Prevent Senior: entenda as acusações envolvendo estudo sobre cloroquina
O plano de saúde Prevent Senior ocultou mortes de pacientes que participaram —sem conhecimento —de um estudo para testar a eficácia da hidroxicloroquina e azitromicina contra a covid-19 e que foi divulgado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
As informações são da GloboNews, que teve acesso a um dossiê da CPI da Covid no Senado. Segundo os documentos, a disseminação da cloroquina e outros medicamentos é resultado de um acordo entre o plano de saúde e o governo Bolsonaro.
Desde o início da pandemia, o presidente defende o tratamento precoce, sem eficácia comprovada contra a doença, e chegou a dizer que se tratou com hidroxicloroquina ao contrair covid-19, no ano passado.
Os senadores da CPI ouviriam ontem o diretor-executivo da operadora de Saúde, Pedro Benedito Batista Júnior, mas ele não compareceu. A defesa alegou que não houve notificação dentro do prazo de 48 horas e, por esse motivo, Júnior não conseguiria chegar a tempo a Brasília.
Veja abaixo o que se sabe sobre o caso:
De onde veio o dossiê e o que diz ele
Os documentos encaminhados aos senadores são de médicos e ex-médicos da Prevent Senior e denunciam uma série de irregularidades.
De acordo com o senador Humberto Costa (PT-PE), autor do requerimento de convocação de Júnior, a CPI recebeu denúncia de que a Prevent Senior teria pressionado profissionais e pacientes a utilizar remédios do "kit covid" — composto por medicamentos, como cloroquina, azitromicina e ivermectina, ineficazes contra a covid-19.
As informações obtidas pela CPI apontam ainda que profissionais de saúde da Prevent Senior teriam sido proibidos de usar equipamentos de proteção individual, até com o objetivo de "disseminar o vírus, no ambiente hospitalar, para que, assim, pudesse ser feita uma pesquisa que constava da utilização de cloroquina, de azitromicina, de ivermectina com os pacientes".
O estudo e quantas pessoas morreram
Nove pessoas morreram durante a pesquisa, mas, publicamente, os autores só mencionam duas mortes. Destes:
- Seis estavam no grupo que tomou hidroxicloroquina e azitromicina;
- Dois estavam no grupo que não ingeriu os medicamentos;
- Há um paciente cuja tabela não informa se ingeriu ou não a medicação
O estudo começou a ser realizado em 25 de março de 2020 e a sua primeira versão, sem revisão de pares, divulgada em 15 de abril. Participaram 636 pacientes. No artigo, o coordenador do estudo, o cardiologista e diretor da Prevent Rodrigo Esper, menciona duas mortes no grupo que usou as medicações, mas, diz ele, os óbitos foram provocados por outras doenças, sem relação com a covid ou medicamentos.
"Não houve efeitos colaterais graves em pacientes tratados com hidroxicloroquina mais azitromicina. Dois pacientes do grupo de tratamento morreram durante o acompanhamento; a primeira morte foi devido à síndrome coronariana aguda e a segunda morte devido a câncer metastático", diz ele.
Segundo a GloboNews, os documentos da pesquisa, no entanto, não apontam nenhum participante com as doenças mencionadas.
Pacientes não sabiam que estavam no estudo
A emissora também teve acesso a mensagens enviadas pelo diretor da Prevent, Fernando Oikawa, para médicos. Ao falar sobre o estudo pela primeira vez ele orienta os profissionais a não informar sobre a medicação usada.
Iremos iniciar o protocolo de HIDROXICLOROQUINA + AZITROMICINA. Por favor, NÃO INFORMAR O PACIENTE ou FAMILIAR, (sic) sobre a medicação e nem sobre o programa
Diretor da Prevent Senior, Fernando Oikawa
Bolsonaro divulgou pesquisa
Três dias depois da divulgação da pesquisa, em 18 de abril, Bolsonaro fez uma postagem no Twitter sobre o estudo. Citando a Prevent Senior, ele diz que foram registradas cinco mortes entre os pacientes do estudo que não tomaram cloroquina e nenhum óbito entre os que ingeriram as medicações.
Segundo o CEO Fernando Parrillo, a Prevent Senior reduziu de 14 para 7 dias o tempo de uso de respiradores e divulgou hoje, às 1h40 da manhã, o complemento de um levantamento clínico feito: de um grupo de 636 pacientes acompanhados pelos médicos, 224 NÃO fizeram uso da HIDROXICLOROQUINA. Destes, 12 foram hospitalizados e 5 faleceram. Já dos 412 que optaram pelo medicamento, somente 8 foram internados e, além de não serem entubados, o número de óbitos foi ZERO. O estudo completo será publicado em breve."
Tuíte de após divulgação de pesquisa da Prevent Senior, sem revisão de pares
No dia seguinte, Esper enviou aos seus pesquisadores uma mensagem de áudio com orientações para a revisão de dados do estudo. Ele acrescenta que as informações devem ser "assertivas" e "perfeitas" para que não houvesse contestação.
Um ex-médico da Prevent Senior ouvido pela GloboNews confirmou que o estudo foi manipulado para comprovar a eficácia da cloroquina.
Caso é investigado
A CPI convocou Batista Júnior para que, entre outros assuntos, ele explicasse a suposta pressão da empresa pelo uso do chamado "kit covid" em pacientes com coronavírus.
De acordo com Costa, CPI recebeu denúncia de que a Prevent Senior teria pressionado profissionais e pacientes a utilizar remédios do "kit covid". A empresa estaria, segundo o petista, promovendo ainda tratamentos experimentais sem o consentimento de pacientes.
Uma paciente do plano de saúde relatou a VivaBem que recebeu a orientação de usar hidroxicloroquina e ivermectina após o diagnóstico de covid-19, há pouco mais de um mês.
Ela acredita que aquela era uma conduta obrigatória aos profissionais que atendiam pelo plano. "Tive a impressão de que ela [médica] tinha que falar aquilo, me recomendar aquelas medicações, como se fosse uma conduta obrigatória", acredita.
Em julho do ano passado, a Prevent Senior contrariou uma orientação da CFM (Conselho Federal de Medicina) ao enviar kit cloroquina para pacientes sem o diagnóstico confirmado da covid.
"Recebi aqui uma correspondência, que é cópia de um processo que está sendo movido por um grupo de profissionais médicos ligados à rede Prevent Sênior, em que formalizaram uma denúncia contra essa instituição, por conta da política de coerção que foi assumida por essa direção em termos de orientações aos profissionais médicos, para adotarem aquelas orientações do chamado tratamento precoce. Inclusive, aqueles que, em algum momento, se recusaram a implementar essas medidas foram demitidos", disse o senador na CPI em 26 de agosto.
O Ministério Público de São Paulo abriu investigação sobre o caso.
'Gabinete paralelo'
Para o senador, documentos apontam que o chamado "gabinete paralelo" — grupo que teria assessorado informalmente Bolsonaro às margens das determinações do Ministério da Saúde — estaria por trás da iniciativa da Prevent Senior.
Segundo integrantes de oposição da CPI, faziam parte do "gabinete paralelo" a médica Nise Yamaguchi e o empresário Carlos Wizard, por exemplo.
"Uma das coisas que o hospital orientava era que os pacientes e os seus familiares não tivessem conhecimento de que essa experiência estava sendo feita, que não tivessem conhecimento de que estavam sendo administrados esses medicamentos. A informação que se tem é que isso foi um acerto entre a direção do hospital e o governo federal, contra aquelas orientações que havia do Ministério da Saúde, no período do ministro Mandetta", declarou Humberto Costa.
O que diz a Prevent Senior
Veja abaixo, na íntegra, nota de posicionamento divulgada pela Prevent Senior ontem:
A Prevent Senior nega e repudia denúncias sistemáticas, mentirosas e reiteradas que têm sido feitas por supostos médicos que, anonimamente, têm procurado desgastar a imagem da empresa usando primordialmente a Globo News e, posteriormente, a CPI da Pandemia.
Em decorrência disso, está tomando as medidas judiciais cabíveis para investigar todos os responsáveis por denunciação caluniosa (e outros crimes) sejam investigados e punidos.
Os médicos da empresa sempre tiveram a autonomia respeitada e atuam com afinco para salvar milhares de vidas. Importante lembrar que números à disposição da CPI demonstram que a taxa de mortalidade entre pacientes de Covid 19 atendidos pelos nossos profissionais de saúde é 50% inferior às taxas registradas em São Paulo.
Lamentavelmente, a Globo News não revelou detalhes das acusações inclusive quanto ao número de mortes ou quais estudos foram avaliados, de modo que a Prevent pudesse se posicionar de maneira precisa, inclusive para comprovar a falsidade das acusações. E mandou um pedido de outro lado tarde da noite, o que dificultou o levantamento dos dados necessários ao correto posicionamento.
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