É difícil ver pessoas morrerem impotentes e sem a família, diz enfermeiro
Os turnos são longos e as cenas são de partir o coração dentro de um hospital de Maryland, um estado dos EUA, onde médicos e enfermeiros estão tratando de pacientes com coronavírus há semanas, incapazes de permitir a entrada de familiares para visitar seus entes queridos em seu leito de morte.
Um dos momentos mais duros de um recente dia de trabalho para a enfermeira Julia Trainor foi entubar uma paciente e depois telefonar para o marido desta para que ele pudesse falar com sua esposa. Ele não foi autorizado a entrar no hospital.
"Tive que colocá-lo no telefone e segurar o telefone no ouvido dela para que ele pudesse dizer a ela que a amava, e depois enxugar as lágrimas dela", disse Trainor, que trabalha na unidade de terapia intensiva cirúrgica. "Estou acostumada a ver pacientes muito doentes e estou acostumada a ver pacientes morrerem, mas nada assim."
A doença altamente contagiosa da covid-19, causada pelo novo coronavírus, infectou mais de 825 mil pessoas por todos os Estados Unidos e matou mais de 45 mil até a manhã de hoje.
Em Maryland, onde os moradores foram ordenados a permanecer em casa desde 30 de março para conter a disseminação da doença, há cerca de 12 mil casos confirmados do vírus e mais de 580 pessoas morreram até a manhã de hoje.
Após concluir aquele que para muitos foi um turno de mais de 12 horas, alguns médicos e enfermeiros de um hospital compartilharam com a Reuters os momentos mais difíceis de seu dia. O hospital pediu que seu nome não fosse citado.
Os funcionários concordaram que uma das partes mais difíceis do trabalho, mais do que a jornada extenuante ou o ajuste ao trabalho em uma nova ala, foi testemunhar o impacto sobre pacientes e familiares.
Devido à política do hospital de não permitir visitas, que foi adotada para prevenir uma maior disseminação do vírus, médicos e enfermeiros devem cuidar das necessidades médicas dos pacientes e oferecer o máximo de apoio emocional que podem na ausência dos familiares destes.
O momento mais difícil durante o turno foi ver pacientes da covid-19 morrerem impotentes e sem membros da família ao lado deles
Ernest Capadngan, enfermeiro da unidade de biocontenção do hospital
A comunicação com as famílias tem sido um fardo pesado para os funcionários do hospital. Eles não podem relaxar as regras que proíbem visitantes, mesmo quando uma família telefona em desespero.
"Um paciente caiu do leito hoje e tive que ligar para a esposa dele para informá-la e dizer que ela não podia vir vê-lo, apesar de ela ter implorado para vir", disse Tracey Wilson, 53, enfermeira.
"Um dos momentos mais difíceis foi ver um familiar de um paciente da covid se despedir pelo iPad", disse Tiffany Fare, 25, uma enfermeira da unidade de biocontenção. "Você não pode ver seu ente querido e então ele morre."
Há muito poucas oportunidades de descanso durante um turno, apesar de os colegas cuidarem uns dos outros e tentarem cobrir uns aos outros quando alguém precisa de uma pausa.
Cheryll Mack, 46, uma enfermeira da emergência, disse que tenta dar uma saída de 15 minutos durante o dia para respirar. "Isso me dá um alívio, um pouco de ar puro", disse Mack.
"A disseminação do covid-19 afetou muitos meios de subsistência, as vidas de muitas pessoas. Criou uma crise, mortes em geral. Então gostaria de pedir não para uma pessoa individualmente, mas para as pessoas de todo o mundo, que se juntem à plataforma de que isso é algo que ninguém pode combater sozinho", disse Mack.
Cada turno termina com um procedimento semelhante de descontaminação. Médicos e enfermeiros devem remover seu equipamento de proteção e tomar imediatamente uma ducha antes de entrar em contato com seus familiares em casa.
"Eu tomo um banho bem quente e bem demorado. Depois, geralmente, sento no sofá e... leio um livro ou assisto algum reality show bobo para desestressar", disse Martine Bell, 41, uma enfermeira.
"O mais difícil em tudo isto tem sido cuidar de companheiros de atendimento de saúde. Isso realmente nos atinge e é realmente assustador quando você vê alguém que poderia ser você chegando e você passando a cuidar dela. Também começamos a perceber que quando pessoal de atendimento de saúde começa a adoecer, quem cuidará do público?", disse Bell.
Laura Bontempo, uma médica da emergência, disse que tira suas roupas de trabalho e equipamento em uma tenda de descontaminação que armou do lado de fora de sua casa, depois se enrola em uma toalha e corre para o chuveiro.
Depois ela coloca a roupa sozinha na máquina de lavar para não contaminar outras peças.
Meghan Sheehan, uma enfermeira de 27 anos, disse que dirige de volta para casa toda noite sem ligar o rádio e faz uso do momento em silêncio para refletir sobre seu turno e seus pacientes. Quando chega em casa, ela se esforça para não ficar pensando em seu dia.
"Vou para casa, tomo banho imediatamente e tento jantar com minha família, e tento não falar a respeito", ela disse.
"As noites geralmente são o momento mais difícil, porque você fica pensando constantemente no que o dia seguinte trará."
Kimberly Bowers, 44 anos, uma enfermeira que está cuidando de pacientes com covid-19 em uma unidade de terapia intensiva (UTI), posa para uma foto após um turno de 13 horas. "O momento mais difícil foi quando uma mulher jovem morreu e a família não pôde estar aqui com ela", disse Bowers. "Acho que, no momento, é frustrante e assustador não saber o que acontecerá a seguir."
Dr. Kyle Fischer, 35 anos, um médico da ala de emergência que está cuidando de pacientes com covid-19, posa para uma foto após um turno de 12 horas. "Como se trata de um vírus novo, não temos nenhuma experiência com ele. Em relação à maioria das doenças, estou acostumado a vê-las e tratar delas, mas neste caso, não sei por onde começar. Sei do que fico sabendo de Nova York, li todos os artigos a respeito, mas ninguém sabe quais são as respostas certas, de modo que há uma grande quantidade de incerteza e as pessoas estão muito, muito doentes. Assim, é difícil saber se você está ou não fazendo a coisa certa quando pensa que está, mas nunca sabe ao certo", disse Fischer.
Kaitlyn Martiniano, 25 anos, uma enfermeira que trabalha em uma unidade de biocontenção com pacientes com covid-19, posa para uma foto após um turno de 12 horas e meia. "Temos muitos pacientes e estão muito doentes no momento, mas ainda não fomos tão duramente atingidos quanto Nova York ou Seattle, de modo que me sinto muito afortunada até agora. Todo dia você precisa se manter otimista", disse Martiniano. "Acho que o motivo para não termos sido tão duramente atingidos é porque muitas coisas estão fechadas e porque muitas pessoas permanecem em casa."
Jacqueline Hamil, 30 anos, uma enfermeira que cuida de pacientes com covid-19 em uma ala de emergência, posa para uma foto após um turno de 12 horas.
"O momento mais difícil de meu turno hoje; eu estava no comando, tínhamos um paciente muito doente que estava em um quarto muito, muito pequeno, e quando temos pacientes em estado muito grave, dispomos de uma tonelada de recursos e um monte de pessoas que entram e ajudam os enfermeiros e médicos que cuidam desse paciente. Mas como o paciente aparentemente não sofria com coronavírus, só podíamos ter cinco ou seis pessoas na sala de cada vez, colocando aventais, luvas, máscaras e protetores faciais para nos proteger caso ele tivesse na verdade o coronavírus, o que demora, de modo que a enfermeira que estava lá, acabou ficando no quarto por 6, 7 horas, com pausas mínimas. Foi difícil estar no comando e saber que ela estava presa no quarto, sem que eu pudesse fazer nada para ajudá-la", disse Hamil.
Lisa Mehring, 45 anos, uma enfermeira que trabalha em uma unidade de biocontenção com pacientes com covid-19, posa para uma foto após um turno de 12 horas e meia. "Ver essas novas mães terem bebês foi o momento mais difícil. Além de encarem o trabalho de parto e não poderem estar com seus filhos recém-nascidos, é difícil pensar na família que elas estão perdendo", disse Mehring.
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