Topo

'Núcleo estratégico' da Assembleia de SP não cumpre função

Bianca Gomes e Fabio Leite

São Paulo

09/04/2019 11h10

Um grupo seleto, bem remunerado, responsável por criar um sistema de avaliação de desempenho do governo, identificar "in loco" os problemas em todas regiões do Estado, apurar denúncias e elaborar relatórios periódicos para auxiliar os 94 deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). No papel, o Núcleo de Avaliação Estratégica (NAE), criado há quatro anos, seria um importante aparato de fiscalização do serviço público, uma das obrigações da Casa. Na prática, porém, o órgão idealizado pelo ex-presidente Fernando Capez (PSDB) virou um departamento loteado por políticos, que não cumpre sua função e pouco produz.

O sistema de avaliação de desempenho previsto no projeto aprovado em abril de 2015, por exemplo, nunca saiu do papel. Desde então, o núcleo fez uma única audiência itinerante, em 2016, na cidade de Santos, litoral sul, segundo levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Atualmente, o grupo possui 37 assessores comissionados (de livre nomeação), que recebem salário médio de R$ 17 mil. Se todos fossem ao gabinete do núcleo teriam de fazer rodízio para usar os quatro computadores disponíveis na sala. Na tarde da quinta-feira passada, o Estado localizou apenas dois servidores. Só em salários, o núcleo custou R$ 530 mil aos cofres públicos em fevereiro.

Os funcionários do NAE são nomeados pela Mesa Diretora da Assembleia a partir das indicações políticas feitas pelos deputados. Cada partido tinha uma cota de indicação, de acordo com um servidor que pediu para não ser identificado. A reportagem encontrou nomes ligados ao DEM, PP, PRB, PSD, PSDB, PT e Patriota.

É o caso de Blanche Pereira, ex-assessora do deputado Sebastião Santos (PRB) que mora em São José do Rio Preto, e do empresário de Votuporanga Luciano Liebana, que foi do gabinete do tucano Carlão Pignatari (PSDB) até 2017. Já o último coordenador do grupo, Luiz Felipe Farah, foi assessor e advogado do ex-deputado Antonio Salim Curiati (PP). Procurados, eles não retornaram o contato da reportagem. Outros cinco assessores já trabalharam para o deputado Ênio Tatto (PT).

Com o objetivo de aproveitar a especialização de cada assessor no acompanhamento das comissões da Casa e nas investigações, o núcleo foi dividido em grupos temáticos, como Saúde, Educação e Segurança. Mas o perfil dos atuais servidores revela que, apesar dos altos salários, a qualificação profissional não é critério de escolha para preencher uma vaga.

Mesmo sem ter curso superior, a estudante Amanda Rodrigues de Freitas, de 20 anos, foi contratada pelo NAE com um salário de R$ 15,5 mil. Nas redes sociais, ela declara estar no terceiro ano da faculdade de Direito. A reportagem fez contato com ela pela internet, mas foi bloqueada depois que informou o motivo da abordagem.

Ações

No início, ainda na gestão Capez (2015-2017), o NAE se esforçou para mostrar relevância, participando de uma operação policial contra desmanche de motos roubadas, em 2015, e patrocinando uma carreta para exames de mamografia na zona sul da capital, em 2016.

Mas não demorou para o projeto mostrar suas deficiências. Ainda em novembro de 2015, dias após a tragédia da barragem em Mariana (MG), Capez ordenou que o NAE elaborasse um relatório sobre as condições de segurança das barragens paulistas em um prazo de até 120 dias, e o divulgasse no site da Alesp.

O relatório, porém, nunca foi divulgado, assim como todos os demais estudos do núcleo. Na última quinta-feira, a reportagem consultou o processo físico e constatou que o relatório só foi concluído em julho de 2018 e enviado para a Comissão de Infraestrutura em fevereiro deste ano, após a tragédia de Brumadinho (MG).

Um estudo sobre microcefalia demorou mais de um ano para ser enviado à Comissão de Saúde e outro, para avaliar as condições de um hospital em Santos, foi interrompido sem conclusão depois que o denunciante morreu. Deputados de diferentes partidos ouvidos pela reportagem afirmaram desconhecer o trabalho do núcleo ou citaram de forma vaga algum relatório feito pelo grupo.

'Órgão é eficiente'

Idealizador do projeto, o ex-presidente da Assembleia Legislativa paulista (Alesp) Fernando Capez (PSDB) defendeu a existência do Núcleo de Avaliação Estratégica (NAE) como um "importante órgão executor" do Parlamento e disse não saber porque os relatórios do grupo não são divulgados.

"O NAE foi proposto e aprovado por 92 deputados. É um órgão técnico de apoio, de execução e fiscalização da Assembleia. Em vez que esperar outros órgãos apurarem as denúncias, a própria Assembleia vai lá e age", afirmou o ex-deputado, que hoje comanda o Procon.

"Na minha gestão o NAE fez trabalhos extraordinários, como do Hospital Municipal de Cubatão, que estava em uma situação precária e graças a atuação do núcleo conseguiu recursos para melhorar o atendimento", completou. Sobre o sistema de avaliação de desempenho do governo, Capez disse que ele "está embutido" no núcleo. "O NAE vai lá, fiscaliza o serviço público, avalia e atribui uma nota. Esse é o trabalho. Agora, é necessário que todos os relatórios estejam disponíveis na internet, sem dúvida."

O atual presidente da Casa, Cauê Macris (PSDB), afirmou por meio da assessoria de imprensa que o tucano desconhecia a necessidade de criação do sistema de avaliação e que solicitou um levantamento interno para saber o que ainda precisa ser feito para instituir o sistema de avaliação e divulgar os relatórios do núcleo na internet.

Já o petista Ênio Tatto, que era o primeiro secretário em 2015 e retomou o cargo no mês passado, disse que a responsabilidade é da presidência da Casa. "Está tudo concentrado lá. É regime presidencialista".

A reportagem entrou em contato com os dois últimos coordenadores do NAE, Paulo Bonjorno e Luiz Felipe Farah, mas ambos não retornaram. Bonjorno está cotado para reassumir o comando do núcleo nas próximas semanas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.