Bolsonaro usa palácios para acenos a mulheres, ruralistas e evangélicos
Num intervalo de menos de 24 horas, o presidente Jair Bolsonaro transformou os palácios do Planalto e da Alvorada em palco de encontros de viés eleitoral, para agradar a aliados religiosos, acenar a mulheres e até reunir pecuaristas mobilizados para doar dinheiro a sua futura campanha. O último deles foi um amplo ato de apoio de líderes evangélicos, um setor que ainda tem questões a resolver com o presidente - como o respaldo de parte do governo à aprovação dos jogos de azar no Congresso - e sofre intenso assédio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do ex-juiz Sergio Moro (Podemos), virtuais adversários na disputa eleitoral.
Pela manhã, Bolsonaro participou de cerimônia do Dia Internacional da Mulher, onde cometeu gafe. Afirmou que hoje em dia as mulheres estão "praticamente integradas à sociedade". "Assim como a mulher foi feita do homem, assim também o homem nasce da mulher e tudo vem de Deus", disse durante a solenidade no Palácio do Planalto.
Nesta segunda, 7, sem registro em agenda, Bolsonaro se reuniu com produtores rurais. Colocou ao seu lado no encontro, o administrador de fazenda em Rondônia Bruno Scheid, apontado por ruralistas como porta-voz de pedidos de doação para a campanha do presidente.
Posteriormente, a conversa foi registrada pelo Planalto como encontro com o Movimento Ação Voluntária Amigos da Pecuária. Eles se mobilizam para arrecadar doações à campanha de Bolsonaro. Segundo Scheid, a reunião não teve pauta de reivindicações, mas serviu para manifestar o "apoio do agro ao presidente e agradecer o que o governo tem feito pelo setor".
Na tarde desta terça, 8, no Alvorada, Bolsonaro promoveu uma recepção a chefes de igrejas pentecostais e neopentecostais na residência oficial, ao lado da primeira-dama Michelle Bolsonaro e de ministros. O movimento serviu como uma espécie de oficialização do apoio das igrejas presentes à reeleição do presidente. A aproximação partiu de uma iniciativa da Presidência da República, depois que líderes religiosos manifestaram distanciamento do presidente, dizendo que não queriam se engajar na campanha, como revelou o Estadão.
"É a oficialização do apoio das grandes igrejas ao presidente, embora já estejam com ele, entendo que é isso", resumiu o bispo Robson Rodovalho, líder da Igreja Sara Nossa Terra.
Ausências
Apesar da mobilização e dos 25 discursos de chefes de igrejas, não aparecem os nomes mais proeminentes da cúpula da Assembleia de Deus Ministério do Belém, da Universal do Reino de Deus e da Internacional da Graça.
Entre os parlamentares evangélicos, discursou o deputado Marcos Pereira (SP), presidente do Republicanos, partido que não decidiu ainda pela aliança com Bolsonaro e se queixa do Planalto. Embora seja bispo licenciado da Universal, ele não foi apresentado como representante da igreja. "Duas bandeiras nos unem a todos aqui, a bandeira do Senhor e a bandeira do Brasil", disse o parlamentar.
Diante da hesitação de religiosos em embarcar na campanha, Agenor Duque, da Igreja Apostólica Plenitude do Trono de Deus, cobrou que eles 'não se vendam". "Vejo alguns na linha do meio, estamos no meio de uma guerra, não é esquerda contra direta, é o céu contra o inferno", disse Duque. "Não vamos negociar nossa fé, não vamos nos vender."
O encontro com religiosos tomou cerca de duas horas da agenda do presidente e mobilizou a estrutura da Presidência. "Nosso desafio é não permitir que o espinheiro governe o Brasil", disse o apóstolo Estevam Hernandes, da Igreja Renascer em Cristo. Chefe de uma das maiores igrejas presentes, Samuel Câmara, da Assembleia de Deus em Belém, a maior da região Norte, destacou também o acesso que o presidente deu ao religiosos no governo. "Os olhos de Deus estão sobre o senhor, presidente. Ao final de tudo virão, como vieram, os votos que sufragaram o presidente."
Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, disse que a presença dos evangélicos era demonstração de apoio contra "o império da safadeza e da corrupção".
'Gangue'
Em longo discurso, Bolsonaro falou contra o aborto e a "desconstrução da heteronormatividade", da família. Disse que forças tentam inviabilizar o governo, mas que não vai ceder. "Se esse cara, esse partido, essa gangue, essa quadrilha roubar a nossa liberdade aí complica a situação. Eu dirijo a nação para o lado que os senhores assim o desejarem."
A movimentação das pré-campanhas para arrecadar recursos a seus candidatos entrará na mira do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No comando do TSE, Edson Fachin afirmou que o atual estágio da corrida eleitoral impõe restrições ainda maiores à busca por financiamento e garantiu consequências a quem atuar fora das regras eleitorais.
"Neste momento em que se vive pré-campanha, os limites legais de comportamento são bem mais elevados. Há um conjunto de vedações, não apenas aquelas aplicadas ao período da campanha, mas um conjunto expressivo de vedações", afirmou em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura.
Marcelo Weick, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), observou que nesta fase de pré-campanha a única movimentação permitida para a captação de recurso é por meio dos partidos políticos, mediante prestação de contas na Justiça Eleitoral.
De acordo com a Lei Eleitoral, é vedado a agentes públicos "ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União". Para Weick, os encontros no Planalto - dedicado exclusivamente a atividades de trabalho da Presidência da República - podem, eventualmente, ser considerados crimes eleitorais. "No Alvorada não tem problema, ele (Bolsonaro) tem essa ressalva, inclusive no período eleitoral."
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