Bolsonaro reproduz fake news para atacar possíveis remédios contra covid
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) reproduziu, em live transmitida hoje em suas redes sociais, alegações falsas sobre remédios contra a covid-19 que estão em fase de testes e usou as informações incorretas para, mais uma vez, defender medicamentos que não são recomendados para o tratamento da doença.
Bolsonaro falou de um suposto "comprimidinho" desenvolvido pelas farmacêuticas Pfizer e AstraZeneca, fabricantes de vacinas contra a covid, que teria ação antiparasitária parecida com a da ivermectina. Os medicamentos testados pelos laboratórios citados pelo presidente não têm nenhuma relação com o vermífugo — que não deve ser usado no tratamento da covid, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).
O presidente misturou o noticiário recente sobre um remédio em desenvolvimento pela AstraZeneca — que é injetável — com uma fake news que circulou nas últimas semanas comparando o medicamento pesquisado pela Pfizer (este sim, um comprimido) com a ivermectina. Essas alegações inclusive já foram desmentidas em checagens feitas por veículos de imprensa.
Eu estou vendo aqui que a AstraZeneca e a Pfizer estão lançando um comprimidinho para você, uma vez contraído o vírus, para você tomar esse comprimidinho. O outro, aquele outro, da ivermectina, para piolho, não vale não, tá? Esse aqui vale. Ou melhor, vai valer. (...) Agora, o da AstraZeneca, esse novo remédio da AstraZeneca (...). Esse remédio combate também? Não vai estar na bula, tá? Mas já sabemos que combate também piolho, ascaridíase, escabiose, elefantíase? Ou seja, combate a mesma coisa que esse nosso, brasileiro, aqui, que é usado para combater piolho."
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal
Medicamento da AstraZeneca é injetável
Na segunda (11), a AstraZeneca divulgou um estudo da fase 3 de testes de um coquetel injetável de anticorpos que, segundo o laboratório, reduz em 50% mortes e casos graves causados pela doença. A fase 3 é a que inclui mais participantes e é a última antes do pedido de registro do medicamento junto às autoridades.
Batizado como AZD7442, o medicamento foi testado em 96 locais, incluindo o Brasil, com 903 participantes. Destes, 90% eram do grupo de risco da covid, com altas chances de progressão grave. Os testes foram aleatórios, duplo cego, controlados por placebo.
Segundo comunicado divulgado no site oficial da farmacêutica, os testes mostraram que uma dose de 600 mg do medicamento "reduz o risco de desenvolver covid-19 grave ou morte (por qualquer causa) em 50% em comparação com o placebo em pacientes ambulatoriais sintomáticos por sete dias ou menos".
Ainda segundo a companhia, os efeitos adversos também foram reduzidos: apenas 18 ocorrências de 407 testados que tomaram a injeção no braço contra 37 dos 415 que tomaram placebo.
Os dados dos testes ainda não foram revisados por outros cientistas, passo necessário para a divulgação dos resultados em publicações especializadas. A AstraZeneca já pediu nesta semana a aprovação na EMA, agência reguladora da União Europeia. Ainda não houve pedido para a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Pfizer diz que comprimido não tem relação com ivermectina
Embora tenha citado mais vezes a AstraZeneca, Bolsonaro basicamente reciclou uma alegação falsa que compara a ivermectina a um medicamento antiviral desenvolvido pela Pfizer.
Em nota enviada à CPI da Covid em agosto e noticiada pela Folha, a Pfizer afirmou que o antiviral " não apresenta qualquer semelhança com a hidroxicloroquina (utilizado como antimalárico e para tratamento de algumas doenças reumatológicas), azitromicina (antibiótico) ou ivermectina (antiparasitário), ou seja, são compostos com estruturas químicas e mecanismos de ação totalmente diferentes".
"Trata-se de um medicamento oral —a molécula PF-07321332, um inibidor de protease SARSCoV2-3CL que demonstrou, em estudos pré-clínicos, potente atividade antiviral in vitro contra o SARS-CoV-2 e outros coronavírus, revelando possível importância no tratamento farmacológico da COVID-19, além de ameaças futuras do vírus", afirmou o laboratório.
O medicamento ainda está na fase de teste. Um estudo clínico, com 2.600 pessoas, para determinar sua eficácia foi iniciado no final de setembro.
As fake news que comparam o comprimido em testagem com medicamentos sem eficácia contra a covid, como hidroxicloroquina e ivermectina, já foram desmentidas por Lupa e AFP.
Ivermectina não tem eficácia comprovada contra covid
A ivermectina não tem eficácia contra covid atestada pelos órgãos reguladores, nem pela fabricante.
A Anvisa afirma, em nota publicada em julho de 2020 e atualizada em abril deste ano, que "não existem estudos conclusivos que comprovem o uso da ivermectina contra o coronavírus".
O uso também não é recomendado pela OMS. Em sua última atualização sobre o medicamento, de 31 de março, a instituição "não recomenda o uso em pacientes com covid-19, exceto no contexto de testes clínicos".
A EMA também desaconselha o seu uso fora de ensaios clínicos.
A suposta eficácia da ivermectina para covid já foi desmentida até pela fabricante. Em nota divulgada em março, a farmacêutica MSD (Merck Sharp and Dohme), que produz o medicamento, mas não vende o produto no Brasil, afirmou que não há evidências de que o remédio traga benefícios ou seja eficaz no tratamento da covid.
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