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A crise da Huawei sinaliza o início de uma nova Guerra Fria?

Eva Ontiveros - Do Serviço Mundial da BBC

29/12/2018 06h25

Acusações americanas colocam em risco a forte ascensão da empresa chinesa - e de seus país - no mercado tecnológico global.

A briga entre Estados Unidos e China, hoje as duas maiores economias do mundo, para ganhar a dianteira no setor de tecnologia tem despertado preocupações quanto a uma "nova Guerra Fria", entre Ocidente e Oriente.

Até algumas semanas atrás, a gigante tecnológica chinesa Huawei era a maior provedora global de equipamentos de telecomunicações, com contratos para fornecer redes 5G para países do mundo inteiro.

Agora, em efeito dominó, a empresa perdeu acesso a alguns dos mercados mais valiosos do mundo, como Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos - após Washington acusar a China de desrespeitar sanções contra o Irã e de hackear agências governamentais do Ocidente. É possível que Reino Unido, Japão e Canadá também abandonem ou reformulem seus contratos com a empresa.

O episódio pode prejudicar seriamente as ambições chinesas de se tornar um ator global na área de tecnologia, e tudo indica que Pequim não aceitará isso passivamente.

Consumidores chineses têm pedido boicote a produtos americanos - como telefones e tablets da Apple -, enquanto a imprensa estatal chinesa levanta a hipótese de "os americanos estarem lançando uma guerra secreta e não declarada".

'Guerra Fria 2.0'

O auge da disputa foi a surpreendente prisão de Meng Wanzhou, diretora-financeira da Huawei e filha do fundador da empresa. Ela foi detida no Canadá, a pedido dos Estados Unidos, e libertada sob fiança, sob supervisão da Justiça.

Os Estados Unidos pedem sua extradição, acusando sua empresa de ter vendido produtos de telecomunicações ao Irã e de permitir às autoridades chinesas o acesso às redes de telecomunicações de outros países. Se for condenada, Wanzhou pode receber uma sentença de até 30 anos de prisão.

"A prisão, independentemente de suas circunstâncias, fez soar um alarme na China acerca de uma Guerra Fria contra o país", disse à BBC Graham Allison, diretor de um centro de estudos internacionais da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Para ele, as autoridades chinesas estão interpretando os eventos recentes como uma confirmação de que o governo americano está promovendo uma confrontação em âmbito global.

Originalmente, o termo Guerra Fria se referiu à disputa ideológica e política entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética pela soberania global, desde o fim da Segunda Guerra Mundial até o colapso soviético, no início da década de 1990. Embora nunca tenha havido um conflito militar direto, havia um constante clima bélico, em meio a uma corrida armamentista e tecnológica.

Analistas do setor de tecnologia na Ásia, na Europa e nas Américas têm tratado o acontecimento envolvendo a Huawei como um novo tipo de Guerra Fria, na qual Estados Unidos e China lutam entre si para conquistar a liderança tecnológica da próxima década.

Por sua vez, Meng nega qualquer irregularidade na atuação da Huawei. Sua prisão evidenciou, no entanto, a crescente tensão entre Washington e Pequim.

Allison opina que a China enfrentará resistência "em todas as arenas - sobretudo na de tecnologias mais críticas".

"O governo americano está tentando seriamente persuadir os países sob sua influência a não comprar equipamentos da Huawei por riscos de segurança", diz o analista.

Impacto nos negócios

As acusações de descumprimento de sanções iranianas e de uma proximidade excessiva com autoridades chinesas podem ser catastróficas para os negócios da Huawei, por gerar suspeições em países que eventualmente tivessem a intenção de entregar suas redes à empresa.

Desde 2015, a empresa era líder global em seu mercado, deixando para trás concorrentes como Ericsson, Nokia, ZTE e Samsung. A própria Huawei afirmou ter conquistado 25 contratos comerciais para o fornecimento de redes 5G e exportou mais de 10 mil estações de 5G para distintos países. Sua receita esperada para 2018 era superior a US$ 100 bilhões (R$ 388,2 bilhões).

"Apesar dos esforços em alguns mercados em criar medo a respeito da Huawei e de usar a política para interferir no crescimento da indústria, temos orgulho em dizer que nossos consumidores continuam a confiar em nós", disse recentemente o atual presidente da empresa, Ken Hu.

Houve, no entanto, a perda concreta de importantes mercados, como o americano e o australiano. Além disso, o governo britânico acusou Pequim de hackeamento, e o chefe do serviço de inteligência do país (o MI6), Alex Younger, afirmou ser necessário discutir um suposto envolvimento da Huawei nas redes de telecomunicações britânicas.

E, em mais um desdobramento da "guerra tecnológica", Estados Unidos e Reino Unido acusaram Pequim, em 20 de dezembro, de lançar uma campanha cibernética de larga escala, hackeando sistemas de ao menos 45 organizações - entre empresas de atividades comerciais, tecnológicas, de defesa e agências governamentais.

Dois cidadãos chineses estão sendo acusados, nos Estados Unidos, de terem patrocinado uma invasão de sistemas tecnológicos ao redor do mundo, o que configuraria rompimento de compromissos assumidos por Pequim em acordos internacionais.

O Ministério das Relações Exteriores da China chamou as acusações de "calúnia". Ao mesmo tempo, o país asiático deteve dois canadenses (um empresário e um ex-diplomata) por suspeita de "colocar a segurança nacional em risco".

Huawei: grande aposta chinesa

Ken Hu, da Huawei, argumentou que países que banirem a empresa ficarão em séria desvantagem à medida que o mundo se move em direção à tecnologia 5G - que é a próxima geração de internet móvel.

Na China, a companhia também conta com a simpatia de grande parte da população, que a vê como um símbolo de esperança para o futuro.

O comentarista de tecnologia chinês Wang Xiadong afirma que a China está sendo punida simplesmente por ter superado os Estados Unidos em seu próprio jogo. "Sob as regras da economia de livre mercado desenvolvidas pelos Estados Unidos, a Huawei chegou ao topo", argumenta, acusando o país de usar aliados para boicotar a empresa chinesa.

Uma forte preocupação é de que a Huawei tenha destino semelhante à ZTE, que também era uma gigante chinesa de telecom até que o Departamento de Estado americano a acusou de violar sanções contra Irã e Coreia do Norte. No início de 2018, as ações e o valor de mercado da empresa despencaram. Atualmente, nenhuma empresa americana é autorizada a vender equipamentos à ZTE - que dependia de chips desenvolvidos pelos Estados Unidos.

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