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Planalto prevê terceira troca na articulação em 10 meses de governo

Renato Onofre e Mateus Vargas

BRASÍLIA

20/10/2019 08h00Atualizada em 20/10/2019 15h36

Resumo da notícia

  • Em crise com PSL, Bolsonaro estuda mudança para garantir apoio mínimo no Congresso para aprovar projetos
  • Para interlocutores, articulação ficou fragmentada entre Casa Civil, Secretaria de Governo, Secretaria Geral e GSI
  • Proposta é ter um ministro forte no comando das negociações com Congresso
  • Um dos nomes cotados é de Rogério Marinho, secretário especial de Previdência
  • Bolsonaro tem ouvido que militares não entendem nada de articulação com Congresso
  • Sérgio Moro tem popularidade alta, mas não consegue avançar no Congresso

Em crise com o próprio partido —o PSL, que até então era o mais fiel na Câmara e, nesta semana, rachou em duas alas distintas, sendo que uma delas declarou-se independente— o presidente Jair Bolsonaro estuda promover mudanças na articulação política pela terceira vez em 10 meses de governo.

A intenção é garantir um mínimo de apoio que assegure ao Planalto a aprovação de projetos no Congresso. As maiores críticas à articulação partem justamente de parlamentares das bancadas que dão sustentação ao governo, como a ruralista, a evangélica e a da bala.

O racha no PSL em duas alas, uma ligada a Bolsonaro e outra ao presidente nacional da Legenda, o deputado Luciano Bivar (PE), que pode resultar na perda de apoio de mais da metade dos 53 deputados do partido, e a constatação de um PIB (Produto Interno Bruto) fraco anteciparam discussões no Planalto. No diagnóstico de aliados do governo, Bolsonaro corre risco se não mexer rapidamente na equipe que faz a interlocução com a Câmara e com o Senado.

Começar pela 'cozinha'

Interlocutores do presidente o aconselham a começar a reforma do governo pela "cozinha" do Planalto. Assim são conhecidos os ministérios que estão fisicamente na sede do Executivo —a Casa Civil, comandada por Onyx Lorenzoni; a Secretaria de Governo, nas mãos de Luiz Eduardo Ramos; a Secretaria-Geral, chefiada por Jorge Oliveira, e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), do general Augusto Heleno.

As principais queixas de parlamentares alinhados ao governo são de que a articulação política ficou fragmentada entre essas quatro pastas e, por isso, não funcionou. A proposta agora é que seja unificada tendo um ministro forte no comando das negociações com o Congresso. A portas fechadas, Bolsonaro já admitiu que, sem uma base parlamentar de apoio, o governo ficou dependente da liberação de emendas no varejo para avançar com as pautas no Congresso.

Foi justamente a desarticulação na liberação de emendas o assunto de um diálogo testemunhado pelo Estado na semana passada. No fundo do plenário da Câmara, o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), coordenador da bancada ruralista, reclamava ao líder com o governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO). "Eu tenho uma proposta oficial do governo. Foram eles que me disseram: Alceu, tu tem isso, isso e isso (referindo-se a verba). E agora não tem mais?", reclamou o emedebista. Vitor Hugo argumentou que o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, tentava atender o compromisso feito pelo ministro da Casa Civil com o deputado. Em resposta, Moreira não escondeu a revolta. "O que o Onyx (Lorenzoni) prometeu não vale nada? Não, não, não", disse ele. "O meu, ele (Ramos) não tira um centavo. Se tirar, vai ter problema", ameaçou o líder ruralista.

Cotados: Marinho, Moro, militares

Entre os nomes que circulam para assumir a articulação do governo com o Congresso, o mais repetido é o do secretário especial da Previdência, Rogério Marinho. Mas ele, por ora, vai continuar à frente das reformas econômicas, como a administrativa e o pacto federativo.

Nas conversas mais reservadas, no Palácio da Alvorada, Bolsonaro tem ouvido que os militares não entendem nada de articulação com o Congresso. O general Ramos, responsável pela ponte com os deputados e senadores, não teria força com seus colegas de Esplanada para emplacar nomeações ou dinheiro para liberar emendas.

Quanto ao ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, a percepção é a de que o ex-juiz da Lava Jato mantém popularidade em alta, mas não consegue avançar no Congresso em medidas de uma área prioritária para o governo. Com isso, Bolsonaro tem perdido essa bandeira do combate à criminalidade para adversários, como o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), seu já declarado adversário em 2022.

O presidente tem ouvido de aliados proposta para separar a pasta de Moro em duas, como ocorreu no governo de Michel Temer. A ideia é que o ministro cuide apenas dos assuntos relacionados à Justiça. A Segurança Pública seria entregue a um representante da bancada da bala. Aparentemente, Bolsonaro não faz restrições a essa divisão, mas Moro não abre mão da segurança por causa do pacote anticrime.

Segundo relatos, apenas cinco dos 22 ministros são considerados intocáveis no governo, hoje. O time de elite inclui Tereza Cristina (Agricultura), Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura), Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) e Fernando Azevedo e Silva (Defesa). Ao mesmo tempo, Bolsonaro tem evitado embates com Moro, Guedes e com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), visto como figura central na aprovação de projetos da área econômica.

Aceno a outros partidos

Para estancar a crise no PSL e evitar prejuízo em votações Bolsonaro também tem sido orientado a acenar para outros partidos, como o MDB. No início do mês, ele recebeu o presidente nacional da sigla, deputado Baleia Rossi (SP), e na semana passada colocou o senador Eduardo Gomes (MDB-TO) na liderança do governo no Congresso. Com isso, dois dos três líderes do seu governo são do MDB - além de Gomes, o senador Fernando Bezerra (PE) é líder no Senado.

Bolsonaro também tenta se reaproximar do DEM e aliados recomendam que ele ofereça ao partido a pasta de Minas e Energia, hoje comandada pelo almirante Bento Costa Lima Leite. Lembram que governos sem boa relação com o Congresso não tiveram vida longa - Jânio Quadros, em 1961, Fernando Collor, em 1992, e Dilma Rousseff, em 2016, deixaram o Planalto após crises na articulação política.

Veja abaixo entrevistas

Júnior Bozella, deputado federal (PSL-SP)

O que levou o grupo do senhor a divergir da ala a favor do presidente Bolsonaro no PSL?

Acho que não há dois lados. Todos nós apoiamos o presidente. Se há alguma divergência de uma ala para outra, é que nosso grupo sustenta as pautas que defendemos no processo eleitoral. E talvez a outra ala abriu mão desse conceito. Apoiamos, de forma intransigente, pautas como permanência do Coaf no Ministério da Justiça e a CPI da Lava Toga. O presidente pode não estar percebendo, mas aqueles que estão fingindo estar ao seu lado são da ala que leva ele aos equívocos. Estão sabotando o presidente.

Como avalia a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro para a liderança do PSL na Câmara?

Acho que presidente é induzido ao erro. É um desgaste desnecessário essa "coisa" do Eduardo dormir líder e acordar deputado. Já tem até memes. O deputado é quase embaixador, quase líder, quase presidente estadual do partido.

A briga no PSL é por transparência, como diz o presidente, ou há interesse em verbas e eleições?

Transparência não pode ser. Se o presidente Bolsonaro disser publicamente, apontar que de janeiro a outubro de 2019 houve algum ato sem transparência no PSL, que desabonasse a gestão financeira, eu seria o primeiro a pedir transparência. O que tem são esses indícios das candidaturas laranjas, que também são da gestão passada. Não de Luciano Bivar.

O senhor ficou incomodado com o conteúdo da fala de Bolsonaro em áudio vazado?

Não concordo com essa interferência entre poderes. Se eu apoiei Bolsonaro, foi porque ele falava isso na campanha e eu também. A partir do momento que ele renuncia a esse discurso, sinto-me incomodado.

O senhor defende a expulsão de deputados do PSL?

Defendo que o partido tenha regras. Ainda sem ouvir (a defesa de) ninguém, minha impressão é que há muitos motivos severos de expulsão.

Carla Zambelli, deputada federal (PSL-SP):

Qual a saída da crise?

Do nosso lado, a gente está pleiteando defender a governabilidade e o presidente. Do outro, eles tão pleiteando neutralizar o inimigo e se manter no poder, com cargos, com fundo eleitoral, partidário e com tempo de televisão. O nosso lado não se importa com tempo de televisão nem fundo partidário. Mais gente está desistindo do Delegado Waldir e vindo para o nosso lado. A gente acha que se o Waldir, a Joice, o Bozella, o Bivar conseguirem parar de bater no nosso lado, parar de querer implodir o governo Bolsonaro, a gente acha que dá para pacificar o PSL.

O que o grupo da senhora fará se não conseguir maioria para a troca das lideranças?

Aí (é) pedir para sair do PSL. A gente não sabe para onde vai. Está sendo negociado pelo presidente Bolsonaro. Para onde ele for esses 20 a 25 deputados também irão.

Como avalia a indicação de Eduardo Bolsonaro para a liderança do partido na Câmara?

Particularmente achava que ia desgastar a imagem do Eduardo, que atrapalha a questão da embaixada. Mas é um nome quase unânime na aceitação. Por outro lado, eu e outros deputados, pelo menos uns 15, queríamos Filipe Barros (PSL-PR), porque não seria o filho do presidente. O próprio presidente Bolsonaro queria.

O áudio do presidente cita domínio de recursos e cargos como razões para destituir o Delegado Waldir. Não há contradição com o discurso de brigar apenas por transparência no partido?

Ali foi um contexto em que o áudio foi cortado. O que Bolsonaro quis dizer é que o Delegado Waldir está usando cargo, dinheiro, para segurar as pessoas com ele. Para você ter ideia, o Bivar está prometendo R$ 2 milhões para 2022 a deputados que ficarem com ele.

Se Luciano Bivar seguir na presidência do PSL, os deputados da sua ala seguem no partido?

Por mim, eu não continuaria no partido. Não preciso de tempo de TV. Fui eleita sem dinheiro público.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que era informado no 12º parágrafo, Fernando Bezerra é senador por Pernambuco, não pelo Rio Grande do Norte. A informação foi corrigida.