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Brasil proíbe autoteste de covid-19, mas libera de gravidez e diabetes

Na Inglaterra, moradores podem retirar kits de autotestes de covid para fazer em casa - Toby Melville/Reuters
Na Inglaterra, moradores podem retirar kits de autotestes de covid para fazer em casa Imagem: Toby Melville/Reuters

Ana Paula Bimbati

Do UOL, em São Paulo

07/01/2022 04h00Atualizada em 17/02/2022 11h47

Desde o início da pandemia de coronavírus, especialistas têm alertado que o Brasil derrapa em uma das principais estratégias para acompanhar o avanço da covid-19: a testagem. Adotados em diferentes lugares do mundo, os autotestes são proibidos no território brasileiro devido a uma resolução de 2015 da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

No documento, a agência justifica a decisão afirmando que "não podem ser fornecidos a usuários leigos" produtos que atestem a "presença ou exposição a organismos patogênicos ou agentes transmissíveis, incluindo agentes que causam doenças infecciosas passíveis de notificação compulsória".

Por outro lado, testes de gravidez e de diabetes são comercializados em farmácias e podem ser feitos sem a presença de um profissional especializado. Procurada pela reportagem, a Anvisa não respondeu aos questionamentos.

"A pergunta que a gente quer responder ao fazer um autoteste é se a pessoa, naquele momento, está transmitindo a doença ou não. Não é um teste de diagnóstico, mas de contagiosidade", afirma Evaldo Stanislau, infectologista no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Na Inglaterra, por exemplo, os moradores podem retirar autotestes gratuitamente em diferentes locais. O governo disponibiliza um manual de uso com orientações para diferentes situações. Uma pessoa que tem contato com alguém que testou positivo, por exemplo, pode receber um kit com sete testes para fazer em casa ao longo de uma semana.

Tratam o autoteste como se fosse uma viagem para Marte, mas esse tipo de teste já é feito em diabéticos, por exemplo, no controle da glicemia"
Evaldo Stanislau, infectologista

O infectologista explica que além de disponibilizar o material, é importante educar a sociedade quanto à repetição do teste.

Para quem é dos Estados Unidos ou está a passeio, por exemplo, pode encontrar o produto em qualquer farmácia.

A resolução da Anvisa, no entanto, indica que a proibição pode ser revogada "tendo em vista políticas públicas e ações estratégicas formalmente instituídas pelo Ministério da Saúde e acordadas com a Anvisa". A agência não informou ao UOL se estuda derrubar essa proibição.

Os testes da Inglaterra ainda vão com um QR Code, que informam o resultado para abastecer a base de dados do sistema de saúde britânico. No Brasil, com a estrutura do SUS (Sistema Único de Saúde), o infectologista do HC afirma que existem diferentes formas para comunicar o diagnóstico — médico da família, 0800 do Ministério da Saúde, entre outros.

'Não basta liberar, é necessário política estruturada'

Para Lorena Guadalupe Barberia, professora do Departamento de Ciências Políticas da Universidade de São Paulo e integrante do Observatório Covid-19 BR, a liberação dos autotestes deve vir acompanhada de uma política estruturada de testagem por parte do Ministério da Saúde.

"A liberação por si só não vai ajudar em um controle efetivo da pandemia, mas sim um processo coerente do governo federal. Se apenas liberar, continuaremos tendo no Brasil teste apenas para quem pode pagar ou tem acesso facilitado", a Barberia.

Stanislau aponta também que incluir os autotestes no Brasil significaria uma economia. Como gestor de um local privado de saúde, o infectologista trocou o teste PCR pelo teste de antígeno. "Não só tive uma economia de milhões de reais, mas evitei milhares de internações pela rapidez de diagnóstico", disse.

Estamos no terceiro ano da pandemia. Sabíamos da ômicron desde o final de novembro, tivemos tempo para ter uma estratégia mais inteligente para proteger a população dessa variante. As pessoas precisam entender que o momento é arriscado e precisamos agir diferente. Não temos dados para mostrar isso"
Lorena Barberia, professora da USP

A professora da USP recomenda que o governo eduque a sociedade em relação aos tipos de teste e o que fazer ao receber um diagnóstico positivo ou negativo. Uma pessoa com sintomas, mas que testou negativo, não deve sair do isolamento, por exemplo.

"Desde o início tivemos uma estratégia confusa de testagem e as últimas atitudes do Ministério da Saúde só trouxeram mais dúvidas à população", afirma Barberia. Como exemplo, a professora cita o apagão de dados, a falta de comunicação do governo federal sobre os riscos do atual momento e as dúvidas impostas pela pasta sobre a vacinação das crianças — já aprovada pela Anvisa e recém-anunciada pelo governo federal.

Tipos de testes para detectar a covid-19

Há diferentes testes liberados no país para identificar se uma pessoa foi ou não infectada pelo coronavírus. Nos últimos dias, laboratórios privados registraram a falta do produto, que pode ser encontrado também em farmácias, postos de saúde e hospitais.

Para identificar a presença ativa do vírus, no Brasil você pode encontrar os testes:

  • RT-PCR: considerado padrão de referência para diagnosticar a covid-19, ele é feito por meio do swab nasal (cotonete grande introduzido no nariz ou na garganta), para colher a secreção respiratória com o material genético do vírus vivo. Deve ser feito na primeira semana de sintomas.
  • PCR-Lamp: é o teste molecular mais barato, conveniente, avançado e de rápido resultado para a detecção de coronavírus. Pode ser comprado diretamente pelo consumidor final, geralmente online, sem pedido médico. Diferente também do RT-PCR, ele é feito pela saliva.
  • Antígeno: também chamado de "teste rápido", utiliza o swab nasal. O teste de antígeno busca fragmentos (proteínas) do vírus para apontar a infecção e fica pronto em até 30 minutos.