'Enganar mulher com autoestima no chão': como família prostituiu mulheres por 8 anos no México
Os Garfias, que passaram 12 anos na prisão por proxenetismo, corrupção de menores e outros crimes, relatam, após 'encontrar Jesus', que fazer mulheres 'se sentir amadas' era melhor forma de controlar vítimas de prostituição.
"Depois de ser vítima, passei a fazer vítimas."
É assim que a mexicana Esperanza Garfias resume seu passado como vítima de abusos, prostituta e, posteriormente, agenciadora de mulheres - submetidas a dívidas e à privação da liberdade.
Mas, como parte importante do tráfico ilegal de pessoas no México, a atuação de Esperanza se dava por meio de um negócio familiar ao lado dos filhos, um deles o "patrão".
"Com cinco anos, fui abusada por um vizinho. E não foi só ele: outros vizinhos e amigos da família abusaram de mim por anos. Cresci com muito ódio e com 12 anos saí de casa", lembra a mexicana. "Todo o ódio e agressividade guardados em mim eu transferi para os meus filhos. E eles, às garotas".
O negócio dos Garfias atuou por oito anos no bairro de La Merced, na região central da Cidade do México, capital do país.
"La Merced está na região central e é conhecida por suas igrejas antigas, muito bonitas, seus edifícios antigos, suas docerias... E também por garotas em situação de prostituição", explica Mario Garfias.
"Meu primeiro trabalho lá foi na limpeza dos quartos, recolhendo camisinhas, papéis... Então, primeiro trabalhei com mulheres que tinham outros patrões".
Segundo Mario, os cafetões, muitas vezes da família das mulheres exploradas, exigiam grandes quantias delas.
"E eu dizia: eu não te pediria tanto. Eu gosto muito de você, vou cuidar de você..."
O crescimento dos Garfias em La Merced
De acordo com o mexicano, aos poucos ele foi juntando mais garotas sob seu domínio - chegou a carregar algumas raptadas pelo ombro. Logo, o escopo de atuação da família cresceu.
"O trabalho com meus filhos era como se fosse uma empresa" lembra Esperanza. "Me tiraram do trabalho como prostituta e passei a receber garotas".
"Comprei roupas, celular... E o simples fato de ter poder me encantava. Ter empregados me fascinava", diz Mario.
"Sempre fui muito mandão na minha casa e cresci com a ideia de que a violência era algo normal. Também acreditava que violentar uma mulher era algo normal. Minha mãe também foi violentada."
Neste "ciclo" de abusos, Esperanza lamenta ter levado a filha, então com 13 anos, ao cabaré em que trabalhava.
"Falei para ela: você vai ser a minha sucessora. Não pensei no mal que estava fazendo a ela", conta Esperanza. "Bebíamos juntas como se fóssemos duas colegas de trabalho, não como se fosse minha filha. Isto me pesa e me dói muito o coração".
"Não pensei que pudesse fazer algo além deste trabalho. Uma pessoa envolve a outra, é como uma rede".
Somente na Cidade do México, milhares de mulheres são traficadas no negócio da prostituição por ano. Na América Latina, cerca de um terço dos traficantes de pessoas são mulheres, usadas cada vez mais para capturar vítimas.
Afeto e agressão
Enrique Garfias foi eventualmente "contratado" pelo irmão. Ele conta que se valia de uma abordagem afetuosa às mulheres exploradas.
"Meu irmão me disse que me passaria uma garota e, o que ela ganhasse, viria para mim. Ela era menor de idade e eu lhe dizia que o trabalho era temporário. Que, quanto mais dinheiro ela fizesse, poderíamos comprar um apartamento e ir morar longe", recorda Enrique.
"Fazer uma pessoa se sentir amada é, a meu ver, uma das melhores maneiras que um traficante tem sobre sua vítima. Porque, por amor, ela vai ficar comigo. Se alguma pessoa pergunta porque ela não denuncia, ela vai dizer: porque ele me ama."
Segundo o ex-"patrão", Mario, "não há nada mais fácil do que enganar uma mulher com a autoestima no chão".
Mas ele se lembra também de episódios em que agrediu as mulheres.
"Um dia, quando vi que uma das garotas estava se deitando com um policial... Eu tinha um taco de beisebol pequeno. Eu bati nela. Nunca na cara, porque claro que eu mandava elas continuarem trabalhando. Eu a espanquei nas costas, nas nádegas, nos braços...", diz Mario.
Prisão
Até que uma das garotas denunciou a família.
Na Justiça, eles foram condenados a 18 anos e 10 meses de prisão, além de uma multa de 109 mil pesos mexicanos (R$ 18 mil), pelos crimes de corrupção de menores, lenocínio, associação delituosa, tentativa de corrupção e privação ilegal de liberdade.
Dos quase 19 anos da sentença, cada membro da família passou quase 12 anos na prisão.
Lá, um pastor os introduziu à Bíblia - e, então, eles se converteram à fé cristã.
"Eu sentia culpa pela minha família. Então, alguém me falou de Jesus. Eu gostava que me falassem de Jesus, porque me davam donuts de chocolate. A oferta que recebi, e que não pude desprezar, foi quando me disseram: ele pode te dar a paz que falta no seu coração. Assim, aceitei sua oferta", revela Mario.
Em liberdade, a família diz hoje contar sua história para conscientizar sobre abusos e tráfico de pessoas.
"Sei que não posso consertar nada do que fiz. Mas me esforço todos os dias para ser uma pessoa diferente", diz a matriarca dos Garfias.
O tráfico de pessoas é o negócio ilegal que mais rápido cresce no mundo, com estimativas de movimentar US$ 150 bilhões (cerca de R$ 490 bilhões) ao ano. Estima-se que 4,8 milhões de pessoas sejam forçadas a se prostituir no mundo.
Reportagem: Anastasia Moloney; Câmera: Theo Hessing; Edição: Valeria Cardi; Produtores executivos: Nicky Milne e Georgina Cooper.
Agradecimentos: Comisión Unidos Vs. Trata, Fundación Emmanuel I.A.P.
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