"Amadora" e "a cara do governo": especialistas criticam consulta pública
A consulta pública para colher opinião sobre a vacinação infantil contra a covid-19 no país, colocada no ar hoje pelo Ministério da Saúde, comandado por Marcelo Queiroga, recebeu críticas de especialistas e líderes de sociedades médicas e científicas.
O sistema lançado pelo governo, que apresentou instabilidade, foi lançado nesta manhã —procedimento nunca usado por qualquer governo para liberar uma vacina.
Entre os argumentos mais citados, especialistas ouvidos pelo UOL alegam que há confusão no questionário e indução na resposta do internauta, além da inclusão de perguntas sem argumento científico.
"A gente imaginaria que teríamos uma consulta pública só com uma pergunta, para que as pessoas se posicionassem a favor ou contra a utilização. Só que o formulário ele veio com uma pré-definição do que o ministério imagina fazer. Estão colocando uma série de barreiras, provavelmente até para ser colocado em prática", diz Juarez Cunha, presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações).
Ele cita que a consulta traz questões ligadas, por exemplo, à obrigação de ter atestado médico para vacinar, que não tem fundamento e não é usada para outros casos de imunizações.
"Depois pede um um consentimento informado aos familiares e uma série de outras situações", diz Cunha, citando a a recomendação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para que crianças fiquem 20 minutos na sala de vacinação após a imunização para observação.
"Isso não tem sentido nenhum. Aquilo é uma coisa que tem de ser discutida com a Anvisa, porque os 20 minutos em observação necessitaria se a gente tivesse algum receio de reações alérgicas graves, mas não é isso que tem sido relatado de evento adverso que nos preocupe", completa.
O pediatra e diretor da comissão de Imunizações da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), Renato Kfouri, aponta que as perguntas são "dirigidas, induzidas e mal feitas''.
"Se a gente quisesse realmente saber a opinião da população não é assim, ouvindo grupos de internet. Teria que fazer uma pesquisa com representatividade de amostra, de classe social, de idade, de região do país para entender o que que a população pensa desse tema", diz.
É um absurdo! Isso é uma questão técnica que não devia ter baseado na opinião da população esse é o problema. Agora ouvir a opinião da população se quisesse ouvir de maneira correta, não nos grupos de WhatsApp, nos grupos de internet carregados de robôs que andam alimentando as questões. Está tudo errado!
Renato Kfouri
A pediatra e diretora regional São Paulo da SBIm, Melissa Palmieri, alegou que o formulário gerou indignação.
"Os profissionais de saúde comprometidos com a saúde das crianças em meio à pandemia e que necessitam da implantação o mais precoce possível da vacinação covid estão indignados com vários fatores relacionados a esta consulta pública", afirma.
O primeiro é que ela induz a perguntas que geram confusão em sua resposta. O segundo é que a maioria que tentou fazê-la até esta manhã estava impedida de dar a colaboração. E terceiro, é sabido que ela não respeita a LGPD (Lei Geral de Proteção e Dados)
Melissa Palmieri
Para ela, o processo de aprovação jamais deveria deixar de ouvir quem estuda e entende do assunto.
"Além do mais, existem formas adequadas de representatividade destes mesmos profissionais de saúde, e que já foram muito bem estabelecidas através da sociedades científicas —que não estão sendo ouvidas. Isso torna este processo ainda mais discutível da sua necessidade", completa.
O neurocientista Miguel Nicolelis também destaca que o formulário é "extremamente confuso." "Claramente não tem nenhuma validade científica", diz, citando que ele é "a cara do governo."
A consulta como um todo é absurda porque não se decide uma questão destas desta forma. Principalmente com o grau de desinformação que existe hoje no Brasil. Formulário feito às pressas, mal estruturado e totalmente amador, como tudo que vem deste governo em relação à pandemia
Miguel Nicolelis
O diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Manoel Galdino, também fez ponderações à forma de como o tema foi aprovado. Ele ressalta é que a consulta pede uma série de dados pessoais.
"A gente não sabe como as informações vão ser utilizadas. Eles permitem, inclusive, que empresas possam fazer parte da consulta, e isso não tem nenhuma razão. Eles não explicam qual é a relevância de empresas, e não pessoas físicas, participarem de uma consulta de vacinação de crianças", alega.
A consulta pública é uma armadilha mal feita, e parece que de propósito porque, enquanto a gente perde tempo criticando todos os problemas que ela tem, abre margem para o governo refazer a consulta e adiar mais uma vez a tomada de decisão
Manoel Galdino
A presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Rosana Onocko, lembra ainda que as questões do formulário não deveriam ser debatidas por pessoas fora da área de especialidade por serem perguntas que já tem avaliação técnica unânime da Anvisa e do comitê técnico do Ministério da Saúde.
"As consultas públicas se justificam quando não se tem um nível de evidências adequado para algumas coisas, ou quando tem questões clínicas que a gente ainda quer escutar um pouco a sociedade e outros setores interessados —então se permite que grupos se manifestem sobre um assunto", explica.
No caso de uma pandemia com as crianças pegando covid não tem relação com esses casos. Essa consulta é mais uma estratégia protelatória do ministro do Bolsonaro. Não tem o menor cabimento
Rosana Onocko
O presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Pigatto, também criticou a consulta.
"Uma consulta pública sem fundamento nenhum, com perguntas direcionadas —seja para qual interesse for, não é o interesse da saúde do povo brasileiro. Nós repudiamos e continuaremos defendendo o posicionamento do Conselho de vacinação imediata para crianças de 5 a 11 anos", afirma.
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