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O que se sabe sobre a crise da vacina Covaxin e o governo Bolsonaro

O chefe de importação do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, e o deputado Luis Miranda (DEM-DF), durante depoimento à CPI da Covid - Edilson Rodrigues/Agência Senado
O chefe de importação do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, e o deputado Luis Miranda (DEM-DF), durante depoimento à CPI da Covid Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Rafael Neves e Igor Mello

Do UOL, em Brasília e no Rio

26/06/2021 12h57

A intrincada história por trás da compra das vacinas Covaxin, produzidas pelo laboratório indiano Bharat Biotech, ainda têm muitas lacunas. Contudo, uma série de personagens da trama já foram revelados no depoimento do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), membro da base bolsonarista na Câmara, e de seu irmão Luis Ricardo Miranda, servidor de carreira do Ministério da Saúde.

Os dois foram ouvidos ontem (25) pela CPI da Covid-19. Eles afirmaram que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foi informado sobre o suposto esquema e prometeu acionar a Polícia Federal para ordenar uma investigação —o que não ocorreu. Luis Miranda também acusou o deputado federal Ricardo Barros (Progressistas-PR), líder do governo na Câmara dos Deputados, de estar por trás da articulação para a compra da vacina.

Outro personagem importante do escândalo é a empresa Precisa Medicamentos, que atua como intermediadora para a compra da Covaxin no Brasil, sobre a qual já pesam outras denúncias.

Veja abaixo os principais fatos conhecidos até o momento.

Viagens à Índia

Autoridades brasileiras fizeram viagens à Índia para agilizar a compra da vacina da Bharat Biotech. A primeira delas ocorreu em 6 de janeiro, e teve como um dos membros da comitiva Francisco Maximiano, um dos sócios da empresa Precisa Medicamentos —que viria a se tornar a intermediadora da compra do imunizante indiano pelo governo Jair Bolsonaro.

No dia 7, representantes da Precisa se reuniram com o embaixador brasileiro na Índia. Um dia depois, em 8 de janeiro, Bolsonaro enviou carta ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, informando que a Covaxin havia sido uma das vacinas "escolhidas" pelo governo brasileiro, junto com a AstraZeneca. Naquela data, o governo já havia recebido cinco ofertas da Pfizer e quatro do Instituto Butantan —responsável pela produção da Coronavac no Brasil.

O acordo entre o laboratório Bharat Biotech e a Precisa Medicamentos foi divulgado em 12 de janeiro. Seis dias depois, o Ministério da Saúde enviou ofício à Precisa demonstrando interesse em fechar um contrato para a compra da Covaxin.

Emenda de Barros criou brecha para compra

Apontado pelo deputado Luis Miranda como pivô do suposto esquema para facilitar a compra da Covaxin, o deputado Ricardo Barros (Progressistas) —líder do governo na Câmara— foi o autor da emenda que criou a brecha para que a vacina pudesse ser adquirida antes do registro na Anvisa.

A MP foi publicada pelo governo em 6 de janeiro, mesmo dia em que foi feita a primeira viagem à Índia para negociar a compra da Covaxin.

Segundo o jornal "O Estado de S. Paulo", a manobra ocorreu durante a tramitação da MP (Medida Provisória) das Vacinas, que foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em 2 de março. O texto permitia a aquisição de quaisquer vacinas e medicamentos sem aprovação da agência reguladora brasileira, desde que os produtos tivessem sido chancelados por entidades sanitárias de um rol de países —considerados referências.

A emenda de Barros incluiu nessa lista a Central Drugs Standard Control Organization (CDSCO) —equivalente da Anvisa na Índia. Foi a agência indiana que concedeu registro à Covaxin.

Barros também propôs um PDL (Projeto de Decreto Legislativo) para derrubar a exigência de realização da fase 3 de ensaios clínicos no Brasil, como condição para autorização emergencial de um imunizante.

Contratação antes de vacinas em fase mais avançada

A primeira reunião do governo federal com a Bharat Biotec, fabricante da Covaxin, ocorreu no fim de novembro. No mesmo encontro, as autoridades brasileiras também receberam executivos dos laboratórios Pfizer, Moderna, Janssen e do Fundo Russo de Investimento Direto —responsável por negociar a vacina russa Sputinik V.

No entanto, as negociações com a Covaxin avançaram mais rápido do que com os demais imunizantes. O contrato para a compra da vacina indiana foi assinado em 25 de fevereiro —a autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para a importação da Covaxin só veio em 4 de junho.

Em contrapartida, o contrato com a Pfizer só foi assinado em 15 de março. A vacina conseguiu conseguiu registro definitivo na Anvisa em 23 de fevereiro. No mesmo período, o governo também anunciou a compra do imunizante da Janssen, cuja autorização para uso emergencial veio em 31 de março.

Além de terem obtido autorização da Anvisa antes, as vacinas da Pfizer e da Janssen eram negociadas com o governo brasileiro há mais tempo e tinham um preço menor do que o da Covaxin.

Pressão sobre irmão de Miranda

Segundo relatos do deputado Luis Miranda e de seu irmão, Luis Ricardo Miranda, servidor de carreira do Ministério da Saúde responsável pela importação de imunizantes, houve pressões de várias pessoas em cargos de comando no Ministério da Saúde para facilitar a compra da Covaxin. O servidor diz que não houve o mesmo tipo de ingerência na aquisição de outras vacinas:

De acordo com Luis Ricardo, teriam pressionado a liberar a importação da Covaxin:

  • Alex Lial Marinho, então coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde do Ministério da Saúde;
  • Roberto Ferreira Dias, diretor do Departamento de Logística em Saúde da Secretaria-Executiva do Ministério da Saúde;
  • Marcelo Bento Pires, então diretor de Programa do Ministério da Saúde

Os contatos para pressioná-lo ocorreram entre 19 e 24 de março e tinham como objetivo fazer com que Luis Ricardo liberasse rapidamente a LI (Licença de Importação) para o primeiro lote da Covaxin.

Luis Miranda e o irmão Luis Ricardo se reuniram com o presidente Jair Bolsonaro nesse mesmo período, em 20 de março. De acordo com o deputado federal, os dois denunciaram o suposto esquema de corrupção na compra da vacina indiana e teriam ouvido de Bolsonaro que a situação era "grave".

Em depoimento na CPI da Covid-19, ontem (25), Miranda revelou ainda que Bolsonaro atribuiu o esquema a Ricardo Barros.