Por que 8 Unimeds estão entre os 20 planos com mais reclamações na ANS

As reclamações de consumidores contra as operadoras de saúde no Brasil atingiram o seu maior patamar desde que a ANS (Agência Nacional de Saúde) criou o IGR (Índice Geral de Reclamação), em 2018. Chama a atenção a quantidade de queixas contra a Unimed: oito delas aparecem entre as 20 operadoras com mais reclamações.

O que explica o número de reclamações contra a Unimed

A Unimed não é uma só. É um conjunto de cooperativas que atende ao todo 19 milhões de clientes pelo Brasil. São separadas administrativamente, mas se comunicam entre si pela Unimed do Brasil, a representante institucional de todas elas.

São diversas empresas independentes umas das outras, sem vínculo societário, nem filiais. O que existe é um acordo comercial para que todas usem a mesma logomarca.
Rodrigo Araújo, advogado especialista em direito médico

O ranking de reclamação da ANS tem 85 operadoras de grande porte; quase metade (42) são de Unimeds. Duas estão no top 10, sendo a Unimed Rio a primeira colocada. A posição no ranking depende do IGR, um indicador que mede a satisfação do usuário levando em conta a quantidade de reclamações contra a empresa e o número de clientes de cada plano.

Apesar de 8 Unimeds aparecerem no top 20 de operadoras com mais reclamações, o índice de queixas das outras Unimeds é baixo. Por isso a taxa média de reclamações das 42 Unimeds do ranking ficou em 39,2 entre janeiro e julho, enquanto a média das outras operadoras —sem as Unimeds— ficou em 57,7.

Unimed tem muitos clientes. Somadas, suas 340 cooperativas se espalham por 84% do território nacional, abarcando 19 milhões de um total de 50,7 milhões de pessoas com plano médico no Brasil. A maior delas é a Unimed Nacional, em sexto lugar, com 2 milhões de segurados. A líder geral é a Hapvida, com 4,2 milhões de clientes.

"Como são muitos clientes, há naturalmente mais reclamação. Não dá para dizer que a Unimed é pior do que as outras", opina a professora de medicina e pesquisadora Ligia Bahia, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Nossa média de reclamação é baixa quando se leva em conta que a Unimed tem 19 milhões de beneficiários e está presente em nove em cada dez municípios.
Glauco Samuel Chagas, superintendente executivo da Unimed do Brasil

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O executivo cita outro índice da ANS, o IDSS (Desempenho da Saúde Suplementar), de 2022. Das 60 operadoras que obtiveram nota máxima, 53 são Unimeds.

Falta de transparência aumenta reclamações, dizem advogados. Embora sejam diversas Unimeds com suas próprias redes credenciadas, "a Unimed se coloca como uma grande empresa que vai garantir cobertura a todos", diz Rafael Robba (Vilhena Silva Advogados), especialista em direito médico. O também advogado Araújo concorda.

O corretor vende um plano dizendo que a Unimed tem a maior cobertura do Brasil. Aí o cliente, que raramente lê contrato, olha o mesmo padrão nos sites das Unimeds, a mesma logomarca, com a mesma fonte e cores, e acredita ter cobertura em todo o Brasil, mas não é bem assim.
Rodrigo Araújo, advogado

Cobertura nem sempre é a mesma, e segurado pode ter dificuldade quando vai para outra cidade. O segurado que mora no interior e contrata a Unimed com cobertura nacional, por exemplo, costuma comprar o melhor produto no seu município, com boa cobertura na região. O problema é quando ele precisa de assistência longe de casa.

"Quando esse paciente chega a São Paulo, descobre que a cobertura na Unimed local é básica", diz Araújo. "Nunca vi no interior de SP um plano de cobertura nacional que dê direito, na capital, a ir ao Albert Einstein, Oswaldo Cruz, Sírio-Libanês e Samaritano. Tive cliente do interior que foi mandado para o Itaim Paulista", completa o advogado, citando o bairro do extremo leste da cidade.

O superintendente da Unimed afirma que serviços de emergência e urgência são garantidos a todos no país inteiro. Ele diz que a rede credenciada "está na carteirinha do usuário", mas admite que "a comunicação dessa informação não é tão eficiente quando há um intermediário", afirma Chagas, a respeito da corretagem.

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Nem toda Unimed é igual. Os especialistas afirmam que a Unimed é muito bem vista no interior. "As pessoas normalmente gostam. Os hospitais próprios são os melhores nessas cidades", declara Araújo. Já nas grandes capitais "é o contrário". Cidades como São Paulo e Rio são destinos do chamado "turismo médico". "Quando tudo dá errado, as pessoas vão para as metrópoles, mas lá se decepcionam com a diferença de cobertura e abrem reclamação", afirma.

Más decisões de algumas afetam a imagem de todas. Ligia Bahia lembra que as Unimeds de Curitiba, Rio Grande do Sul e Campinas são bem avaliadas, mas lembra que, "por má gestão", a Unimed Paulistana quebrou em 2016 mesmo com 744 mil segurados. Hoje, a Unimed-Rio lidera o ranking de operadoras com mais reclamação.

Um dos principais problemas da Unimed-Rio foi assumir os cerca de 160 mil segurados (pessoa física) da Golden Cross em 2013. "A Golden tinha cobertura nacional, e a da Unimed-Rio se concentra principalmente na capital", diz Araújo. O superintendente Chagas afirma que, na época, a ANS "considerou que a Unimed-Rio tinha condições financeiras e assistenciais para atender a carteira".

Procurada, a ANS afirmou que autorizou a transferência da carteira da Golden Cross para Unimed-Rio depois de verificar "as condições da operadora suportar a operação" e "não constatar nada que impedisse o negócio".

Ainda assim, diz que seguiu monitorando o negócio e, ao notar "desvios" na soliddez financeira e qualidade do serviço, instaurou "regimes especiais de direção fiscal e técnica". Agora, a cooperativa precisa apresentar "um Plano de Saneamento com ações, medidas e metas de recuperação".

Robba lembra que cada cooperativa tem sua própria realidade financeira. "Uma vai bem, outra vai mal. Isso torna a Unimed um caso bem peculiar", comenta.

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Denúncias recentes afetam a imagem da Unimed. Robba cita a Unimed Nacional, que neste ano piorou ao cancelar diversos contratos unilateralmente, afetando especialmente pacientes com autismo, como mostrou o UOL.

As Unimeds respondem por 186 das 231 denúncias de cancelamento unilateral de planos recebidas neste ano pela deputada Andréa Werner (PSB), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, da Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).

Reclamações contra planos batem recorde

As reclamações contra planos de saúde como um todo quase quadruplicou no Brasil desde que a ANS criou o IGR, em 2018. Esse número era de 15,5 em 2018, atingiu 37 em 2022 e 44,8 nos quatro primeiros meses de 2023. Em julho, atingiu a média anual de 57,6.

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O que dizem as Unimeds?

O UOL procurou por telefone e e-mail as oito operadoras citadas no ranking; as Unimeds Rio, Teresina, Recife, Vitória, Uberlândia, Grande Florianópolis e Goiânia responderam.

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A Unimed Teresina atribui o aumento das reclamações à pandemia e às atualizações periódicas no rol de procedimentos médicos que a ANS obriga as operadoras a bancar. "A determinação do fim dos limites das terapias aumentou muito a demanda", declara a operadora, que lamenta a "carência de terapeutas ocupacionais no mercado local", aumentando a "judicialização". Para "reverter" a situação, a cooperativa reestruturou sua área de relacionamento, com um projeto, o THEAcolher, que "deverá atender clientes que necessitam de cuidados diferenciados".

A Unimed Vitória "informa que cumpre rigorosamente as normas da ANS", tem "compromisso de garantir saúde e bem-estar a todos" e está trabalhando "para melhorar a qualidade e a eficiência em todas as etapas de atendimento".

A Unimed Grande Florianópolis diz que "as operadoras necessitam adequar-se num curto intervalo de tempo para atender a todas as determinações da ANS" após a pandemia. "Seguiremos ampliando parcerias para fortalecer a nossa rede e suprir os atendimentos, bem como continuar com investimentos no fator humano, estrutura e tecnologia", afirma, em nota.

Líder do ranking, a Unimed-Rio afirma em nota que "todas as manifestações dos clientes são analisadas e tratadas, como parte do compromisso permanente com a melhoria dos serviços prestados".

A Unimed Recife declara que as reivindicações de clientes "estão sendo tratadas pelos setores responsáveis" e que seu compromisso é "oferecer atendimento de excelência aos seus beneficiários".

A Unimed Uberlândia diz que houve "crescimento expressivo na carteira no último ano", com aumento proporcional ao número de reclamações. "Porém, este [problema] foi contingenciado e no último mês voltamos à normalidade com reestruturação interna", diz a cooperativa, que em julho diz ter recebido da ANS a "certidão de acreditação Nível 1 OURO", pela comprovação de boas práticas. "Alcançamos a faixa zero na Garantia de Atendimento, melhor índice de acompanhamento do acesso dos beneficiários às coberturas contratada", diz em nota.

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A Unimed Goiânia afirma que "segue rigorosamente as regras e prazos definidos pela ANS". "Todas as manifestações dos clientes são analisadas e tratadas, como parte do compromisso permanente com a melhoria dos serviços prestados". A empresa cita a ampliação de procedimentos no rol da ANS, a exigência de novas terapias e o aumento dos custos assistenciais após a pandemia e declara que "segue investindo na qualidade dos seus serviços e na saúde dos seus beneficiários, como na inauguração do Espaço Bem-te-vi, dedicado ao TEA, ação pioneira no país".

Escritório da primeira Unimed, fundada em Santos em 1967
Escritório da primeira Unimed, fundada em Santos em 1967 Imagem: Divulgação

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