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STF retomará na 4ª votação que pode limitar demarcação de terras indígenas

Lucas Valença e Rafael Neves

Do UOL, em Brasília

26/08/2021 14h30Atualizada em 26/08/2021 21h21

O STF (Supremo Tribunal Federal) começou hoje um julgamento que deve impactar a demarcação de terras indígenas em todo o Brasil. Os ministros devem estabelecer um critério que definirá se determinado povo indígena tem direito à demarcação territorial, conforme a data em que ocupou a área.

O julgamento foi aberto por volta das 17h40 com o ministro Edson Fachin, relator do caso. Com o horário avançado, porém, Fachin leu apenas seu relatório e a sessão foi encerrada pelo ministro Luiz Fux, presidente da Corte. Fux anunciou que o julgamento será retomado na próxima quarta-feira, 1º de setembro.

A decisão do STF terá repercussão geral, ou seja, servirá para solucionar disputas sobre o tema em todas as instâncias da justiça no país. A disputa opõe ruralistas, que vêm tendo apoio crescente do presidente Jair Bolsonaro, e 170 povos indígenas, que enviaram cerca de 6 mil representantes a Brasília para acompanhar o julgamento, segundo a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

Os ruralistas defendem, em geral, que prevaleça a tese do "marco temporal" de ocupação: que o direito à demarcação de terras indígenas seja dado apenas aos povos que estavam na área à época da elaboração da Constituição de 1988. Se adotado, esse critério vai dificultar e limitar novas demarcações.

"Caso o STF opte pela tese anti-indígena do marco temporal, acabará por legalizar as usurpações e violações ocorridas no passado contra os povos originários", afirma a Apib, em nota. "Nesse caso, pode-se prever uma enxurrada de outras decisões anulando demarcações, com o consequente surgimento de conflitos em regiões pacificadas e o acirramento dos conflitos em áreas já deflagradas", completa a entidade.

Na manhã de hoje, Bolsonaro falou a uma rádio de Pernambuco sobre a expectativa da votação. Para ele, "não teremos mais agricultura no Brasil" se a decisão for favorável aos indígenas.

"Se o Supremo mudar o seu entendimento sobre o marco temporal, haverá uma ordem judicial para eu demarcar, em terras indígenas, o equivalente à região Sudeste. Ou seja, hoje nós temos algo em torno de 14% demarcado como sendo de terras indígenas, vamos passar para aproximadamente 28%", declarou.

As lideranças indígenas afirmam, no entanto, que o STF deve rejeitar a tese do marco temporal para permitir a solução de centenas de disputas judiciais e destravar 310 processos de demarcação de terras indígenas.

"A tese do Marco Temporal pretende, na realidade, expulsar os ocupantes originários das terras para destruí-las e explorá-las à exaustão. E isso impacta diretamente no equilíbrio ecológico e climático de nosso país e do mundo", afirma a Apib.

O julgamento

O processo trata de uma briga judicial de 12 anos entre o governo de Santa Catarina e indígenas do povo Xokleng, que reivindicam um território na região central do estado. Em janeiro de 2009, cerca de 100 deles ocuparam uma área onde hoje está a reserva biológica do Sassafrás, uma área de proteção ambiental.

Por essa razão, a Fatma, órgão ambiental catarinense à época, pediu reintegração de posse na Justiça. A ordem foi concedida em primeira instância e confirmada pelo TRF4 (Tribunal Regional da 4ª Região), em Porto Alegre.

A Funai (Fundação Nacional do índio), então, recorreu da decisão do TR4, e o caso chegou ao Supremo no final de 2016. Um total de 75 entidades participa do processo como amicus curiae, que têm direito de levar informações aos ministros. O grupo reúne entidades de defesa dos direitos dos povos indígenas e lideranças dos próprios povos, mas também dezenas de sindicatos rurais e agremiações ruralistas.