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Marco Temporal: advogado de Gilmar Mendes representa ruralistas no STF

O advogado Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch - Reprodução/LinkedIn
O advogado Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch Imagem: Reprodução/LinkedIn

Alice Maciel*

01/09/2021 16h38Atualizada em 01/09/2021 16h46

O advogado do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes, Rodrigo Mudrovitsch, passou a integrar, em 13 de agosto, a banca dos advogados dos ruralistas no processo referente à tese do marco temporal que tramita na Corte.

Uma das entidades que seu escritório representa é a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), a maior organização de sojicultores do país. O ministro Gilmar, desde julho de 2018, é sócio da GMF Agropecuária com os irmãos Francisco Ferreira Mendes Júnior, Maria da Conceição Mendes França e o cunhado Ailton Alves França. O cultivo de soja é a atividade principal da empresa, conforme cadastro na Receita Federal.

O ministro do STF Gilmar Mendes consta como sócio da GMF Agropecuária - Reprodução - Reprodução
O ministro do STF Gilmar Mendes consta como sócio da GMF Agropecuária
Imagem: Reprodução

Com capital social de R$ 2,226 milhões, a GMF Agropecuária possui sede no Alto Paraguai (MT) e filial em Diamantino (MT), onde nasceu o ministro. A reportagem encontrou uma lista de associados da Aprosoja Mato Grosso — filiada à Aprosoja Brasil — em 2012, que consta o nome de Ailton França, o cunhado e sócio do ministro na GMF. Ao ser procurada, a entidade alegou que o cadastro é sigiloso e que não poderia confirmar se o agricultor ainda é membro.

Procurado por meio da assessoria de imprensa do STF, Gilmar Mendes não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem.

A Aprosoja Brasil é amicus curiae no processo do marco temporal desde maio de 2020. O termo em latim significa "amigo da corte", que tem o papel de subsidiar os magistrados com informações para tomada de decisão. A organização é presidida pelo produtor rural Antônio Galvan, alvo de ação no STF. Ele é investigado por patrocinar atos contra o Supremo fomentados pelo cantor Sérgio Reis. Até dezembro de 2020, Galvan ocupou o cargo de presidente da Aprosoja-MT.

Além de Rodrigo Mudrovitsch, aparecem na procuração — apresentada ao Supremo em 23 de agosto — como advogados da organização, seus sócios no escritório Mudrovitsch Advogados e a banca do escritório Marcus Vinicius Furtado Coêlho Advocacia.

Os dois escritórios também representam neste processo o Instituto Mato-Grossense do Agronegócio (IAGRO), a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) e a Associação Mato-Grossense dos Produtores de Algodão (Ampa) que entraram juntos, em 13 de agosto, com pedido no STF para participarem como amicus curiae da causa (DOC Amicus Curiae Algodão).

Mudrovitsch afirmou à Agência Pública que não está atuando no processo. Segundo ele, seu sócio, Victor Rufino, é quem está tocando o caso "com plena autonomia".

"Não estou envolvido nas discussões, nas petições e nos despachos com autoridades", afirmou. O advogado fez ainda questão de frisar que atua "academicamente" pela "valorização da questão indígena". Ele destacou que participa do Grupo Prerrogativas, que na semana passada publicou uma nota contra o marco temporal.

Em dezembro do ano passado, Mudrovitsch foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para concorrer ao cargo de juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

"Há problemas de suspeição" na participação de Gilmar Mendes no julgamento do marco temporal, diz professor

O professor de direito constitucional da Universidade de São Paulo (USP), Conrado Hübner, avalia que Gilmar Mendes votar no julgamento do marco temporal, que acontece nesta quarta-feira (1º), "é, no mínimo uma extravagância de legalidade muito duvidosa, sem falar no esvaziamento de princípios de ética judicial". Afinal, segundo ele, do ponto de vista jurídico, "há problemas de suspeição" na participação do ministro na causa.

Ele cita regras previstas nos incisos I e IV do artigo 145 do Código de Processo Civil, que dizem haver suspeição do juiz no julgamento quando ele é "amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados" e "interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes", respectivamente.

Além de advogado de Gilmar Mendes, Rodrigo Mudrovitsch foi orientado pelo ministro no mestrado concluído em 2013, na Faculdade de Direito da UnB (Universidade de Brasília) e participou da sua banca de doutorado em 2016. Ele ainda é professor do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), do qual o ministro é proprietário e publicou artigos e livros em coautoria com o magistrado. Em seu currículo Lattes, o nome de Gilmar Mendes aparece nove vezes.

Há elementos para demonstrar que a relação de Gilmar Mendes com esse advogado não é só uma relação estritamente profissional", Conrado Hübner, professor de direito constitucional da USP

Segundo ele, além de ex-aluno e orientando do ministro, o fato de Gilmar Mendes "empregá-lo como professor do IDP, sua empresa, revela relações mais densas". "Quando a gente vai para o inciso quarto, surge uma outra causa de suspeição do ministro. Se ele é de fato empresário do agro também, e como tal representado pelo Aprosoja, seu interesse econômico está ali representado no processo", acrescentou.

Além da questão legal, o professor destacou que há uma questão ética na atuação dos magistrados. "Um juiz precisa fazer tudo que está ao seu alcance para preservar a sua instituição, no caso o STF, de suspeitas de parcialidade. Importa a imagem de imparcialidade, tanto ou mais que sua real imparcialidade".

"Há respostas conhecidas para essa crítica e tecnicalidades jurídicas invocadas como pretexto para justificar o injustificável. Por exemplo, alega-se que numa ação constitucional não há tecnicamente 'partes', que não há 'interesses subjetivos' em jogo, entre outras. Precisamos discutir a consistência dessas razões para proteger a instituição do STF de práticas que colocam sua reputação em jogo", disse Hübner.

* Reportagem originalmente publicada na Agência Pública.