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MPF investiga Conselho Federal de Medicina por suspeita de apoiar kit covid

Ministério Público Federal de São Paulo abriu inquérito contra o Conselho Federal de Medicina - Reprodução
Ministério Público Federal de São Paulo abriu inquérito contra o Conselho Federal de Medicina Imagem: Reprodução

Beatriz Gomes

Do UOL, em São Paulo

08/10/2021 11h40Atualizada em 08/10/2021 12h43

O Ministério Público Federal de São Paulo abriu no início deste mês um inquérito civil para investigar o CFM (Conselho Federal de Medicina) pela suspeita de apoiar o tratamento precoce com o chamado "kit covid", sem eficácia cientifica comprovada contra a covid-19. A informação foi confirmada ao UOL pelo MPF.

O uso desses medicamentos é frequentemente incentivado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que, inclusive, já divulgou mais de uma vez publicamente que usou os medicamentos sem eficácia.

O inquérito foi aberto após a representação do médico cardiologista e docente da USP (Universidade de São Paulo) Bruno Caramelli, realizada no início de março.

"A representação tem como objetivo requerer que se examine à luz do direito, e eventualmente se coíba e puna, a atuação que se acredita omissa e grave do Conselho Federal de Medicina nas providências que lhe caberiam tomar contra a disseminação da falsa ideia de existência de tratamento precoce eficaz contra a COVID-19, representado pelo uso indiscriminado da Cloroquina, Hidroxicloroquina e Ivermectina", aponta o texto obtido pelo UOL.

Apesar de diversas entidades médicas terem se posicionado contra o uso desses medicamentos, o CFM tem ressaltado que defende a decisão individual do médico e do paciente.

O cardiologista também foi responsável por reunir mais de 60 mil assinaturas em um abaixo-assinado pedindo ao MPF a investigação do CFM por sua conduta. As assinaturas foram anexadas na representação enviada ao órgão ministerial.

"Não usei nenhum dos tratamentos precoces e aqui estou, curado. O tempo e conhecimento nos mostraram que o tal tratamento precoce não tem comprovação de eficácia e que pode fazer mal. Mais importante do que isto, pode representar um desvio de foco, um relaxamento nas medidas protetivas eficazes como a desaglomeração e a vacina", escreveu Caramelli no abaixo-assinado.

A portaria de instauração do inquérito foi publicada no Diário Eletrônico do MPF na edição do último dia 5. No texto, o órgão aponta que "os documentos e informações coligidos até o momento confirmam a premente necessidade de acompanhamento do Ministério Público Federal, visando a proteção da saúde pública".

Eles ainda escrevem que "há notícia da ocorrência de possíveis ilícitos, elucidados a partir dos documentos juntados pela representante e colhidos" pelo órgão.

A reportagem entrou em contato com o CFM por email e via assessoria, mas não teve retorno até a última atualização desta matéria.

Representação

A representação, aberta em março deste ano, conta com mais de 1300 páginas e também discorre sobre a importância do posicionamento do CFM sobre o tema por ser "o órgão competente e responsável pela fiscalização e regulamentação da prática médica".

"Além disso, [o CFM] é representante da classe médica perante a sociedade. A manifestação do Conselho Federal de Medicina, ou a omissão dela, é orientação profissional regulatória para a classe médica. E, simultaneamente, é orientação esclarecedora para a população, notadamente em um país como o Brasil, com altíssimos índices de automedicação."

Segundo Cecília Mello, advogada representante de Caramelli e desembargadora aposentada, entre os argumentos para o pedido estão o silêncio do CFM sobre o tema mesmo com a comprovação da ciência sobre a ineficácia do tratamento precoce e uso dos medicamentos do "kit covid".

A advogada ainda citou ao UOL a postura negacionista do governo federal na pandemia com ações danosas à população como a demora na compra de vacinas, conforme apontado por informações obtidas pela CPI da Covid, no Senado Federal.

Mais ações

Na última semana, a DPU (Defensoria Pública da União) entrou com uma ação civil pública contra o CFM por permitir que médicos prescrevessem cloroquina e hidroxicloroquina contra a covid-19, e pediu indenização aos pacientes que, submetidos a esses remédios comprovadamente ineficazes contra a doença, não receberam tratamento adequado, informou o órgão.

A ação, ajuizada na Vara Cível da Subseção Judiciária de São Paulo, faz referência a parecer do CFM aprovado em reunião ocorrida em abril de 2020. O documento abordava a cloroquina e a hidroxicloroquina para o tratamento de pacientes com covid-19 e afastava, inclusive, artigo do Código de Ética Médica que vedava uso de medicação cujo valor ainda não tivesse sido cientificamente reconhecido. A posição do CFM permitia a prescrição dos medicamentos a critério do médico e em decisão compartilhada com o paciente.

Na ação, a DPU pede que a eficácia do parecer do CFM sobre a cloroquina seja suspensa em caráter liminar, além de solicitar que seja determinado ao conselho que oriente "ostensivamente a comunidade médica e a população em geral" sobre a ineficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento contra a covid-19, ressaltando a possibilidade de infração ética dos profissionais que vierem a prescrever essas medicações.

Pede, ainda, que o CFM seja condenado a pagar indenização do valor de 60 milhões de reais por danos morais coletivos; 50 mil reais a familiares de pacientes que, por terem recebido esses remédios, não obtiveram tratamento adequado e vieram a falecer; 10 mil reais para os que desenvolveram sequelas em consequência do uso das medicações e ainda o custeio de seu tratamento pelo CFM.

Também, nesta semana, o relator da CPI da Covid, Renan Calheiros (MDB-AL), anunciou que passou o presidente do CFM, Mauro Luiz de Brito Ribeiro, à condição de investigado pela comissão.

"Eu queria elevar, e comunico a vossa excelência, à condição de investigado desta Comissão Parlamentar de Inquérito o senhor Mauro Luiz de Brito Ribeiro. Pelo apoio ao negacionismo, pela maneira como deu suporte à prescrição de remédios ineficazes — e os defendeu publicamente— e pela omissão diante de fatos evidentemente criminosos", declarou Renan.

Ao longo de 2020, Mauro Ribeiro encontrou-se com Bolsonaro para debater o uso da hidroxicloroquina contra a covid. Bolsonaro também já publicou um vídeo de Ribeiro atacando governadores do Nordeste que defendiam trazer médicos estrangeiros para ajudar na linha de frente dos hospitais na pandemia.

*Com informações de Luciana Amaral, do UOL, em Brasília e da Reuters