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No norte do Afeganistão, governadora recruta milicianos contra talibãs

Neste país muito patriarcal e conservador, Mazari é uma das poucas governadoras de distrito - Farshad Usyan/AFP
Neste país muito patriarcal e conservador, Mazari é uma das poucas governadoras de distrito Imagem: Farshad Usyan/AFP

Em Charkint (Afeganistão)

06/08/2021 09h22

Salima Mazari se inclina descuidadamente no banco da frente de uma van que passa por um distrito ao norte do Afeganistão, com uma canção popular tocando no alto-falante colocado no teto.

Neste país muito patriarcal e conservador, Mazari é uma das poucas governadoras de distrito. E tem uma missão: recrutar pessoas dispostas a lutar contra os talibãs.

"Minha pátria (...), eu sacrifico minha vida por você", canta a música. Nestes tempos, é isso que a governadora pede a seus cidadãos.

Nos últimos três meses, os talibãs ocuparam extensos zonas rurais, aproveitando a quase total retirada das forças internacionais presentes há duas décadas no Afeganistão.

Em muitos lugares, com um modo de vida tradicional, a chegada desses fundamentalistas islâmicos não mudou o cotidiano de seus habitantes.

Mas em Charkint, um remoto distrito montanhoso a 75 km de Mazar-i-Sharif, a grande cidade do norte, as apostas são altas.

Aos 39 anos, a primeira governadora da região travou uma batalha antes mesmo de o conflito explodir.

"Socialmente, o povo não estava preparado para aceitar uma líder feminina", confidenciou a governadora à AFP, com a cabeça coberta por um xale estampado com borboletas, e os olhos, por grandes óculos escuros.

Ela é membro da comunidade xiita hazara, perseguida por muitos anos pelos extremistas sunitas neste país dilacerado por divisões étnicas e religiosas.

Dia e noite na frente

Os hazaras têm sido alvo dos talibãs e do grupo Estado Islâmico, que os considera hereges. Em maio deste ano, um ataque a bomba em uma escola de Cabul matou mais de 80 pessoas, a maioria estudantes.

Metade do distrito de Charkint já está nas mãos dos insurgentes. E Mazari passa a maior parte do tempo tentando recrutar combatentes para defender áreas ainda sob controle do governo.

Centenas de habitantes, de agricultores e pecuaristas a operários, aderiram à causa, mesmo ao custo de perder tudo.

"Nosso povo não tem armas, mas vendeu suas vacas, seus cordeiros e até suas terras para comprá-las", conta Mazari.

"Eles estão na linha de frente dia e noite, sem receber salário, ou reconhecimento", acrescenta.

De acordo com o chefe da polícia distrital, Sayed Nazir, os 600 milicianos que Mazari conseguiu recrutar são a única razão pela qual os talibãs ainda não controlam todo distrito.

"Nosso sucesso se deve ao apoio do povo", diz esse policial, recentemente ferido na perna em combate.

Péssimas recordações

Entre eles, estão camponeses, como Sayed Munawar, de 53 anos, ou estudantes, como Faiz Mohammad, de 21, que parou sua carreira em Ciência Política.

Até três meses atrás, ele nunca tinha visto o fogo da batalha. Agora, já participou de três delas.

"O combate mais violento aconteceu há três noites, quando tivemos que repelir sete assaltos", relata, ainda vestido com roupas civis e ouvindo uma música melancólica hazara em seu telefone.

Em Charkint, os moradores têm péssimas lembranças do regime talibã, que impôs sua visão ultraconservadora da lei islâmica entre 1996 e 2001.

Mazari sabe que, se voltarem ao poder, não vão tolerar uma mulher como governadora.

Sob o jugo dos talibãs, as mulheres não podiam sair de casa sem um companheiro do sexo masculino e eram proibidas de trabalhar e estudar.

Aquelas acusadas de crimes como adultério eram açoitadas, ou apedrejadas até a morte.

"As mulheres ficarão proibidas de ter uma oportunidade de educação, e nossas jovens ficarão privadas do trabalho", alerta ela, em seu gabinete, enquanto prepara, com os líderes milicianos, a próxima batalha.