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Protestos, sanções ou diálogo? O que acontece agora na Venezuela após anúncio de vitória do governo em eleições regionais

Daniel García Marco - Da BBC Mundo em Caracas

16/10/2017 18h22

Após quatro meses de luta nas ruas, dois meses e meio de trégua e eleições regionais vencidas de forma "taxativa" pelo grupo político de Nicolás Maduro e não reconhecidas pela oposição, a Venezuela entra em uma nova fase.

Os resultados que deram ao chavismo 17 dos 23 governos estaduais do país e levou o presidente a declarar que o chavismo "triunfou". Por sua vez, Gerardo Blyde, diretor da Mesa da Unidace Democrática (MUD), a coalizão que reúne a maior parte da oposição, disse que "nem a Venezuela nem o mundo aceitarão essa ficção".

Nesta segunda-feira, a MUD fez um chamado para atos nas ruas. Serão como os protestos de abril a julho, que deixaram 120 mortos? As sanções internacionais contra um governo visto com suspeita por muitos países serão ampliadas? Cessará de vez o diálogo?

Diante desse cenário incerto em relação à volta dos conflitos e de novas sanções, a crise da economia do país, que tem a maior taxa de inflação do mundo e sofre com a escassez de alimentos, medicamentos e de outros produtos básicos, pode se agravar ainda mais.

"É o pior cenário possível", diz o economista Luis Vicente León, diretor do instituto de pesquisa Datanálisis. Ele avalia que as eleições não foram transparentes, mas não se aventura a julgar os dados do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a quem a oposição acusa de fraude.

Mas o analista acredita que o triunfo do governo no número de governos regionais eleitos e no número total de votos a nível nacional (54% ante 45% da oposição, segundo Maduro) terá consequências negativas para o país: "É um resultado que não será aceito pela oposição nem pela comunidade internacional".

Sanções

O governo celebrou ter vencido na grande maioria dos Estados e, com exceção de Zulia, em todos os mais importantes - a oposição venceu também em Mérida e Táchira, que foram o epicentro dos protestos contra Maduro, e em Anzoátegui e Nueva Esparta.

Ainda que tenha se fortalecido ao ampliar de três para cinco o número de Estados que governa, a oposição ficou longe dos 18 Estados nos quais imaginava que venceria.

Gerardo Blyde, porta-voz da MUD, já disse que não reconhecerá os resultados, que são muito diferentes do que os que a coalizão festejava na tarde de domingo de forma antecipada como uma vitória "gigantesca".

Uma pesquisa da Datanálisis apontava que 45% dos eleitores votariam em candidatos da oposição, enquanto 21% optariam por nomes do governo, como destaca Will Grant, correspondente da BBC em Caracas.

Isso que levou opositores a acusarem fraude no processo, mas outro levantamento da mesma empresa indicava que a popularidade de Maduro aumentou seis pontos percentuais após as sanções aplicadas pelos Estados Unidos.

O governo americano deve ficar mais uma vez ao lado da oposição, afirma Grant. É provável que canadenses, União Europeia e o Grupo de Lima, formado por 12 países da América Latina, também sigam a MUD e rejeitem um processo eleitoral que foi polêmico desde o início.

O diretor da Datanálisis avalia que se pode esperar, além "da denúncia de fraude e do chamado a uma luta distinta da eleitoral, intensificação das sanções ao país e um impacto sobre as possibilidades de negociação".

A oposição denunciou, entre outras coisas, que o CNE não permitiu a substituição na cédula eleitoral oficial dos candidatos da coalizão que foram derrotados nas eleições primárias.

Também se queixou da mudança de local de dezenas de centros de votação, feita sob a alegação de falta de estrutura ou ocorrência de violência na votação da Assembleia Constituinte, em julho, o que teria dificultado a participação de milhares de eleitores neste domingo.

Os países e blocos críticos à Venezuela duvidam do caráter democrático do governo e pedem a libertação de presos políticos, diálogos, reconhecimento do Parlamento e processos eleitorais justos.

A União Europeia deverá avaliar nesta semana sanções como as que foram impostas por Estados Unidos e Canadá. Os Estados Unidos têm avaliado inclusive uma possível medida contra as importações de petróleo da Venezuela, que obtém a partir desse produto in natura 96% de suas divisas, mesmo diante da crise do setor.

Impacto na economia

Para León, "a oposição fica dependente de ações internacionais questionáveis, porque as sanções podem ter um forte impacto sobre o país e sua população".

As previsões do cenário econômico são muito ruins, ainda que a Venezuela conte com o apoio de Rússia e China como seus principais aliados. O Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou estimativas revisadas sobre o país e prevê uma inflação de 2.300% para 2018 - de longe, a maior do mundo - e uma queda de 12% do Produto Interno Bruto em 2017 e de 6% no próximo ano.

Também espera um desemprego de 30%, que seria o mais alto da região. "Tudo isso amplifica a crise, não aumenta a confiança, há mais risco, mais sanções, mais conflitos, menos chance de negociação", analisa León.

Mas a batalha internacional parece ser a única que a oposição pode ganhar.

Após 18 anos de chavismo, a MUD conseguiu um importante triunfo nas eleições legislativas de dezembro de 2015 e passou a organizar um referendo para revogar o mandato de Maduro, que o CNE suspendeu por presunção de fraude na coleta de assinaturas de apoio à sua realização.

Desde abril, promoveu uma luta nas ruas depois que o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) usurpou as funções do Parlamento. Mas os protestos resultaram em 120 mortos e na frustação gerada pela criação de uma Assembleia Constituinte como o governo federal desejava.

Em meio a esse clima, não conseguiu convencer a todos os seus setores a participar e votar nas eleições de domingo, que teve uma participação de 61,14% da população. E León acredita que o desânimo se espalhará pela oposição, fazendo com que seja difícil mobilizar de novo as ruas, estratégia que já cobrou sacrifícios sem trazer os resultados desejados.

'Encurralada'

"A oposição está encurralada pelas forças que controlam o poder, as armas e que estão dispostas a tudo", avalia o especialista.

"Quando se perde, e quando o inimigo é maior, há a possibilidade de tentar construir uma maioria no futuro, mas a oposição vê que o governo permanecerá no poder mesmo sendo minoria. Então, as perspectivas são lutas para as quais não tem estrutura, capacidade nem organização para travar."

Por sua vez, o governo celebra, ainda que tenha diante de si o desafio de gerir uma situação econômica cada vez mais crítica. "A revolução alcança um nível de irreversibilidade", disse no domingo Diosdado Cabello, um dos principais dirigentes do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).

Após 18 anos no poder, o chavismo segue parecendo ser invencível - que não pode ser derrotado nas ruas ou nas urnas e é imune a tudo, inclusive a uma crise que se agrava a cada dia.