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Especial/Fidel Castro, o fim de uma vida lendária

26/11/2016 15h04

HAVANA, 26 NOV (ANSA) - Se há um ponto em comum entre seguidores e críticos de Fidel Castro, morto na última sexta-feira (25), aos 90 anos, é que ambos concordam que ele se converteu em uma lenda ao empreender uma batalha de meio século com a maior potência do mundo, os Estados Unidos, como um Davi que, em vez de matar o Golias, o confundiu de tal forma que o fez mover-se em círculos durante anos com sua mão ameaçadora, mas sem saber onde desferir o golpe mortal.   

Contudo, foi seu irmão, Raúl Castro, quem conseguiu um acordo com o "inimigo histórico" para restabelecer relações bilaterais congeladas havia mais de 50 anos e abrir negociações sobre temas de interesse mútuo. Amado por seus seguidores com a mesma intensidade com a qual o odiaram seus detratores, que o chamavam de ditador sanguinário, Fidel foi um homem de convicções irremovíveis. Advogado formado em Havana e filho de proprietários de terra, teceu sem querer muitas outras lendas.   

Com menos de 30 anos de idade, realizou a façanha bélica de, contra todos os prognósticos, vencer em apenas dois anos de guerra o exército profissional de Fulgencio Batista, que ainda contava com o apoio de Washington. Depois desse triunfo, teve vários capítulos de resistência. Sob seu poder, Cuba, um país que vivia do comércio com os Estados Unidos até 1959, resistiu a um bloqueio econômico, a um ataque militar organizado pela Agência Central de Inteligência (CIA) e realizado por cubanos recrutados no exterior e esteve no centro da crise dos mísseis, em 1962, que ficou a ponto de se transformar em guerra nuclear.   

Já na metade final de seu mandato, Fidel e o sistema que implantou em Cuba resistiram ao desmonte socialista e especialmente ao fim da União Soviética, em 1991, ainda que em meio a severas restrições e a acusações sistemáticas de violação dos direitos humanos apresentadas pela oposição, tachada de "mercenária".   

É uma figura heroica para grande parte da esquerda e um ditador e assassino para os oposicionistas na ilha e na vasta comunidade cubana de Miami. Fidel foi uma figura estelar da Guerra Fria, apesar da pequenez geográfica de Cuba. Esteve à frente do país por quase meio século e se converteu para muitos no paradigma do revolucionário, e para outros tantos na representação do líder totalitário que não sabe deixar o poder.   

Para os cubanos, Fidel foi "o comandante" e protagonista de tantos mitos. "Nunca dorme", "não se esquece de nada", "é capaz de te penetrar com o olhar e saber quem você é", "nunca erra".   

Após adoecer, deixou de lado sua farda militar. Ao delegar o poder a Raúl, temporariamente em julho de 2006 e em definitivo em fevereiro de 2008, começou a contagem regressiva para o fim de uma vida marcante.   

Nascido em 13 de agosto de 1926, em Birán, leste de Cuba, Fidel Castro Ruz exibia características evidentes, como o carisma - algo admitido até pelos inimigos -, a oratória envolvente, a memória precisa e a devoção por cifras e dados, mas outras menos perceptíveis, como a timidez, o pudor e um exíguo interesse por música e dança, duas das maiores paixões cubanas. "Ele gosta de precisão, exatidão, pontualidade. É quase tímido, bem educado e cavalheiro. Dá a impressão de ser um homem solitário, com hábitos de monge-soldado", escreveu Ignácio Ramonet em seu livro "Cem horas com Fidel.   

Sempre barbado, o comandante aparecia inevitavelmente com uniformes militares, que depois, já doente, trocou por agasalhos esportivos. Fidel se casou em 1948, com Mirta Díaz-Balart, com quem teve seu primeiro filho, Fidel Castro Díaz-Balart, o "Fidelito". O casal se divorciou, e dessa ruptura ficou a inimizade com os Díaz-Balart, que fizeram carreira política em Miami. Dalia Soto del Valle foi sua última companheira e mãe de outros cinco filhos homens: Alexis, Alexander, Alejandro, Antonio e Ángel. Todos se expõem muito pouco, com exceção de Antonio, cirurgião e vice-presidente da Federação Nacional de Beisebol, uma das paixões de Fidel.   

Também há Alina Fernández, a filha "rebelde" de Castro, que nasceu em 1956 e foi embora para Miami em 1993, enquanto sua mãe, Naty Revuelta, optou por permanecer em Cuba. Culto e leitor voraz, Fidel só tinha um ídolo declarado: o herói nacional José Martí, com quem sempre buscava paralelismos. Exibiu uma saúde invejável durante quase toda sua vida, e a cada rumor sobre sua morte ou doenças como mal de Parkinson aparecia ostentando sua fortaleza. Mas o passar do tempo e o início do novo século aumentaram suas vulnerabilidades: desmaiou em 2001, caiu em 2004 e ficou por um tempo na cadeira de rodas, e o golpe final, a doença iniciada em 2006, que paradoxalmente coincidiu com o crescimento de sua projeção na América Latina. Muitas vezes solitário em seu discurso anti-imperialista, se viu acompanhado do venezuelano Hugo Chávez e do boliviano Evo Morales.   

Sobre os limites de seu mandato, Fidel o havia fixado em março de 2003: "Estarei com vocês, se assim desejarem, enquanto tiver consciência de que possa ser útil e se antes não o decidir a própria natureza. Nem um minuto a menos, nem um segundo a mais".   

Acabou renunciando em fevereiro de 2008, mas continuou propagando suas ideias. "Agora compreendo que meu destino não era vir ao mundo para descansar no fim da minha vida", reconheceu certa vez. (ANSA)
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