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Saúde abre consulta para vacinar bebês; 'demora intencional', dizem médicos

Pfizer foi liberada pela Anvisa sem restrição de aplicação, mas recomendação da Saúde é a de imunizar crianças entre 6 meses e menores de 3 anos com comorbidades - iStock
Pfizer foi liberada pela Anvisa sem restrição de aplicação, mas recomendação da Saúde é a de imunizar crianças entre 6 meses e menores de 3 anos com comorbidades Imagem: iStock

Do UOL, em São Paulo

07/12/2022 04h00

O Ministério da Saúde abriu ontem uma consulta pública sobre a proposta de incorporação no SUS (Sistema Único de Saúde) da vacina da Pfizer para bebês de 6 meses a crianças menores de 5 anos contra a covid-19.

Especialistas ouvidos pelo UOL Notícias avaliam que se trata de mais uma investida do governo Jair Bolsonaro (PL) contra a vacinação infantil —a "Pfizer Baby" foi liberada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em 16 de setembro sem restrição de aplicação, mas atualmente a recomendação do ministério é a de imunização de crianças entre 6 meses e menores de 3 anos apenas com comorbidades.

Conforme mostrou reportagem do jornal Folha de S.Paulo em outubro, a pasta do governo federal contrariou a orientação de sua câmara técnica de assessoramento ao indicar a vacina apenas para bebês com comorbidades.

As manifestações para a consulta pública podem ser enviadas até o dia 15 de dezembro pelo site da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ao SUS) e qualquer pessoa pode participar.

Medida inédita para protelar a vacinação das crianças. A Conitec, órgão ligado à Saúde, é responsável por assessorar o ministério na avaliação medicamentos e tratamentos a serem incluídos no SUS. No entanto, é a primeira vez que a comissão participa da liberação de uma vacina contra a covid-19, algo visto por especialistas como uma forma de dificultar a chegada dos imunizantes aos braços de bebês e crianças. Nos Estados Unidos, a vacinação para essa faixa etária está liberada desde junho.

Normalmente, segundo os especialistas, o uso do imunizante passa apenas pelo aval da Anvisa e da CTAI (Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização).

Não existiria no processo normal de incorporação pelo SUS de vacinas a necessidade de avaliação pela Conitec, visto que é uma estratégia que já foi aprovada pela Anvisa. Nunca as vacinas foram passadas pela Conitec. Não precisaria ter esse trâmite, mas a gente sabe que é uma pauta de apoiadores do governo atual.
Alexandre Naime Barbosa, vice-presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia)

Na semana passada, a Conitec deu o primeiro parecer favorável para aplicação do imunizante no público de 6 meses até menores de 3 anos sem comorbidade. Após o processo de consulta pública, o tema volta para a comissão para parecer final.

Questionado, o Ministério da Saúde informou, em nota, que monitora permanentemente o cenário epidemiológico da covid-19, assim como o andamento da vacinação em todas as faixas etárias.

"Com o fim da ESPIN (Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional), a ampliação das doses para as crianças nessa faixa etária sem comorbidades passou a ser avaliada de forma prioritária pela Conitec."

Só este ano, já foram registradas 480 mortes de crianças de até 5 anos decorrentes da covid-19 e 13 mil internações, segundo dados do próprio Ministério da Saúde.

Anvisa já afirmou que a vacina é segura e eficaz para bebês de 6 meses e crianças. Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), também ressalta o ineditismo da medida passar pela Conitec e diz que "há uma forte má vontade" do ministério em vacinar crianças.

"Essa manobra protelatória mais uma vez é um enorme equívoco. A compra das vacinas já deveria estar acontecendo há muito tempo, a vacinação desse grupo já deveria estar na reta final", destaca.

Naime Barbosa diz não ver serventia no processo de consulta pública porque o imunizante já passou pelo crivo de especialistas.

"Para que serve? Para pessoas que não têm conhecimento técnico se manifestem com argumentos anticientíficos? É como se eu fosse construir um prédio e pedisse opinião de pessoas não qualificadas para saber qual material usar. Qual o sentido disso?", questiona.

O governo está indo embora, mas continua com esse modus operandi que marcou a história da pandemia. Esse é o único grupo que não foi vacinado ainda. É triste, é revoltante, me faltam adjetivos para descrever o quanto essa demora proposital, intencional, adiciona óbitos. Colocam entraves numa estratégia que salva vidas.
Alexandre Naime Barbosa, vice-presidente da SBI

O presidente do Departamento de Infectologia da SBP, Marco Aurélio Sáfadi, também diz enxergar a consulta como "um atraso desnecessário", já que os órgãos competentes foram unânimes em destacar a segurança e a eficácia da vacina.

Não acho compreensível não disponibilizar [vacina] para esse grupo. Obviamente as comorbidades aumentam riscos de complicação, mas praticamente metade dos mortos eram crianças saudáveis. Esse lema de que criança saudável não interna é mentira.
Marco Aurélio Sáfadi, da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria)

No final do ano passado, por pressão de Bolsonaro, uma consulta pública para a vacinação contra a covid de crianças de 5 a 11 anos também foi levada ao ar. Na ocasião, o presidente ameaçou expor o nome dos funcionários que trabalharam na análise da imunização de crianças, o que gerou apreensão dentro da Anvisa — foram mais de 150 ameaças virtuais.