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Uma década depois, a nostalgia de Saddam sobrevive em loja de Bagdá

Em Bagdá

29/12/2016 10h16

Em sua loja de Bagdá, Anwar vende fotos, coldres ou selos com a imagem de Saddam Hussein, uma forma de manter a nostalgia pelo falecido ditador que, segundo ele, "sabia como controlar o país".

Embora alguns considerem que seu negócio é controverso, muitos frequentam a loja de Anwar, 10 anos depois da morte de Hussein.

Entre as antiguidades que vende, Anwar se mostra orgulhoso ao segurar o coldre de uma pistola com a inscrição "Da parte do presidente Saddam Hussein". "Era um presente que Saddam dava aos oficiais que haviam feito méritos", explica o comerciante.

Anwar reconhece que são poucos os iraquianos nostálgicos do ditador e, por momentos, parece que ele mesmo é seu melhor cliente.

"Busco permanentemente artigos relacionados a Saddam, mas quando os encontro, frequentemente os guardo para mim", afirma o jovem, que vende sobretudo pequenos objetos - jarros, brincos e pingentes - que não têm nenhuma relação com política.

"Saddam Hussein demonstrou que sabia controlar o país", afirma muito sério. "E digo isso como filho do sul" do Iraque, acrescenta, indicando que é xiita, como a maioria de seus compatriotas.

Seu entusiasmo pelo ditador é, portanto, surpreendente, já que o sunita Hussein foi especialmente duro com os xiitas e curdos.

Sem justiça

De fato, o ditador foi condenado à morte e enforcado no dia 30 de dezembro de 2006, quatro anos depois de sua queda e da instauração de um governo de maioria xiita, pela morte de 148 pessoas desta confissão religiosa em 1982 em Dujail, ao norte de Bagdá.

Para Jalaf Abdel Samad, deputado do Dawa, um dos maiores partidos xiitas do Iraque, este décimo aniversário da morte de Hussein é "o dia do final da cabeça de serpente que só reduziu os iraquianos ao nível de cidadãos humilhados".

Em seus 24 anos de poder, Hussein reprimiu brutalmente seus adversários, entrou nas guerras contra o Irã (1980-1988) e na do Golfo (1990-1992), dois conflitos devastadores, e provocou duras sanções internacionais contra seu país.

Mas a invasão do Iraque em 2003 por uma coalizão liderada pelos Estados Unidos, o atroz conflito religioso de 2006-2008 e, agora, a ofensiva contra o grupo Estado Islâmico (EI), afundaram o país em uma aflição permanente, o que faz com que alguns sonhem com a estabilidade do país sob o regime de Hussein.

Na loja de Anwar, Abu Usama observa os selos com a imagem de Hussein. É sunita e ex-oficial do exército do ditador. Paradoxalmente, diz que não aprecia Hussein. "Mas gosto da justiça e hoje em dia ela está muito em falta".

Usama não comprará nada hoje. Já tem recordações da época de Saddam em sua casa, algumas fotos.

'Enorme serpente'

Onipresentes nas ruas e nos edifícios oficiais durante a ditadura, os retratos de Hussein foram substituídos pelas imagens de dignitários religiosos e pelas fotos de soldados e policiais mortos como "mártires" durante sua luta contra os extremistas do EI.

Uma maneira de ocupar o espaço público que não desagrada Ilaf, estudante de direito em Bagdá, que busca pedras semipreciosas na loja de Anwar.

Ilaf tinha apenas oito anos quando Saddam foi deposto. É difícil formar uma opinião quando não conheceu a paranoia do regime, então Ilaf recorre a uma metáfora: "Saddam Hussein era uma enorme serpente. Hoje uma multidão de serpentes nos dirige". Uma frase que resume os receios dos iraquianos em relação aos seus governantes.

Em 2015, o Iraque estava na 161ª posição (de 168) no medidor internacional da corrupção elaborado pela ONG Transparência Internacional. O primeiro-ministro Haider al Abadi tem dificuldades para concretizar as reformas prometidas para acabar com este flagelo.