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Obama, um legado de luzes, apesar das sombras evidentes

31/10/2016 18h07

Washington, 31 Out 2016 (AFP) - Fica cada vez mais coerente e cruel que o lugar de Barack Obama nos livros de história será sempre medido pela dimensão da esperança - enorme - nascida de sua eleição, dentro e fora dos Estados Unidos, em novembro de 2008.

O prêmio Nobel da Paz, que lhe foi outorgado pouco depois de sua chegada à Casa Branca, ilustra esse paradoxo: o primeiro presidente americano a receber este prêmio foi agraciado pela esperança que fez nascer.

Aos 55 anos de idade, ainda exibe o mesmo sorriso de sempre, mas os cabelos se tornaram predominantemente brancos. Obama deixará a Casa Branca dia 20 de janeiro com a popularidade em seu ponto mais alto, como Ronald Reagan e Bill Clinton.

Há mais de um ano o que se fala sobre Obama tem se concentrado em seu legado, nas conquistas pelas quais será lembrado, ou pelas promessas não cumpridas.

Nesse sentido, Obama deverá sem dúvida ser lembrado como o presidente que ajudou a superar uma crise econômica de violência sem precedentes, que deixou para trás o militarismo permanente dos anos de Bush, dando voz à diplomacia.

Ao mesmo tempo, será recordado por suas dúvidas sobre como agir diante da catástrofe na Síria, com suas centenas de milhares de mortos e milhões de refugiados.

Um país divididoAo deixar a Casa Branca, Obama também deixará para trás um país profundamente dividido, apesar de seu carisma inquestionável.

Essa divisão é a tradução de um sistema político rachado ao meio, entre republicanos e democratas, dois partidos que aparentemente já não sabem dialogar e protagonizam um duelo que na prática paralisa o Congresso.

A presença de Obama na Casa Branca também fez trouxe à tona uma tensão racial como poucas vezes se viu em décadas, apesar de ele sempre ter tido o cuidado de se apresentar como o presidente de todos os americanos, e não apenas dos americanos negros.

Obama também ofereceu à região a melhor notícia em décadas, ao negociar em sigilo uma reaproximação com Cuba para encerrar meio século de enfrentamento e desconfiança.

Os dois antigos adversários mantêm suas rusgas ideológicas, mas agora têm embaixadas formais, já cooperam em diversas áreas científicas e Washington chegou a se abster em uma votação na ONU para condenar o embargo americano a Havana.

O governo Obama também tem o mérito do anúncio formulado em 2 de maio de 2011, sobre a morte de Osama Bin Laden no Paquistão.

Nacionalmente, seu governo conduziu as intermináveis negociações que permitiram a aprovação de uma reforma do sistema de saúde pública, conhecida desde então como 'Obamacare'.

Os tropeçosQualquer discussão sobre o legado de Obama deverá necessariamente incluir seus tropeços.

Seu governo fez todo tipo de esforço, mas apesar de sua influência - ou quem sabe porque essa influência perdeu força - nunca conseguiu impulsionar qualquer tipo de acordo entre israelenses e palestinos.

Apenas dois dias depois de chegar à Casa Branca, Obama assinou um decreto para determinar o fechamento da prisão americana na base militar de Guantánamo, em Cuba, símbolo do arbítrio dos anos de George W. Bush.

Oito anos mais tarde, embora com menos presos, Guantánamo continua em operação, e não há perspectivas de que o decreto sobre seu desaparecimento seja cumprido no médio prazo.

Em 2012, Obama conseguiu ser reeleito à Casa Branca com um pacote de promessas que incluía uma ampla reforma migratória para tirar milhões de pessoas da ilegalidade, em sua imensa maioria, latino-americanos.

O projeto morreu melancolicamente no Congresso controlado pela oposição republicana, e decretos assinados de urgência em 2014 acabaram sendo bloqueados pela justiça.

Apesar de ter expressado diversas vezes - e inclusive de tê-lo feito com vigor poucas vezes visto na história do país - seus dois governos nunca conseguiram avançar em algum tipo de legislação para controlar o mar de armas de fogo que inunda o país.

"Sim, nós podemos!", foi a frase de Obama em sua campanha de 2008, quando conseguiu atrair para sua candidatura um contingente ansioso por "transformar fundamentalmente os Estados Unidos". Assim chegou à Casa Branca, com apenas 47 anos.

No entanto, para além das diferenças, mesmo seus adversários reconhecem que Obama mostrou, em seus oito anos de Casa Branca, um estilo de negociação e uma elegância no exercício do poder que ajudou a melhorar a imagem dos Estados Unidos fora de suas fronteiras.