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Especial/ 2018, O ano em que a Itália cedeu ao populismo

26/12/2018 11h04

SÃO PAULO, 26 DEZ (ANSA) - Por Lucas Rizzi - Há muito se fala no avanço do populismo e do euroceticismo na União Europeia, mas 2018 foi o ano em que um governo com essas características conseguiu chegar ao poder em uma das nações mais importantes do bloco.   

Em 1º de junho, após mais de 100 dias de negociações, o professor e jurista Giuseppe Conte assumiu o posto de primeiro-ministro da Itália, apoiado por uma coalizão entre o partido antissistema Movimento 5 Estrelas (M5S) e a Liga, ex-legenda separatista do norte do país e hoje principal força de extrema direita na UE.   

Grupos populistas e eurocéticos já governavam nações do leste europeu, como Hungria e Polônia, mas, apesar do avanço dos últimos anos, nunca haviam conquistado um Estado-membro tão significativo. A Itália está entre os países fundadores da União Europeia e é a terceira maior economia da zona do euro, atrás de Alemanha e França.   

"A eleição na Itália é o que realmente chacoalhou o establishment. É a primeira vez que um país tão grande tem um governo que enfrenta o establishment e propõe políticas baseadas em um discurso populista, às vezes antieuropeu", diz a professora Elena Lazarou, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).   

O processo para a formação do gabinete que causaria um terremoto político em Bruxelas foi exaustivo e repleto de reviravoltas. O M5S, partido mais votado, tentou negociar com a Liga, se voltou para o centro-esquerdista Partido Democrático (PD) e, por fim, reabriu as conversas com a extrema direita, que só sacramentou a coalizão após a "bênção" do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, seu aliado em diversos governos regionais.   

Em meio a um recorde de demora para formar um governo, Berlusconi aceitou "emprestar" a Liga ao M5S, prometendo não romper a grande coalizão conservadora que controla ricas regiões como Lombardia e Vêneto. Livres para negociar, M5S e Liga tentaram emplacar como ministro de Economia um professor notoriamente antieuro, Paolo Savona, o que gerou atritos e até uma ameaça de impeachment contra o presidente Sergio Mattarella, que rechaçara a indicação.   

No fim das contas, Savona acabou alocado em uma pasta simbólica, mas de pouco poder, a de Assuntos Europeus, e Mattarella concedeu o encargo a Conte. Como já se imaginava, o primeiro-ministro se revelou uma figura quase decorativa, em um governo que depende exclusivamente das vontades de Luigi Di Maio, líder do M5S, e Matteo Salvini, secretário da Liga, ambos vice-premiers.   

Também no papel de ministro do Interior, Salvini logo se tornou a voz mais forte do governo e seu principal rosto no exterior, graças sobretudo à cruzada contra migrantes e refugiados que o colocou nas capas de jornais e revistas do mundo todo.   

O secretário da Liga fechou os portos do país para ONGs que operam no Mediterrâneo, transferiu recursos de políticas de acolhimento para ações de repatriação e dificultou a concessão de proteção humanitária, além de ter comprado uma briga com a UE para fazer outros Estados-membros acolherem mais refugiados.   

Mas essa não foi a única frente de batalha surgida entre Roma e Bruxelas: a Comissão Europeia chegou a ameaçar denunciar a Itália caso o governo - que acabou cedendo - não reduzisse sua meta de déficit fiscal, que poderia levar a uma explosão da dívida no país que tem o quarto maior débito público do mundo.   

M5S e Liga são historicamente eurocéticos. O primeiro sempre pregou o rompimento com o euro, enquanto a segunda defendia a implosão da própria UE. No governo, suavizaram suas opiniões e agora cobram apenas a "reforma" da União.   

Mas a postura de suas lideranças, sobretudo Salvini, mostram que um dos pilares do governo é o confronto constante com Bruxelas, que ainda é capaz de render dividendos eleitorais, tendo em vista as eleições para o Parlamento Europeu de maio de 2019.   

(ANSA)
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