Dor e esperança antecedem julgamento em Londres sobre tragédia de Mariana

A pequena Emanuele Vitória, de cinco anos, estava com o pai e o irmão em casa quando uma enxurrada incontrolável de lama soterrou Bento Rodrigues, distrito de Mariana, em Minas Gerais. 

Seu corpo foi encontrado cinco dias depois a quilômetros dali.

"Parecia que nosso mundo estava acabando", conta à AFP sua mãe, Pamela Fernandes, ao lembrar os dias do pior desastre ambiental da história do Brasil.

A tragédia aconteceu em 5 de novembro de 2015, com o rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro da companhia Samarco, de copropriedade da brasileira Vale e da australiana BHP.

Na próxima segunda-feira, um mega-julgamento em Londres levará a BHP para o banco dos réus, em um processo que se anuncia longo.

Com o rompimento da barragem, vazaram 40 milhões de metros cúbicos de lama tóxica, um volume que daria para encher 12.000 piscinas olímpicas.

A enxurrada de cor ocre se avançou por uma dezena de povoados próximos à cidade histórica de Mariana. Mas atingiu sobretudo Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo. 

Emanuele Vitória foi uma das 19 vítimas fatais da catástrofe.

Nove anos depois, seu rosto sorridente estampa a camiseta vestida por sua mãe, junto com a frase: "Não foi fatalidade, não foi destino. Foi crime".

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O processo em Londres "é minha única esperança" de conseguir justiça "porque aqui no Brasil eu já perdi", suspira Pamela, de 30 anos, na casa onde mora hoje, em Cachoeira do Brumado, a 45 km de Bento Rodrigues. 

"Uma coisa assim não pode ficar impune", acrescenta.

- Perder as raízes -

A enxurrada de rejeitos de minério altamente contaminantes arrastou pelo caminho as casas de mais de 600 pessoas. 

Mauro Marcos da Silva perdeu a dele e a dos pais, onde sua família viveu por várias gerações.

"Literalmente nasci aqui", relata este mecânico robusto, de 55 anos, enquanto aponta para uma das paredes da antiga casa da família que ficaram de pé.

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Hoje, em Bento Rodrigues há apenas ruínas tomadas pela vegetação e é proibido voltar a se estabelecer ou construir no povoado. Para Marcos, não poder voltar "é como se eles tivessem nos apunhalado e deixado o punhal cravado". 

"Aqui estão minhas raízes, meus antepassados", diz. "O pertencimento, o vínculo com os amigos, com a família, isso o dinheiro não paga e não vai ser reconstruído em lugar algum".

A família de Mônica dos Santos também perdeu sua casa. Ela agora trabalha como assessora técnica de uma organização de defesa das vítimas.

Esta advogada de 39 anos não tem dúvidas de que na mineradora "sabiam que a barragem estava com problemas, sabiam o que precisava ser feito e simplesmente não fizeram".

Segundo ela, o acordo proposto no Brasil aos afetados "vai dar errado" porque "não teve nenhum atingido que sentou na mesa" para discuti-lo.

Por isso, ela tem muitas expectativas sobre o processo que começa na segunda-feira. "A gente espera muito, muito, muito que a justiça inglesa, que a corte inglesa faça o que a justiça brasileira não fez até o momento".

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- Nove anos depois -

Na catástrofe de Mariana, o lamaçal invadiu o curso do rio Doce e avançou por 670 km até o Atlântico, acabando completamente com o ecossistema fluvial.

As atividades econômicas vinculadas ao rio também morreram e pelo menos 6.000 famílias de pescadores ficaram sem sustento.

Uma equipe de cientistas constatou recentemente contaminação por metais procedentes do vazamento na foz do rio Doce e no litoral do Espírito Santo e no sul da Bahia.

Entre os animais afetados há peixes, aves, tartarugas, botos e até mesmo baleias, segundo um informe divulgado em setembro pelo governo.

Em Londres, a ação reivindica da BHP 35 bilhões de libras (US$ 45,7 bilhões, aproximadamente R$ 260 bilhões).

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São 620.000 demandantes, entre eles comunidades indígenas, municípios, empresas e instituições religiosas. 

A BHP assegura que mais de 200.000 já receberam indenizações e que a fundação Renova, que gerencia os programas de compensação e ajuda no Brasil, já pagou mais de 7,8 bilhões de dólares (cerca de R$ 44 bilhões).

Quase uma década depois, em um reassentamento para os afetados denominado Novo Bento Rodrigues, construído mais perto de Mariana, veem-se casas parcialmente inacabadas e ruas com caminhões de obra no lugar de carros de passeio.

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© Agence France-Presse

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