Barreira sanitária em aeroporto é 'para inglês ver', diz infectologista
A barreira sanitária instalada ontem no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, é insuficiente para conter o avanço de variantes da covid-19, avalia o infectologista Evaldo Stanislau, médico do Hospital das Clínicas e diretor da Sociedade Paulista de Infectologia.
A principal medida de prevenção adotada no aeroporto para conter o avanço de variantes do novo coronavírus é a medição da temperatura de quem desembarca no aeroporto e a distribuição de um material educativo. O principal temor é com a variante indiana.
Os passageiros que apresentarem suspeita de síndrome respiratória, ou seja, dois ou mais sintomas, serão testados em um estande montado no aeroporto e, se positivos, encaminhados diretamente à UBS (Unidade Básica de Saúde) mais próxima.
O Secretário Municipal de Saúde, Edson Aparecido, defendeu a aferição de temperatura como medida de contenção. Ele afirmou ontem em evento com jornalistas que a medição é "fundamental" no combate à covid-19.
"Para se detectar o sintomático respiratório, a temperatura é absolutamente imprescindível. Para ser caracterizado como síndrome respiratória, os outros sintomas são somados à temperatura", disse.
Para o infectologista, no entanto, a medida não é tão eficaz, uma vez que 50% dos infectados são assintomáticos ou podem ter tomado medicamentos que mascaram o sintoma.
Medir temperatura e só testar quem tiver alteração é para inglês ver. Mais de 50% das infecções de covid vêm de assintomáticos e ainda temos as pessoas que sentem um mal-estar e tomam remédio para dor ou febre, e assim podem passar despercebidas. A testagem selecionada ou medidas de orientação selecionadas para quem tiver alteração são um convite a dar errado
Evaldo Stanislau, infectologista
Outros especialistas ouvidos pelo UOL concordam ao dizer que medir a temperatura não é eficaz no combate à transmissão e ainda pode gerar uma falsa sensação de proteção.
É inútil por dois motivos: já sabemos que pelo menos metade das pessoas com covid não tem febre -- mas ainda transmite -- e, se a pessoa for mal-intencionada, ela toma um antitérmico e vai passear."
Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp (Universidade de Campinas)
O aeroporto de Guarulhos, o mais movimentado do país, também iniciou esta semana uma barreira sanitária para tentar impedir a entrada e disseminação da variante indiana.
Apesar das medidas, duas pessoas que estão com a variação do vírus entram no Brasil pelo aeroporto e de lá foram para suas cidades. Uma para o Rio e outra para Minas Gerais. Ontem, o prefeito de Guarulhos, Gustavo Henric Costa (PSD), o Guti, pediu ao governo federal o fechamento do aeroporto.
Segundo Stanislau, o ideal seria testar uma porcentagem alta de passageiros por amostragem e distribuir um formulário clínico epidemiológico ainda no avião.
"A própria equipe de bordo, treinada, pode fazer uma triagem daqueles que responderem no formulário alguma coisa afirmativa. Por exemplo: 'tive contato com alguém doente nas últimas 72 horas'. No desembarque, a autoridade sanitária vai abordar 100% dessas pessoas", explica.
Ainda para o infectologista, as medidas falham ao contar com os próprios passageiros para fornecerem informações corretas sobre seus dados de saúde, uma vez que muitos omitem esses dados.
"Algumas pessoas, por desconhecimento, ingenuidade ou livre iniciativa omitem essas informações. Essas pessoas têm que ser testadas por amostragem. E 100% das que responderam a algum fator de risco serem testadas. Hoje é possível fazer teste de antígeno ou molecular rápido, com resultado na hora e no próprio aeroporto. Essas seriam as medidas que eu considero ideais", diz.
Anvisa e OMS não recomendam
Ao UOL, a Anvisa e a OMS afirmaram que a medição de temperatura não pode ser considerada uma ação de combate à pandemia.
O implemento de medidas térmicas, seja em pontos de entrada (portos, aeroportos e fronteiras), seja nas cidades/municípios é uma medida inócua, em especial se considerarmos a situação epidemiológica atual e a sobrecarga dos sistemas locais de saúde."
Anvisa
Os scanners térmicos são eficazes na detecção de pessoas com febre (ou seja, com temperatura corporal acima do normal). Porém, não detectam se a pessoa está infectada com covid-19. Existem muitas causas para a febre."
OMS por meio da OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde), seu braço no continente
Material educativo
Após ter a temperatura aferida, os passageiros que desembarcam em Congonhas recebem um material educativo. A cartilha, batizada de "Passageiro HQ", traz informações como "use máscara", "fique em isolamento" e "procure uma unidade de saúde se apresentar algum sintoma".
A reportagem presenciou dois desembarques na manhã de ontem. Muitas pessoas deixaram de pegar a cartilha informativa. Nenhuma apresentou sintomas.
Barreira em rodovias e rodoviárias
As novas medidas de contenção abrangem também as rodovias, com foco nos caminhoneiros, e rodoviárias, com foco em passageiros que vêm de outros estados.
As rodoviárias Barra Funda, Tietê e Jabaquara terão distribuição de material educativo e triagem dos passageiros vindos de São Luiz (MA) ou Campos dos Goytacazes (RJ), onde foram detectadas variantes do vírus. Ainda não foi informado se passageiros vindos de Minas Gerais serão monitorados.
Nas rodovias, serão distribuídos questionários de saúde. No questionário, os caminhoneiros devem assinalar se tiveram, nos últimos dez dias, os seguintes sintomas: febre, calafrios, tosse, coriza, dor de garganta, dor de cabeça, diarreia, alteração do olfato e alteração do paladar. O questionário também pergunta se a pessoa teve contato com alguém que testou positivo para covid-19 nos últimos 14 dias.
*Colaboração de Lucas Borges Teixeira, do UOL, em São Paulo
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