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Em Angola, Brasil testa papel de potência global

17/09/2012 16h23

Enquanto aguarda na fila de carros à entrada do único shopping de Luanda, capital de Angola, um motorista angolano abre as janelas de seu jipe. Os alto-falantes ecoam "Eu quero tchu, eu quero tchá", música da dupla sertaneja brasileira João Lucas e Marcelo.

Em instantes, após estacionar o veículo, ele entrará num edifício erguido por uma empreiteira brasileira (Odebrecht), cruzará com trabalhadores brasileiros, fará compras em lojas brasileiras (Ellus, Nobel) e, possivelmente, comerá numa rede de fast-food brasileira (Bob's).

O alto teor brasileiro do programa não é coincidência: nos últimos anos, Angola se tornou um dos maiores palcos externos do Brasil. Lá, a influência brasileira se alastrou em grande escala pela cultura, pela economia e até pela política local.

Em Talatona, bairro ao sul de Luanda que abriga o Belas Shopping, a presença brasileira alcança seu ápice. Luxuosos condomínios fechados abrigam boa parte dos engenheiros, médicos e consultores do Brasil em Angola. No bairro, eles vivem rodeados por supermercados, academias e restaurantes administrados por compatriotas.

Porém, a maioria dos brasileiros em Angola, estimados em até 25 mil, mora em alojamentos ou casas coletivas: são pedreiros, operadores de máquinas, motoristas e outros técnicos contratados por empreiteiras brasileiras para executar obras no país.

Fricções e proximidade

Embora não haja relatos de hostilidade contra brasileiros em Angola, o grupo começa a gerar desconforto em alguns círculos. "Nas empresas, os angolanos dizem que os operários brasileiros são privilegiados, que têm salários maiores. Isso já provoca algumas fricções", diz o jornalista Reginaldo Silva, autor do blog Morro da Maianga.

Ele diz, no entanto, que a relação entre operários brasileiros, que "gostam de brincar, têm comportamento parecido com o nosso" e angolanos costuma ser boa.

"Já os (brasileiros) mais privilegiados, da classe média, vivem isolados em seus condomínios e têm muito pouco contato conosco."

Se, para o jornalista, a convivência entre os brasileiros mais ricos e os angolanos ainda é fria, os governos dos dois países vivem período de grande proximidade. Entusiasta das relações Brasil-África, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteve em Angola três vezes nos últimos cinco anos. A última visita ocorreu em 2011, ano em que a presidente Dilma Rousseff também viajou ao país.

Atribui-se a uma indicação de Lula a atuação do marqueteiro brasileiro João Santana na eleição angolana deste ano. Ele chefiou a campanha do presidente José Eduardo dos Santos, no poder há 33 anos. Vencedor com mais de 70% dos votos, ele estenderá seu mandato até 2017.

Independência

Brasil e Angola mantêm boas relações desde que o país africano se tornou independente de Portugal, em 1975. O Estado brasileiro foi o primeiro a reconhecer Angola como nação soberana, gesto que até hoje lhe rende agradecimentos de dirigentes angolanos.

As relações bilaterais, no entanto, só se intensificaram na última década, quando o governo brasileiro ampliou os financiamentos a obras de empreiteiras brasileiras no país africano.

Desde 2006, quando o BNDES (Banco Nacional para o Desenvolvimento Econômico e Social) passou a canalizar a maior parte desses empréstimos, foram criadas linhas de crédito de US$ 5,2 bilhões (R$ 10,5 bilhões) para essas companhias.

O montante é mais do que o dobro do custo inicialmente estimado para a transposição do rio São Francisco (R$ 4,8 bilhões), uma das maiores obras em curso no Brasil. Em 2011, Angola só foi superada pela Argentina entre os países estrangeiros que mais receberam empréstimos do BNDES.

Os financiamentos têm o petróleo angolano como garantia - o país ocupa o segundo posto entre os maiores produtores de petróleo da África Subsaariana, com extração ligeriamente inferior à do Brasil.

Após o fim da guerra civil angolana (1975-2002), as vendas do produto ampararam um amplo programa de reconstrução conduzido pelo governo em parceria com empreiteiras brasileiras, portuguesas e chinesas.

'Caminho aberto'

As construtoras abriram o caminho para consultorias, comerciantes e companhias de variados setores: de acordo com o banco sul-africano Standard, atraídas pelo elevado ritmo de crescimento de Angola, ao menos 200 empresas brasileiras abriram filiais no país. Em 2007, o então embaixador do Brasil em Angola, Afonso Pena, disse que elas eram responsáveis por 10% do PIB angolano.

No auge do programa de reconstrução, entre 2004 e 2008, Angola cresceu em média 14% ao ano. A crise econômica mundial, porém, derrubou a cotação das commodities e suspendeu a evolução do PIB.

Espera-se, contudo, que nos próximos anos a recuperação nos preços do petróleo alavanque um novo ciclo de crescimento. Segundo a Economist Intelligence Unit, até 2016, a economia de Angola deverá ultrapassar a da África do Sul, hoje a maior do continente.

'Colonização cultural'

Na cultura, como na economia, Angola mantém laços sólidos com o Brasil. Três canais de TV brasileiros (Globo, Record e, mais recentemente, Band) transmitem sua programação no país.

A grande audiência das emissoras faz com que crimes com grande repercussão no Brasil sejam acompanhados pela imprensa angolana. Brigas de casais brasileiros famosos, por sua vez, acabam nas páginas da Caras Angola, filial da revista de celebridades.

E como revela a cena à entrada do shopping, músicas que estouram no Brasil em pouco tempo ganham as rádios angolanas.

"A cultura brasileira domina completamente Angola", diz Reginaldo Silva.

Segundo o jornalista, a influência do Brasil nesse campo é tão grande que já altera o modo de falar dos angolanos, que passaram a incorporar gírias e expressões brasileiras.

"Pela via cultural, há uma colonização absoluta de Angola pelo Brasil".