativa do governo indiano em exportar o imunizante enquanto houvesse indefinição do Brasil sobre a compra.
Antes, uma briga diplomática com a China ameaçou o envio dos insumos para a sintetização do imunizante na fábrica da Bio-Manguinhos, ligada à Fiocruz, o que ocorreu apenas em 6 de fevereiro.
O segundo lote com mais 2 milhões de doses prontas só chegou em 23 de fevereiro. Assim, a Fiocruz adiou para 17 de março a entrega das primeiras doses produzidas no Brasil: 500 mil unidades.
A Fiocruz entregaria ao governo federal 15 milhões ainda em março, previsão que caiu para 3,8 milhões e entregas que terminaram em 2,8 milhões. Para abril, as 30 milhões de doses previstas devem ficar em 18,4 milhões, enquanto a estimativa de 25 milhões em maio foi revista para 21,5 milhões.
A vacina da AstraZeneca não está atrasada em todos os países. No Brasil, por exemplo, o cronograma de entrega do IFA [insumo], a parte que cabe à farmacêutica no acordo nacional, está adiantado. A parte de produção e distribuição da vacina cabe à Fiocruz
AstraZeneca, em nota
Além do atraso nas entregas de Índia e China, a Fiocruz justifica a demora na fabricação a um problema que em fevereiro comprometeu a máquina que tampa os frascos da vacina com lacre de alumínio. No total, a Fiocruz deve entregar 210,4 milhões de doses ao PNI (Programa Nacional de Imunizações) em 2021.
Em audiência pública da Comissão Temporária da Covid-19 do Senado, na quinta-feira (8), a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, disse que a fundação assinará "nos próximos dias" um acordo de transferência tecnológica para iniciar a produção dos insumos hoje importados, o que deve acelerar a produção da vacina no segundo semestre.
Desde a última terça-feira (6), a Fiocruz elevou sua produção para 900 mil doses diárias. Já o Butantan entregou 38,2 milhões de doses ao PNI.
*Colaborou Jamil Chade