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"Na UTI covid hoje, só idosos e jovens não vacinados", diz médica do HC-SP

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

13/12/2021 04h00

A infectologista e intensivista Gabriela Diniz, 33, quase não reconhece a ala de UTI (unidade de terapia intensiva) com pacientes com covid-19 no Hospital das Clínicas, em São Paulo. Se, no primeiro semestre, pico da pandemia de coronavírus no Brasil, havia muito mais leitos exclusivos para a doença, com adultos de todas as idades, hoje o perfil é outro.

Atualmente, a UTI do maior complexo hospitalar da América Latina segue a tendência do estado e do Brasil. Há menos leitos disponíveis para covid, ocupados, em sua maioria, por pessoas dos chamados grupos de risco, como idosos em idade avançada e imunossuprimidos. Mas um grupo tem furado essa "bolha": jovens e adultos que não se vacinaram.

Com 77% da população vacinada, São Paulo é o estado que mais vacina no país e vê os registros de casos e mortes em níveis próximos aos do começo da pandemia. Na última quinta-feira (9), a média móvel diária estava em 61 óbitos e com menos de 1.000 novas notificações por dia —números semelhantes a abril de 2020, de acordo com o consórcio de imprensa do qual o UOL faz parte.

Casos, internações e óbitos em São Paulo registram quedas consecutivas desde o meio do ano - Reprodução/Governo do Estado de São Paulo - Reprodução/Governo do Estado de São Paulo
Casos, internações e óbitos em São Paulo registram quedas consecutivas desde o meio do ano
Imagem: Reprodução/Governo do Estado de São Paulo

No HC-SP, ligado à FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), a situação é semelhante. O complexo hospitalar entrou em colapso em março. Chegou a destinar todos seus 900 leitos —300 de UTI— para o combate à doença. Agora, por falta de demanda, tem 255 leitos destinados a pacientes covid, 115 de UTI. Até a última quinta (9), a taxa de ocupação da enfermaria estava em 17,8% e da UTI, 21,7%.

Na unidade em que Diniz trabalha, eram oito pacientes até o fim da semana passada —a minoria deles com covid. Os não vacinados, infelizmente, ainda são uma preocupação.

Na UTI, com covid, o que a gente tem, basicamente, são pacientes mais velhos com fator de risco, como alguma comorbidade, transplantados imunossuprimidos --que, mesmo com a vacina, têm desfecho muito pior-- e os não vacinados. Infelizmente, eles ainda existem."
Gabriela Diniz, infectologista e intensivista do HC-SP

As histórias são das mais diversas. Além dos não vacinados que acabam internados, médicos e residentes contam casos de como familiares e pessoas próximas a quem recusa a vacina também acaba impactado.

"Recentemente, tivemos um caso em que a família inteira se vacinou, mas o paciente —um médico—, não. Ele dizia que não ia pegar porque trabalhou em UTI, na linha de frente no ano passado e estava imune. A filha ficou sintomática, a família inteira ficou bem e ele acabou internado", conta Diniz.

"Ele ficou bem? Ficou, não foi invadido. Mas era um homem jovem, atleta e ficou aqui, sozinho, vendo os outros serem intubados, sem saber se ele seria o próximo. Enquanto isso, quem se vacinou teve sintomas leves, como os da gripe", completa a médica.

Vacina protege você e os outros

Também há relatos de lógica oposta. Há poucos meses, Diego Santos, 31, residente de infectologia do HC-SP, recebeu na UTI uma idosa e um adulto, mãe e filho. Ela, com mais de 80 anos, estava vacinada, ele, não. Ela acabou morrendo.

"Ele ficou internado, pode ficar com sequelas, mas acabou saindo, vivo. Já ela tinha uma condição mais debilitada pela idade mesmo. Por mais que as vacinas forneçam proteção, ainda há um escape", explica o residente. A situação poderia ter sido diferente, ele avalia, se o filho tivesse se vacinado.

Como médicos, procuramos não culpabilizar o paciente ou o familiar porque, no fim, ele também é uma vítima dessa campanha de desinformação antivacinas. Mas, se ele tivesse vacinado, poderia ter levado para casa uma carga viral menor, o desfecho poderia ter sido outro. As vacinas são importantes por isso também: protegem você e os outros."
Diego Santos, residente de infectologia do HC-SP

Para os especialistas em saúde, não é coincidência que São Paulo viva o melhor momento desde o início da pandemia —ainda que haja registro de mortes todos os dias. Hoje, são mais de 35,8 milhões de paulistas com o esquema vacinal completo (77,5% da população), e 39,2 milhões com pelo menos uma dose. O estado, que chegou a ter mais de 3 mil internações por causa da covid a cada sete dias, entre março e abril, atingiu 280 na última semana —menor número do ano.

Isso pode ser sentido no dia a dia dos médicos. O pesquisador Evaldo Stanislau, infectologista do HC-FMUSP, tem tido dificuldade em achar pacientes para um estudo sobre covid que faz em parceria com a Universidade de Toronto, no Canadá.

"Precisamos de pacientes com um determinado perfil, de enfermaria e sem critérios de exclusão [doenças associadas e não muito idosos, por exemplo]. Desde que o protocolo [a pesquisa] efetivamente iniciou, conseguimos incluir apenas um paciente. Exemplifica bem a mudança no volume e perfil de internação. As vacinas entregam o que prometem: menos internações e menos mortes", afirma o infectologista.

Vacinação no Brasil 9-12-21 - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

"Ivermectina, não. Vacina, sim"

Nos relatos dos pacientes, dois vilões se destacam entre os motivos de não vacinação: as fake news relacionadas aos imunizantes e a propagação de tratamentos alternativos de ineficácia comprovada, como kit covid com ivermectina — ambos equivocadamente difundidos pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores.

"Alguns pacientes ainda cobram cloroquina, dizem que tomam ivermectina uma vez por semana, mas tem sido cada vez mais raro. No SUS [Sistema Único de Saúde], isso quase nunca acontece", conta Diniz, que também trabalha em um hospital particular. "Sobre a vacina, infelizmente ainda falam que é um tratamento experimental e eles não vão ser cobaias. E também rebatem dizendo que há muitos estudos sobre ivermectina."

Já está comprovado que tanto cloroquina como ivermectina são ineficazes contra a covid e podem piorar o quadro do paciente. A médica diz tentar explicar o mais didaticamente como as vacinas funcionam —e por que essas drogas, não. Ela conta que tem uma pasta em seu celular com estudos simples e em português sobre a eficácia dos imunizantes.

Espero o paciente melhorar, claro, para tenta-lo convencer a vacinar. Eu tento mostrar em termos científicos. Alguns dizem que vão. Ficar sozinho em uma cama de hospital com medo de ser intubado faz a pessoa refletir. Mas o ideal era que eles nem precisassem disso. Vacinas funcionam e todo mundo deveria se vacinar. Pelo seu bem e de quem você ama."
Gabriela Diniz, infectologista e intensivista do HC-SP