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Visita do papa a Mianmar, fonte de consolo para minoria católica do país

23/11/2017 18h14

Kawkareik, Mianmar, 23 Nov 2017 (AFP) - Em sua modesta igreja rural, com 16 fiéis, o padre William Hla Myint Oo se sente muitas vezes um pouco "sozinho" e vê a primeira visita de um papa a Mianmar, que começará na segunda-feira, como uma verdadeira fonte de consolo.

O pontífice argentino começa na semana que vem uma viagem delicada a Mianmar e Bangladesh, dois países asiáticos onde os católicos são minoria.

A igreja de Kawkareik (leste), na fronteira de Mianmar com a Tailândia, conta com três famílias e vários voluntários.

Todos eles irão na quarta-feira a Rangum, capital econômica, para assistir a multitudinária missa que Francisco presidirá para 200.000 pessoas.

Mianmar, onde mais de 90% da população é budista, tem 700.000 católicos, 1% do total de seus habitantes.

"O papa vir nos ver, que somos uma minoria, nos dá muita força", assegurou o padre William.

Nos arredores do pequeno povoado de Kawkareik, a predominância dos budistas é evidente. São poucas as montanhas onde não se vê um pagode (templo que alguns povos asiáticos destinam ao culto).

Com a abertura do país em 2011 após décadas de isolamento sob a junta militar, Mianmar viveu uma retirada das restrições religiosas e, ao mesmo tempo, um aumento das tensões interconfessionais.

Estas tensões afetaram sobretudo a minoria muçulmana, que precisamente será um tema primordial da viagem do pontífice.

O papa defendeu em inúmeras ocasiões os rohingyas, os quais chamou de "seus irmãos", e se reunirá com eles na sexta-feira durante sua visita a Bangladesh.

Esta minoria muçulmana tem sido vítima nos últimos meses do que a ONU qualificou de "limpeza étnica", acusações que a opinião pública birmanesa, marcada pelo nacionalismo e pelo racismo antimuçulmano, rechaçou.

Mais de 600.000 rohingyas encontraram refúgio em Bangladesh desde o fim de agosto, em um fuga da campanha de repressão do Exército birmanês.

Mas para o padre William e seus seguidores, nenhum tema da atualidade poderá manchar seu encontro com o papa Francisco.

"Nenhum dos meus antepassados viveu algo assim", conta Maria Maung Lone, uma fiel de 73 anos que fica com o rosto iluminado ao pensar no papa. "Somos muito sortudos".

- Discriminação sob a junta -O Catolicismo se assentou em Mianmar no século XVI por meio dos comerciantes portugueses estabelecidos no estado indiano de Goa.

Os primeiros missionários enfrentaram a desconfiança dos habitantes locais antes de finalmente encontrarem seu espaço.

Em geral os católicos tinham boas relações com seus vizinhos budistas, segundo o padre Soe Naing, porta-voz da Igreja Católica em Mianmar.

No entanto, isto mudou após a rebelião de 1988 contra a junta militar birmanesa, provocando um endurecimento do regime.

"De repente fomos discriminados", explicou o religioso. "Os cristãos que trabalhavam para o governo não foram promovidos e foi impossível construir novas igrejas".

Mas com a autodissolução da junta, tudo ficou mais fácil.

Em 2014, o país comemorou seu primeiro santo: o Vaticano canonizou Isidoro Ngei Ko Lat, que foi assassinado na fronteira leste do país em 1950.

Em Mianmar, a morte deste jovem catecista, há mais de 60 anos, quase havia sido esquecida após décadas de repressão.

Em 2015, Mianmar acolheu seu primeiro cardeal. E a chegada do governo civil dirigido por Aung San Suu Kyi permitiu em maio o estabelecimento de relações diplomáticas com o Vaticano.

O papa, que também se encontrará com o chefe do Exército durante sua visita a Mianmar, "não poderá evitar tratar da crise dos rohingyas", segundo o analista Richard Horsey.

"Mas deve ser igualmente consciente de que a intervenção de um líder cristão é mais suscetível de provocar tensões do que impulsionar a compreensão interconfessional", assegurou.

Para os católicos de Mianmar, uma intervenção polêmica do papa poderia colocá-los na mira dos budistas extremistas.

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