Topo

Após rejeição da Itália e de Malta, a saga de quase 650 imigrantes continua rumo à Espanha

Entre os 629 migrantes, há sete grávidas, 11 crianças pequenas e 123 menores desacompanhados - Kenny Karpov/SOS Mediterranee/AP
Entre os 629 migrantes, há sete grávidas, 11 crianças pequenas e 123 menores desacompanhados Imagem: Kenny Karpov/SOS Mediterranee/AP

Em Roma

12/06/2018 21h14

Pelo menos 629 imigrantes, à deriva no Mediterrâneo desde domingo (10), enfrentarão mais quatro dias no mar até chegarem a terra firme na Espanha, após a rejeição de Itália e Malta de acolhê-los. Eles zarparam na noite desta terça-feira (12) rumo à Espanha, com a ajuda de dois barcos italianos.

A ONG francesa SOS Méditerranée, que fretou o 'Aquarius' para socorrer os migrantes em frente à costa líbia, informou no Twitter que os barcos zarparam às 21h00 locais (16h de Brasília) para a viagem de quatro dias.

Assim, quase 72 horas depois do início desta crise sem precedentes na Europa, o desenlace parece perto do fim para estes migrantes socorridos no mar depois de ficarem parados a 30 milhas da costa maltesa após a recusa de Itália e Malta de recebê-los em seus portos. Na segunda-feira (11), a Espanha se ofereceu para acolhê-los.

Entre os 629 migrantes, há sete grávidas, 11 crianças pequenas e 123 menores desacompanhados. Durante várias horas nesta terça-feira, mais da metade foram transferidos do Aquarius para as duas embarcações com bandeiras italianas antes de os três saírem rumo a Valencia, uma viagem de 1.500 km.

Veja também:


"A situação é calma, se considerarmos o número de horas (passadas no mar) e os sofrimentos a que essas pessoas já foram submetidas", disse à AFP a jornalista da Euronews Annelise Borges, lembrando que algumas delas permaneceram "de 20 a 30 horas" no mar, antes de serem socorridas pelo "Aquarius", ou pela Guarda Costeira italiana, e levadas para esse navio humanitário.

"As equipes estão aliviadas que uma solução esteja surgindo. Mas isso prolonga inutilmente o tempo passado para resgatados já vulneráveis", comentou no Twitter a ONG francesa SOS Méditerranée, responsável pelo "Aquarius".

Preocupação 
Imigrantes_1 - Kenny Karpov/AP - Kenny Karpov/AP
11.jun.2018 - Imigrantes a bordo do barco Aquarius, que naufragou no Mar Mediterrâneo, a espera de "acolhida"
Imagem: Kenny Karpov/AP

Enquanto a espera se prolongava, muitos desses imigrantes temiam ser devolvidos para a Líbia, a ponto de os socorristas do "Aquarius" rodarem o navio, com mapas nas mãos, para lhes mostrar que estavam distante da costa da Líbia, contou a jornalista da Euronews por telefone.

Presente desde fevereiro de 2016 nessa parte do Mediterrâneo, onde já socorreu quase 30.000 pessoas, o "Aquarius" estava desde domingo no centro de uma queda de braço entre Itália e Malta, até que a Espanha se oferecesse para recebê-los.

Preocupada com a duração da viagem, a SOS Méditerranée recusou a oferta espanhola em um primeiro momento, considerando que o navio, com capacidade para 500 passageiros, teria dificuldades em chegar ao porto espanhol com sobrecarga.

"Mais quatro dias" 
Imigrantes - SOS Mediterranee/Reuters - SOS Mediterranee/Reuters
12.jun.2018 - Os imigrantes têm mais quatro dias de viagem pela frente para o fim da saga
Imagem: SOS Mediterranee/Reuters

"Este plano significa que pessoas esgotadas vão ter que estar mais quatro dias em alto-mar. A melhor solução seria desembarcar as pessoas socorridas no porto mais próximo, de onde elas poderão ser transportadas para a Espanha, ou para um outro país seguro", reagiu a ONG francesa Médecins sans Frontières (MSF), também presente no "Aquarius".

Mas venceu a determinação do ministro italiano do Interior e presidente da Liga (extrema direita), Matteo Salvini, que se negou a abrir os portos do país.

Na segunda-feira, ele cantou vitória depois que a Espanha anunciou sua intenção de acolher o navio, e advertiu às outras embarcações de ONGs que se arriscam à mesma negativa.

"Salvar vidas é um dever. Transformar a Itália em um enorme campo de refugiados, não. A Itália não vai mais ceder e obedecer. Desta vez, TEM ALGUÉM QUE DIZ NÃO", tuitou Salvini, com a hashtag #chiudiamoiporti (fechemososportos).

Matteo Salvini também alertou as demais ONGs que patrulham o litoral líbio, afirmando que todas serão tratadas da mesma maneira. Disse ainda que, para essas organizações, entre as quais nenhuma é italiana, o acesso aos portos italianos está proibido.

Apesar das declarações de Salvini, uma embarcação da guarda costeira italiana, o "Diciotto", poderia chegar à Sicília na terça ou na quarta-feira com 937 migrantes a bordo.

A Itália, que viu mais de 700.000 imigrantes desembarcarem no país desde 2013, acusa com frequência os europeus de terem-na deixado sozinha para lidar com a crise migratória.

"Um problema de todos" 
Imigrantes_2 - Reuters - Reuters
Destino de embarcação com imigrantes criou um impasse entre Itália e Malta
Imagem: Reuters

Na segunda-feira, o novo presidente do governo espanhol, o socialista Pedro Sánchez, ofereceu abrir o porto de Valencia ao navio humanitário.

"É nossa obrigação ajudar a evitar uma catástrofe humanitária e oferecer 'um porto seguro' a essas pessoas", argumentou.

Seu ministro das Relações Exteriores, Josep Borrell, avaliou que os europeus devem enfrentar "de uma forma solidária e coordenada um problema que é de todos, e não um ano da Grécia e no ano seguinte da Itália".

Nesta terça, o presidente francês, Emmanuel Macron, denunciou "o cinismo e a irresponsabilidade do governo italiano" nesse tema.

Enquanto isso, em Valencia, as autoridades se preparavam para a chegada do barco.

"Tudo está sendo preparado para que haja uma acolhida o mais razoável possível, o importante é que esteja tudo coordenado, que haja um certo horizonte para estas pessoas", avaliou o presidente da região de Valencia, o socialista Ximo Puig.

Apesar do endurecimento das políticas migratórias na Europa, o "Aquarius" está decidido a retomar suas missões de resgate no Mediterrâneo assim que tiver posto estas pessoas a salvo.

"Foi encontrada uma solução" pontual com a Espanha, mas "os resgates vão continuar e é imperativo que os Estados europeus falem entre eles para encontrar soluções aceitáveis", disse à AFP a diretora-geral da SOS Méditerranée, Sophie Beau.