Herança de Pinochet está em xeque no Chile, 40 anos após o Golpe

SANTIAGO, 06 Set 2013 (AFP) - Quarenta anos depois do golpe de Estado de 1973, o modelo econômico e político legado pela sangrenta ditadura de Augusto Pinochet é questionado no Chile e cresce o clamor para conhecer toda a verdade e poder, enfim, cicatrizar as feridas.

O novo aniversário deste 11 de setembro, quando as forças golpistas bombardearam por terra e ar o Palácio presidencial de La Moneda, onde o presidente socialista Salvador Allende se suicidou, acontece em um Chile repleto de mobilizações sociais que buscam acabar com a herança da ditadura, às vésperas de uma eleição presidencial.

"Hoje, nós vemos outro país. Um país que resolveu sair para protestar por diferentes demandas (...), com um maior grau de consciência e uma definição clara de que se tem de mudar tudo que foi herdado da ditadura. Isso nos faz enfrentar os 40 anos de uma maneira completamente diferente", diz à AFP a presidente do Grupo de Familiares de Detidos-Desaparecidos, Lorena Pizarro.

"Esta comemoração nos encontra no final de um ciclo político que nasce na ditadura, continua na transição e que hoje, objetivamente, está acabando", analisa o sociólogo Alberto Mayol, autor do best seller "El derrumbe del modelo".

Estimulada pelos estudantes, que gritam nas ruas "e vai cair... e vai cair... a educação de Pinochet!", a sociedade civil chilena exige mudanças em um sistema econômico situado no extremo liberal. É um modelo que coloca o Chile às portas de se tornar um país desenvolvido, mas que evolui com grande desigualdade e um sistema político pouco representativo.

"Toda a obra ditatorial está em xeque hoje em dia", acrescenta Mayol.

Junto com um grupo de discípulos do economista americano Milton Friedman, Pinochet conseguiu fazer a economia decolar, após a privatização da saúde, da educação, do sistema previdenciário e de uma abertura quase total da de sua economia para o exterior.

O Chile está prestes a bater uma renda per capita de US$ 20 mil anuais, a mais alta da região, enquanto os governos da transição democrática conseguiram reduzir a pobreza de 40% para 14%, desde 1990. No entanto, as disparidades sociais ainda persistem.

"Não achamos que se esteja buscando uma mudança radical de voltar ao que tivemos antes dos anos 1970, mas se está buscando, talvez, maior participação de alguns grupos neste modelo. Não é que queiram estar fora do modelo, mas ser mais parte do modelo", afirma o pesquisador do Instituto Liberdade e Desenvolvimento, Francisco Klapp, cuja instituição é de orientação liberal.



-- Uma eleição, duas mulheres e dois modelos --



A dois meses das eleições presidenciais, é também o futuro de um modelo que está em jogo.

A ex-presidente socialista Michelle Bachelet, ampla favorita na corrida ao La Moneda, prometeu uma profunda reforma política para resgatar hipotecas da ditadura, o que inclui a elaboração de uma nova Constituição, deixando para trás a que foi imposta por Pinochet em 1980.

Já sua principal adversária e representante da direita, Evelyn Matthei, pretende manter o modelo.

"Agrada-me que haja mulheres na política, mas não vamos nos enganar. Aqui há uma corrida de projetos de país distintos", frisou Bachelet, em discurso recente para marcar suas diferenças com Matthei.

Passados 40 anos do golpe de Estado, por ironia do destino, a campanha eleitoral coloca em campos opostos duas mulheres que compartilharam a infância, mas cujas vidas tiveram trajetórias diversas depois do fatídico 11 de setembro.

Os pais de ambas eram generais da Força Aérea e tinham uma estreita amizade. Enquanto Alberto Bachelet foi detido nesse mesmo dia por se manter leal a Allende, morrendo meses depois vítima de torturas, Fernando Matthei integrou a junta militar de Pinochet.

Michelle Bachelet e sua mãe foram presas, torturadas e tiveram de deixar o país rumo ao exílio. Já Evelyn Matthei fez parte do círculo íntimo do ditador.



-- Busca da verdade --



Junto com os pedidos por mudanças, cresce a reivindicação da sociedade para saber toda a verdade de uma ditadura que deixou mais de 3.200 mortos, e na qual mais de 38 mil pessoas foram torturadas. Conforme se aproxima a data de comemoração, a revisão por parte da imprensa dos principais crimes reabriu as feridas de uma sociedade que ainda está muito longe de se reconciliar.

"Com o passar do tempo, reconciliação e justiça se tornaram antíteses. Em qualquer país, a justiça pode levar à reconciliação. No Chile, a reconciliação é sinônimo de injustiça e de impunidade. Infelizmente, não se avançou na justiça necessária para provocar um reencontro", comentou Lorena Pizarro.

"Não se pode fechar ciclos, enquanto não forem ditas as coisas que foram omitidas. Passaram-se 40 anos, e há muitas coisas que estão apenas começando a aflorar", disse Isabel Allende, senadora e filha do ex-presidente socialista.

A Justiça chilena mantém abertos cerca de 1.300 processos por crimes cometidos nos 17 anos da ditadura, com pelo menos 800 agentes civis e militares processados, ou condenados. Desse total, cerca de 70 cumprem pena atrás das grades - quase todos em recintos militares especiais.

O então chefe da temida polícia política da ditadura (a Dina), Manuel Contreras, está preso e cumpre pena de mais de 200 anos.

Já Pinochet morreu há sete anos, sem ter sido condenado.

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