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Robert Mueller: a misteriosa figura pública dos EUA que pode decidir destino de Trump

Saul Loeb - 19.jun.2013/AFP
Imagem: Saul Loeb - 19.jun.2013/AFP

Gareth Evans

Da BBC News, em Washington (EUA)

04/02/2019 09h34

Pouco afeito a declarações públicas, americano responsável por investigação de suposta interferência russa na eleição presidencial americana é conhecido como servidor público obcecado pelos detalhes e pela verdade.

Robert Mueller raramente dá entrevistas ou aparece em público. A despeito disso, é uma das pessoas mais mencionadas em conversas ao redor dos EUA. Afinal, é Mueller quem lidera a investigação da suposta interferência russa nas eleições americanas de 2016.

Como advogado especial do Departamento de Justiça dos EUA, foi encarregado de investigar acusações de elos "entre o governo russo e indivíduos associados à campanha do presidente Donald Trump" e, segundo a imprensa americana, está redigindo seu relatório final. A depender do conteúdo, pode dar força a pedidos de impeachment de Trump por parte da oposição democrata.

Os críticos de Mueller o acusam de encabeçar um plano para derrubar Trump. Já seus defensores afirmam que ele é um servidor público incansável, disposto a descobrir a verdade.

Quem é, então, o homem por trás das manchetes?

A agente do FBI Lauren C. Anderson estava investigando um assassinato em Libreville, capital de Gabão (África Ocidental), quando recebeu um telefonema urgente.

A voz do outro lado da linha disse a ela que Robert Mueller, que dois anos antes havia sido nomeado diretor do FBI, queria falar com ela.

"Fiquei muito surpresa", conta ela à BBC. "Pensava, 'o que é que pode estar acontecendo aqui que ele necessite saber?'."

Mas não era para falar sobre o Gabão, e sim sobre algo que havia acontecido a Anderson em Paris, algumas semanas antes: durante uma viagem de trem, ela havia feito massagem cardíaca em um homem que havia tido um infarto. O homem não resistiu, e Anderson acabou consolando a viúva do homem enquanto os paramédicos o atendiam.

"Soube que você tentou salvar a vida de alguém", disse Mueller a ela pelo telefone. "Obrigado."

Essa lembrança, para ela, revela algo significativo a respeito de Mueller.

"Ele encontrou um momento no dia, em meio ao completo caos que reinava no mundo, para me telefonar. Ele leva a sério que as pessoas façam a coisa certa. É algo que importa muito para ele."

Nascido em uma próspera família de Manhattan em 1944, Robert Swan Mueller 3º foi criado em Princeton, Nova Jersey. Estudou no exclusivo colégio interno de St Paul's, em New Hampshire, onde seus valores morais foram rapidamente notados por seus colegas.

Robert Mueller em foto do time de hóquei da escola, em 1962; ele usa a camisa de númeo 12, e está ao lado do ex-secretário de Estado John Kerry, número 18 - Getty Images/BBC - Getty Images/BBC
Robert Mueller em foto do time de hóquei da escola, em 1962; ele usa a camisa de númeo 12, e está ao lado do ex-secretário de Estado John Kerry, número 18
Imagem: Getty Images/BBC

"Ele era um jovem excepcionalmente sério", lembra Maxwell King, seu colega de classe na época.

King lembra um incidente do lado de fora da cantina da escola.

"Jovens de colégios internos costumam ser muito sarcásticos", diz. "Lembro de estarmos tirando sarro de alguém e Bob (Mueller) simplesmente levantar e ir embora, deixando claro que não estava gostando. Ele só chacoalhou a cabeça e foi embora."

Esse desprezo por bullying e um senso enraizado de certo e errado são frequentemente mencionados por quem convive com Mueller, comumente chamado de "um homem da lei e da ordem".

Depois de estudar Política na Universidade Princeton, Mueller fez parte dos Fuzileiros Navais americanos e foi enviado à Guerra do Vietnã em 1968.

"Naquela época, poucas pessoas de origens privilegiadas como a nossa se voluntariavam para ir (a combate)", diz King. "É um indicativo da dedicação de Bob."

Foto de resgate na Guerra do Vietnã; Mueller serviu como fuzileiro naval - Getty Images/BBC - Getty Images/BBC
Foto de resgate na Guerra do Vietnã; Mueller serviu como fuzileiro naval
Imagem: Getty Images/BBC

Em uma rara entrevista, em 2002, Mueller explicou sua decisão.

"Uma das razões pelas quais entrei nos Corpos de Fuzileiros era que havia perdido um grande amigo, fuzileiro, no Vietnã. Ele estava um ano à minha frente em Princeton", contou. "Muitos de nós (colegas) achamos que devíamos seguir o exemplo dele."

Como tenente, Mueller liderou um pelotão e foi duas vezes ferido em combate, tendo sido condecorado depois com uma estrela de bronze por coragem.

Ao voltar da guerra, cursou Direito na Universidade da Virgínia e se formou em 1973. Teve diversos empregos na área legal - em Boston, por exemplo, trabalhou como promotor em casos de terrorismo e lavagem internacional de dinheiro. Em 1990, entrou para o Departamento de Justiça.

De lá, "ele poderia ter passado o resto da vida fazendo dinheiro em um escritório de advocacia", afirma Tim Weiner, autor do livro Enemies: A History of the FBI (Inimigos: Uma história do FBI, em tradução livre). "Em vez disso, ele preferiu se tornar promotor no sistema de Justiça Criminal de Washington, que na verdade é um posto meio que inicial (de carreira). Ele sentia a obrigação moral de combater o crime em Washington, que estava vivendo uma epidemia de homicídios parcialmente causada por guerras de drogas."

Mueller assumiu o FBI em 2001 - Getty Images/BBC - Getty Images/BBC
Mueller assumiu o FBI em 2001
Imagem: Getty Images/BBC

Em agosto de 2001, Mueller foi confirmado pelo Senado como diretor do FBI. Exatamente uma semana depois de sua posse, em 4 de setembro, seu cargo foi completamente transformado por um evento de enorme magnitude: os atentados de 11 de Setembro, que deixaram quase 3 mil mortos.

"Imagine como foi a segunda semana de trabalho dele", afirmou Weiner. "O FBI que ele assumiu era uma instituição profundamente problemática. Era composta em 95% por homens brancos e não servia bem sua função primordial, que é inteligência. Durante seus 12 anos no cargo, Mueller fez do FBI um serviço do século 21 e um serviço de inteligência, sob a lei."

Ali Soufan, ex-agente do FBI que trabalhou para Mueller em contraterrorismo, após o 11 de Setembro, concorda.

"Ele conseguiu reorganizar o FBI, de seu foco histórico de execução (policial) para uma organização focada em inteligência", afirma.

Mas o ímpeto de Mueller em modernizar o FBI - cuja tecnologia era tão datada que os agentes sequer podiam enviar documentos por email - desagradou a muitas pessoas.

"Por causa do 11 de setembro, ele se viu compelido a introduzir mudanças dramáticas no FBI, e eu posso te dizer que levar essas mudanças em frente não foi mole", diz Lauren Anderson.

"Suas decisões fizeram com que uma grande porcentagem de agentes achasse que ele estava prejudicando o FBI", opina Lauren Anderson.

Além disso, ela diz que Mueller frustrava parte de sua equipe por sua obsessão com detalhes.

"Isso deixava as pessoas enlouquecidas às vezes", ela conta. "Não era incomum que ele perguntasse por detalhes em sessões de briefing, que muitos achavam desnecessários. E quem tinha de responder a essas perguntas ficava irritado e envergonhado se não tivesse os detalhes pedidos."

Torres Gêmeas do World Trade Center de Nova York em 11 de Setembro de 2001 - Brad Rickerby/Reuters - Brad Rickerby/Reuters
FBI mudou quando os Estados Unidos foram alvo dos ataques de 11 de Setembro
Imagem: Brad Rickerby/Reuters

Mueller também foi criticado pelo afrouxamento nas regras de vigilância no pós-11 de Setembro, diz Douglas Charles, professor de História Americana na Universidade Penn State e especializado em FBI.

Mas ele também aponta para um episódio em 2004, quando o então presidente George W. Bush ordenou que a Agência Nacional de Segurança (NSA) espionasse cidadãos americanos como medida de contraterrorismo e Mueller ameaçou renunciar - o que levou Bush a recuar.

"Ele era extremamente preocupado com o perigo de que os EUA perdessem suas liberdades civis na guerra ao terror", diz Tim Weiner, que conviveu algum tempo com Mueller pouco antes das eleições presidenciais de 2016.

E como ele era?

"Vi um homem que é bastante formal, sempre de terno escuro. (...) Mas sob esse exterior formal é alguém muito inteligente, apresentável e de uma mente altamente focada."

Muito tem sido dito sobre a abordagem discreta de Mueller em sua investigação sobre a suposta interferência russa no pleito americano de novembro de 2016, desde que foi nomeado promotor especial do caso, em maio de 2017. Poucas informações vazaram da investigação, e ele pouco falou publicamente sobre o caso.

"O fato de que ouvimos absolutamente nada dele, exceto por documentos judiciais, é completamente consistente com o homem para quem eu trabalhei", afirma Anderson.

"Ele é muito relutante no que diz respeito à mídia, porque acha que o que tem a dizer tem de ser dito através de indiciamentos e mandados de prisão."

"Há uma certa virtude em ser quieto", opina Julian Zelizer, professor de História e Assuntos Públicos na Universidade Princeton.

"Todos gritam na era atual, incluindo o presidente. Todos estão sempre dizendo algo. O ato de ficar quieto só aumenta a mística (em torno de Mueller). Muita gente, se tivesse sido tão criticada quanto ele, sentiria a necessidade de vir a público. Ele tem a autoconfiança de focar apenas no trabalho."

E Mueller certamente foi criticado. Trump o descreveu como "altamente conflitado" e "desacreditado".

Mas Anderson não acha que a discrição de seu antigo chefe mudará, independentemente dos ataques que ele receba.

"Apostaria que não ouviremos nada dele, a não ser que ele seja requisitado a falar perante o Congresso", diz ela. "Ele vai deixar que seu trabalho fale por si só."