Crise na Venezuela: O pequeno grupo que vê em Bolsonaro um caminho para derrubar Maduro
O Rumbo Libertad apoiou o presidente brasileiro com a esperança de que o ex-capitão impulsionasse a queda do sucessor de Hugo Chávez
A pressão internacional sobre o presidente venezuelano Nicolás Maduro tem aumentado nas últimas semanas. Após protestos em Caracas no fim de semana passado pedindo a saída do sucessor de Hugo Chávez, 19 países da União Europeia reconheceram, na segunda-feira (4), o opositor Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, como o líder interino da nação sul-americana.
O Grupo de Lima, composto pelos países mais relevantes da América Latina e o Canadá, pediu que a Força Armada Nacional venezuelana também apoiasse Guaidó. O deputado é tido por parte da comunidade internacional como uma opção viável para garantir eleições livres e uma transição democrática de poder na Venezuela, visto que o pleito presidencial de 2018 não foi reconhecido por diversos países.
Guaidó não é, contudo, a única peça no tabuleiro. Há meses, o pequeno grupo libertário Rumbo Libertad - que tem um de seus líderes exilado no Brasil - defende substituir o regime de Maduro por uma "junta de emergência" não eleita, composta apenas por liberais. O grupo não se opõe a uma intervenção militar no país.
Fundado em outubro de 2016, o Rumbo Libertad tem cerca 300 participantes dentro e fora da Venezuela. Os integrantes do grupo ajudam a gerenciar as atividades do movimento nas áreas de comunicação, ativismo político, análise estratégica, desenvolvimento de propostas legislativas, entre outros temas. Nas redes, sua presença é maior: 42.951 seguidores no Facebook, 78,4 mil no Twitter e 37,7 mil no Instagram.
Autodenominado o único movimento venezuelano pró-Jair Bolsonaro, o Rumbo Libertad enxerga no presidente brasileiro uma figura-chave para o colapso do regime de Caracas, uma vez que a família de Bolsonaro se manifestou contra Maduro em diversas ocasiões.
O grupo fez campanha nas redes sociais para o presidente durante as eleições e mantém relações próximas com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), registradas em fotos.
"Tive o imenso privilégio de conhecer Eduardo, que é uma pessoa muito especial. Conheci o presidente Bolsonaro em um congresso", diz à BBC News Brasil Roderick Navarro, de 31 anos, coordenador do Rumbo Libertad e exilado em São Paulo desde agosto de 2017.
"Era muito importante que a mensagem dele ganhasse: um discurso pró-liberdade, antiglobalista, anti-Foro de São Paulo e contrário ao que representam os amigos de Maduro no Brasil. A esquerda brasileira estava reforçando a ideia de que na Venezuela há uma democracia", completa.
'Pequena seita extremista'
Em novembro passado, Henrique Capriles - derrotado na disputa pela Presidência venezuelana em 2012 contra Chávez e no ano seguinte contra Maduro - denunciou a existência de "uma pequena seita extremista opositora" que prega a divisão e que "se parece com Maduro".
"Há um extremo, e ele está muito envolvido em redes sociais que não ajudam um venezuelano a comer", disse, sem citar nomes. Em suas redes sociais, o Rumbo Libertad considerou que o comentário se referia ao grupo.
Capriles, que recebeu 7,2 milhões de votos em 2013 - apenas 224 mil a menos que Maduro -, ainda afirmou que esse grupo "não acredita que as pessoas possam decidir" e quer "se impor". "Mas quero dizer a essa seita que vamos lutar, porque não é uma questão desse país mudar de uma ditadura vermelha para uma de outra cor."
Grupo tem representatividade?
"Digo de antemão que esse movimento é totalmente desconhecido e não tem nenhum impacto na política da oposição", diz Colette Capriles Sandner, professora de Ciências Sociais da Universidade Simón Bolívar, em Caracas.
"Eles se tornaram mais fortes recentemente, mas não são tão relevantes. Eles têm líderes no exílio no Brasil. É por isso que ouvimos falar deles em relação a Bolsonaro", explica Annette Idler, diretora de Estudos do Changing Character of War Centre na Universidade de Oxford, no Reino Unido, e especialista em Venezuela e Colômbia.
O que pretende o Rumbo Libertad?
Roderick Navarro, do Rumbo Libertad, alega ser perseguido pelo regime de Maduro, para quem o grupo foi um dos responsáveis pelo ataque de alguns soldados rebeldes ao Forte de Paramacay em 2017. O movimento apoiou publicamente os militares que se dispuseram contra o presidente venezuelano à época.
O ativista venezuelano aparece em imagens do canal estatal Venezolana de Televisión com um pedido de procura internacional pela Interpol. "Tivemos que sair pela fronteira com a Colômbia e desde então não pudemos retornar", afirma.
Para remover Maduro do poder, o Rumbo Libertad solicitou em agosto passado que o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela no exílio (TSJ) autorizasse a criação de uma "junta de emergência", não eleita democraticamente, para governar o país (porque "não há nenhum vestígio de institucionalidade" para eleições).
A justificativa para o pedido é que Maduro estaria usurpando os poderes do Executivo, pois a Assembleia Nacional decidiu que ele "abandonou o seu posto" em janeiro de 2017 - em uma tentativa má sucedida de destituí-lo.
Esse governo seria conduzido por um "Conselho de Estado" durante uma "transição" de quatro anos, sem a possibilidade de prorrogação. O TSJ no exílio indicaria os cinco membros da junta, os quais devem ser "cidadãos venezuelanos moralmente irrepreensíveis", acima de 65 anos, vivendo fora da Venezuela no momento da nomeação e sem militância em partido político.
A junta escolheria sem participação popular um de seus membros como presidente, portanto chefe de Estado. Nomearia também um primeiro-ministro (Chefe de Governo), um Secretário, um ministro de Relações Exteriores e um ministro do Tesouro.
Segundo o Rumbo Libertad, as decisões do Conselho ocorreriam por maioria simples e seriam de cumprimento obrigatório. A junta poderia inclusive legislar por decreto "porque as medidas que precisam tomar são de emergência", defende Navarro.
O grupo define esse regime como de "exceção constitucional" para "restaurar o Estado de Direito", mas ainda assim o considera de "natureza republicana".
Críticas ao projeto
O plano, entretanto, é alvo de fortes críticas. "É uma loucura que mostra uma desconexão total com o processo político pelo qual a Venezuela está passando. O fundamental é a transição democrática. Isto é: eleições livres e justas. Nenhum governo 'junta' terá o menor apoio internacional", argumenta Colette Capriles Sandner, da Universidade Simón Bolívar.
"Não é a melhor solução. Também implicaria na continuidade de uma situação na qual parte da população sempre verá esse governo como não democraticamente eleito. Faltará a legitimidade de que o próximo governo da Venezuela precisa", concorda Annette Idler, da Universidade de Oxford.
O modelo, explica Navarro, foi baseado no Conselho de Estado de 1819 "que Simón Bolívar formou no meio da guerra da independência venezuelana, ajustado ao contexto em que vivemos".
Enquanto aguarda uma decisão do TSJ no exílio para buscar apoio internacional ao seu projeto, o Rumbo Libertad decidiu reconhecer Guaidó como presidente interino da Venezuela. O movimento alega querer contribuir com "essa oportunidade" para que seja uma saída, ainda "que não ideal".
O TSJ no exílio é uma espécie de Suprema Corte paralela à sua homônima em solo venezuelano. Seus integrantes foram nomeados pela maioria oposicionista da Assembleia Nacional e estão na Colômbia, Chile, EUA e Panamá. Caracas não reconhece a entidade, que para Sandner também não existe como instituição.
"Esses ministros não podem constitucionalmente formar nenhum tribunal por si mesmos. Magistrados têm legitimidade como tal, mas não formam um tribunal nem suas decisões têm validade."
Governo sem oposição ou partidos tradicionais
O projeto do Rumbo Libertad veta a participação de qualquer indivíduo da "classe política tradicional" neste eventual governo, pois o chavismo e a Mesa da Unidade Democrática (MUD) - coalizão de partidos de oposição a Maduro - teriam interesse em proteger "suas redes de corrupção, nepotismo e clientelismo".
Segundo Navarro, políticos convencionais também não teriam um projeto válido a oferecer. "Tudo o que temos de bom de talento e experiência não está dentro desta organização. No chavismo, não há nada porque seu projeto é comunista. A MUD detesta a Escola Austríaca, não quer a redução do Estado e é contra a privatização da PDVSA [empresa petroleira estatal]. Não há boas ideias ali", diz.
Idler concorda com a existência de corrupção e nepotismo nas legendas, mas argumenta que esse cenário tem como ser revertido. "O país precisa de um novo começo. E isso pode acontecer por meio de novos partidos políticos e de uma geração jovem de líderes dispostos a trabalhar pelo país dentro de uma estrutura democrática."
De acordo com Sandner, o "chamado antipolítico" do Rumbo Libertad é "extremamente primitivo e perigoso". "O argumento é ridículo e ignora o processo político venezuelano e a grande luta dos partidos democráticos para recuperar a democracia. Essa linguagem só denota uma ideologia fanática conservadora (nunca liberal, porque o liberalismo supõe a diversidade e os mecanismos democráticos)."
Para ela, "os únicos que pode recuperar a democracia em Venezuela são os partidos democráticos, que não são nada tradicionais, já que a maioria não chega a dez anos de existência".
Navarro, por outro lado, mantém que o plano é "profundamente meritocrático", pois estariam no governo indivíduos capacitados. Essa meritocracia seria, porém, reservada apenas àqueles alinhados ideologicamente ao grupo.
"Uma pessoa pode ser um grande economista e acadêmico, mas se está contra a liberalização da economia e propõe controle cambial e de preços, não é bom para nós. Nosso critério é o da meritocracia em torno da ideia de liberdade. Não nos interessa ser plural agora", alega.
Intervenção militar
O Rumbo Libertad não se opõe a uma operação militar na Venezuela, algo sugerido novamente por Donald Trump, presidente dos EUA, no domingo 3. O movimento também não hesita em sugerir apoio a soldados rebeldes. "Nossos militares patriotas precisam de apoio e acreditamos que, para nos libertarmos da máfia que é o regime, o uso profissional da força deve ser feito enquanto os civis cumprem seu papel na política", afirma Navarro.
E completa: "Há muitos militares que desertaram e se uniram à resistência. Eles estão organizados dentro e fora do país. Há uma força patriota que sabe o que fazer em um momento adequado."
Navarro rejeita, contudo, que uma eventual intervenção ocorra nos "termos que quer colocar a esquerda", com a presença de "tanques entrando pelas fronteiras, aeronaves chegando em porta aviões e soldados".
Quando questionado sobre o apoio da Rússia a Maduro - dois aviões bombardeiros russos com capacidade nuclear estiveram no aeroporto de Maiquetía em dezembro-, ele cita um artigo do Wall Street Journal no qual os autores mencionam o alto custo e a logística complexa como barreiras para Vladimir Putin socorrer Caracas.
China e Rússia, ambos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, apoiam Maduro devido a interesses bem pragmáticos. Pequim emprestou mais de US$ 50 bilhões a Venezuela na última década em troca de barris de petróleo cruciais para o crescimento de sua economia, segundo a Reuters. Moscou também investiu ao menos US$ 17 bilhões no país desde 2006.
Ligações com a família Bolsonaro
Com a participação de Eduardo Bolsonaro, o Rumbo Libertad realizou um documentário sobre os venezuelanos que chegam à região Norte do Brasil, fugindo de condições de vida extremas em seu país de origem. "Quando Jair Bolsonaro esteve em campanha em Roraima, Eduardo e eu aproveitamos para visitar a fronteira e mostramos como era a realidade dos refugiados. Fizemos um documentário que está no canal dele e nosso no YouTube", conta.
A "comunicação muito fluida" com o deputado federal mais votado da história do Brasil se deu por "toda essa luta contra o comunismo e contra o Foro de São Paulo", o que faz com que "os planos para a Venezuela também sejam parte desta discussão".
O exilado espera que a "contundente" posição de Eduardo Bolsonaro sobre a Venezuela tenha força na gestão de seu pai. "Ele não considera a MUD como oposição, porque ela está contribuindo para que Maduro se prolongue no poder. Já têm um diagnóstico claro de quem são os atores e seus comportamentos [na Venezuela]", diz.
Para Navarro, a política externa de Jair Bolsonaro "tem sido um fator determinante no que está acontecendo atualmente na Venezuela" e o presidente "é o nosso melhor aliado na região". "Sem o governo Bolsonaro, a forte mudança no Grupo Lima não teria ocorrido. Os resultados dessa reunião em 17 de janeiro foram importantes para que a oposição tradicional assumisse que era relevante que Guaidó fosse empossado para ser reconhecido", diz.
União conservadora
Navarro participou da 1ª Cúpula Conservadora das Américas, evento realizado em Foz do Iguaçú no início de dezembro como um contraponto ao Foro de São Paulo. Impulsionada por Eduardo Bolsonaro, a reunião teve participação do presidente (via videoconferência), de lideranças conservadoras da região e de personalidades da direita latino-americana.
"A Carta de Foz de Iguaçu é uma bússola clara para as forças políticas de direita na América Latina que defendem a família, nossas nações e Deus. Propomos a institucionalização do liberalismo econômico e uma política de segurança conjunta nos países para proteger nossas sociedades do crime organizado transnacional promovido e protegido pelo Fórum de São Paulo", diz.
"O Foro de São Paulo foi um projeto continental de alcance econômico e cultural que deixou consequências negativas nos povos pan-americanos, como qualidade de vida miserável, o terrorismo islâmico, os valores antifamília e o assistencialismo sem controles. E cada vez mais reduzir as licenças das polícias para enfrentar o crime", completa.
Opositores anti-Maduro
Durante três semanas, a BBC News Brasil tentou contatar integrantes da MUD, assim como antigos líderes da coalizão oposicionista, para comentar a atuação do Rumbo Libertad. Após diversos emails enviados a partidos da MUD, telefonemas e mensagens de WhatsApp a deputados da Assembleia Nacional, não obtivemos respostas para a maioria dos pedidos de entrevista. Um deputado declinou o convite.
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