Carlos Madeiro

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Reportagem

Microcefalia por oropouche reacende traumas da tragédia do vírus da zika

Os casos de microcefalia associados à transmissão vertical (de mãe pra filho no útero) da febre oropouche reacenderam os traumas da epidemia do vírus da zika há 9 anos, que gerou casos de malformação fetal e fez a OMS decretar emergência mundial.

Naquela ocasião, a partir de setembro de 2015, médicos começaram a perceber um número alto de bebês que nasciam com microcefalia, sem explicação.

Foi quando a neuropedriatra Vanessa Van der Linden, após conversas com colegas de hospitais do Recife, passou a suspeitar de que havia um novo agente infeccioso e informou à Secretaria de Saúde de Pernambuco, que notificou o Ministério da Saúde e começou a apurar os casos.

Após meses de estudos, em novembro daquele ano, testes mostraram a presença do vírus no líquido amniótico de uma mãe que gestava uma filha com microcefalia. Após mais análises, ficou comprovado que os casos eram consequência da infecção de gestantes pelo vírus da zika.

Entre 2015 e 2023, a síndrome congênita associada à infecção pelo vírus zika teve 1.828 casos confirmados, sendo 1.380 (75,5%) no Nordeste.

1.mar.2016 - Neuropediatra Vanessa Van Der Linden mostra exame de criança com microcefalia
1.mar.2016 - Neuropediatra Vanessa Van Der Linden mostra exame de criança com microcefalia Imagem: Beto Macário/ UOL

Óbito fetal é caso chave

Agora, Pernambuco novamente voltou a ser o estado chave para os estudos. A vigilância epidemiológica notificou um caso, e mandou para estudos, de um feto com 30 semanas que morreu durante a gestação. O resultado indicou que ele estava com o vírus oropouche, o que evidencia a transmissão vertical.

Estamos preocupados. Esse é um caso que lembra muito o que houve em 2015, pois era uma gestação mais avançada. Isso acende traumas. Temos várias mães que vivem ainda o problema e entendem o impacto do que isso pode vir a representar daqui a uns meses.
Bruno Ishigami, infectologista e secretário executivo de Vigilância em Saúde de Pernambuco

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Por conta do caso, Pernambuco está fazendo testes de oropouche para todos os casos de suspeita de viroses que tenham resultados negativos para outras doenças.

Isso nos deixou apreensivos, porque a gente detectou esse caso, mas quantos outros podem estar ocorrendo e a gente não sabe?
Bruno Ishigami

Pioneira acredita em história diferente

Médica Adriana Melo, que fez relação entre zika e microcefalia
Médica Adriana Melo, que fez relação entre zika e microcefalia Imagem: Bruno Landim Pedersoli/UOL

A médica paraibana Adriana Melo foi quem coletou a amostra de líquido amniótico de uma mulher grávida e a enviou para testes em novembro de 2015. A amostra serviu de base para confirmar a relação de zika e microcefalia.

Ela afirma que a situação atual lembra o cenário da zika e merece atenção máxima pela semelhança do que ocorreu em 2015. Porém, ela alerta que há uma diferença do que ocorreu naquela época: a precocidade com que o problema foi percebido.

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Entre dezembro de 2014 e junho de 2015 o vírus foi circulando, aumentando, e muita gente adoeceu; quase todo mundo teve zika. A gente só descobriu a microcefalia pelas alterações fetais. Dessa vez a gente tem uma oportunidade de agir antes de a situação se agravar.
Adriana Melo, médica

Ela cita que, no caso da febre oropouche, a circulação do vírus ocorre de forma menos intensa, e os quatro bebês com microcefalia foram descobertos em análise de casos retrospectivos.

Ou seja, essas crianças nasceram [com microcefalia] não por esse surto de agora, mas por casos isolados em 2023, quando a doença estava localizada no Norte. Lembrando que a gente sempre tem subnotificação, não pode dizer que não tem caso em outras partes.
Adriana Melo

Na época da zika, diz, a doença se espalhou antes que as alterações fossem percebidas. "Alguns nem sabiam o que era zika, acharam que era uma dengue fraca", diz.

Adriana hoje comanda o Ipesq (Instituto Professor Joaquim Amorim Neto de Desenvolvimento), em Campina Grande, que é referência em acompanhamento de crianças com microcefalia associada à zika.

15.fev.2024 - Farmácia em Sobradinho (DF) informa repelentes em falta durante alta de casos de dengue
15.fev.2024 - Farmácia em Sobradinho (DF) informa repelentes em falta durante alta de casos de dengue Imagem: Jéssica Nascimento/UOL
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O virologista Felipe Naveca, responsável pelo protocolo desenvolvido na Fiocruz Amazônia que está sendo usado em todo país para diagnosticar a febre oropouche, alerta que, se confirmados os danos neurológicos gerados pelo vírus, seria algo inédito.

Assim como ocorreu para a zika, é fundamental o papel da vigilância em saúde em levantar os casos suspeitos para que sejam ou não confirmados. O pior erro que podemos cometer é partir do pressuposto que não temos transmissão vertical ou óbitos, e por conta disso deixar de investigar esses eventos.
Felipe Naveca, virologista

A doença

A febre oropouche, causada por vírus de mesmo nome, tem se espalhado pelo país este ano e já tem transmissão confirmada em 16 estados. A doença é transmitida pelo inseto Culicoides paraensis, também conhecido como maruim, meruim ou mosquito-pólvora, dependendo da região.

Os sintomas são parecidos com os da dengue e da chikungunya: dor de cabeça, dor muscular, dor nas articulações, náusea e diarreia.

Mosquito maruim, transmissor da febre oropouche
Mosquito maruim, transmissor da febre oropouche Imagem: Fiocruz

Segundo o Ministério da Saúde, até agora foram 7.044 casos confirmados no Brasil, com transmissão autóctone em 16 estados. Outros três estados estão com essa transmissão em investigação.

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Não há terapias específicas para o manejo clínico da febre oropouche. O tratamento visa o alívio dos sintomas.
Ministério da Saúde

Recomendações a gestantes

Diante do cenário, o ministério da Saúde faz quatro recomendações a gestantes:

  • Evitar áreas onde há muitos insetos, se possível, e usar telas de malha fina em portas e janelas;
  • Usar roupas que cubram a maior parte do corpo e aplicar repelente nas áreas expostas da pele;
  • Manter a casa limpa, incluindo terrenos e locais de criação de animais, e recolher folhas e frutos que caem no solo;
  • Se houver casos confirmados na sua região, seguir as orientações das autoridades de saúde locais para reduzir o risco de transmissão.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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