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Relatório Mueller: O que diz a investigação sobre as ações de Trump na campanha eleitoral

Relatório mostra que inquérito não encontrou provas conclusivas de que Trump tenha praticado conluio ou obstrução, mas cita episódios que devem alimentar tempestade política - Carlos Barria/Reuters
Relatório mostra que inquérito não encontrou provas conclusivas de que Trump tenha praticado conluio ou obstrução, mas cita episódios que devem alimentar tempestade política Imagem: Carlos Barria/Reuters

18/04/2019 16h12

Relatório foi divulgado nesta quinta-feira ao Congresso americano com revelações sobre ações da campanha de Trump, nenhuma das quais consideradas provas suficientes de conluio com a Rússia ou obstrução de justiça; disputa política em torno do tema, porém, está longe de acabar.

O resultado da investigação especial sobre uma possível interferência russa na eleição americana de 2016 - o chamado Relatório Mueller, que há dois anos é tema de debates em Washington - está sendo divulgado em versão com trechos ocultados nesta quinta-feira ao Congresso dos EUA, em meio a uma forte disputa partidária.

De um lado, o texto menciona ações tomadas pela campanha de Donald Trump e pelo próprio presidente - por exemplo, contatos com a Rússia durante a campanha eleitoral e, mais tarde, uma tentativa de demitir Robert Mueller, o procurador especial encarregado das investigações.

Por outro, o relatório aponta não haver provas suficientes para acusações formais de conspiração com a Rússia no pleito de 2016 ou de obstrução de justiça posteriormente a isso.

Uma versão resumida do relatório já havia sido tornada pública em março, quando Mueller concluiu que, embora não fosse possível acusar a campanha de Trump de conspiração, tampouco era possível isentá-lo completamente do crime de obstrução de justiça.

"Embora este relatório não conclua que o presidente cometeu um crime, ele também não o isenta", Mueller escreveu em trecho divulgado em 24 de março.

Nesta quinta-feira, os congressistas americanos receberam uma versão de 448 páginas do relatório, mas que ainda não é a versão completa: estão suprimidas informações de agências de inteligência ou relacionadas a depoimentos concedidos aos chamados grand juris (sessões fechadas em tribunais, para definir o prosseguimento ou não de alguns processos judiciais), por serem confidenciais.

Isso já gerou uma intimação judicial por parte de alguns democratas, que exigem que o relatório seja divulgado integralmente, na tentativa de encontrar pontos que possam embasar possíveis pedidos de impeachment de Trump por obstrução de justiça.

Trump, por sua vez, tuitou uma imagem de si mesmo de costas, com os dizeres (em letras que remetem à série "Game of Thrones"): "Nenhuma obstrução, nenhum conluio. Para os 'haters' e os democratas da esquerda radical, é game over".

Em entrevista coletiva, o presidente afirmou nesta quinta que está tendo "um bom dia" graças à divulgação do relatório. "Nunca houve nem haverá conluio ou obstrução. (...) Isso (acusações) nunca mais deveria acontecer com nenhum presidente."

Também hoje, a entrega do relatório foi precedida de uma entrevista coletiva do procurador-geral (cargo equivalente nos EUA ao de ministro da Justiça do Brasil) William Barr, antecipando os pontos principais do texto de Mueller.

A iniciativa foi duramente criticada, como uma suposta tentativa de "controlar a narrativa do relatório" - ou seja, de definir a percepção do público sobre o conteúdo - antes de ele ser plenamente publicado e de, dessa forma, beneficiar Trump.

Tudo isso a poucas horas antes do feriado da Páscoa, quando menos atenção dos americanos e do Congresso poderá ser dada ao episódio, diminuindo também o tempo de reação dos democratas.

"Barr não está deixando que os fatos falem por si sós, está tentando usurpar a narrativa para beneficiar a Casa Branca", declarou o congressista democrata Jerrold Nadler, líder do Comitê Judiciário da Câmara de Representantes. "Isso é errado e não é o papel correto de um procurador-geral."

O que diz o relatório, segundo Barr

Na entrevista coletiva, Barr - que foi nomeado ao cargo por Trump - afirmou que "sabemos que os agentes russos que perpetraram esses esquemas (de interferência na eleição americana) não tiveram a cooperação do presidente Trump nem de sua campanha".

"O procurador especial não encontrou (evidências de) conluio de nenhum americano. Esse é o resumo", prosseguiu Barr, em uma fala que foi comparada em certos momentos, por jornais como o The New York Times, à de um "advogado de defesa", e não um procurador-geral.

Barr afirmou que foram analisados dez episódios em que Trump poderia ter obstruído a justiça (crime que pode motivar impeachment) durante as investigações de conluio com a Rússia, mas que a conclusão final era de que não havia provas de obstrução em nenhum deles.

Comentando a demissão por Trump do então diretor do FBI, James Comey (que investigava a interferência russa nas eleições), e os comentários feitos pelo presidente para desacreditar Robert Mueller enquanto ele conduzia sua investigação, Barr afirmou que nenhum deles configura tentativa de obstrução, uma vez que "o presidente estava frustrado e irritado por uma crença sincera de que a investigação estava minando sua Presidência".

"A Casa Branca cooperou plenamente com a investigação do procurador especial, provendo acesso livre a documentos de campanha e do governo, dizendo a funcionários seniores que testemunhassem livremente, sem privilégios."

O que está vindo à tona

O relatório está sendo, nesta quinta, lendo tanto por congressistas quanto por jornalistas em Washington. A avaliação de alguns é de que o documento, embora não indique haver provas de conluio, traz uma versão menos enfática do que a apresentada por Barr.

O New York Times destaca que a investigação encontrou "numerosos contatos" entre conselheiros da campanha de Trump e agentes russos ligados ao Kremlin, antes e depois da eleição. Mas Robert Mueller não considerou que esses contatos poderiam ser interpretados, com certeza, como uma conspiração ilegal. Não foram encontradas provas suficientes que permitissem a acusação formal contra nenhum membro da campanha de Trump.

Um caso que foi analisado é o de George Papadopoulos, ex-assessor para assuntos internacionais da campanha de Trump, que já admitiu ter mentido ao FBI. Segundo o relatório, "Papadopoulos sugeriu a um representante de um governo estrangeiro que a campanha de Trump havia recebido indicações do governo russo de que este poderia ajudar a campanha pela divulgação anônima de informações que prejudicassem Hillary Clinton (rival de Trump no pleito de 2016)".

Um detalhe curioso que consta do relatório é de que Trump, ao ser informado (em 17 de maio de 2017) que haveria uma investigação especial sobre a relação de sua campanha com a Rússia, teria afirmado para o então procurador-geral, Jeff Sessions: "Ai, meu Deus! Isso é terrível. É o fim da minha Presidência. Estou f**dido".

O relatório diz também que Trump tentou minar as investigações e demitir Mueller. O relatório conclui que, por conta da posição hierárquica do presidente, ele tinha a autoridade para agir, incluindo a de demitir o chefe do FBI, James Comey, sem concluir que isso tenha se tratado de obstrução de justiça.

O que acontece agora

A divulgação do relatório deve gerar novas tempestades políticas em Washington.

Do lado democrata, a exigência agora é para ter acesso ao Relatório Mueller completo, sem a supressão das informações confidenciais, argumentando que não é possível confiar em Barr para decidir, de modo independente, o que pode ou não ser divulgado ao público.

"O método lamentavelmente partidário com que o procurador-geral William Barr lidou com o Relatório Mueller, incluindo seu tendencioso resumo de 24 de março, seu testemunho irresponsável perante o Congresso e seu plano indefensável de distorcer o relatório em uma entrevista coletiva - horas antes de o Congresso e o público terem a chance de ver o texto - resultaram em uma crise de confiança em sua independência e imparcialidade", escreveram em comunicado a presidente da Câmara de Deputados, Nancy Pelosi, e o senador democrata Chuck Schumer.

Além disso, existe um pedido para que o próprio Mueller testemunhe perante o Congresso, sob a justificativa de que o procurador especial deve ter a chance de detalhar suas descobertas feitas ao longo de dois anos de investigação. O congressista Jerrold Nadler deu um prazo para que Mueller apresente-se no Capitólio até 23 de maio.

Embora a expectativa democrata seja de buscar pontos que embasem pedidos de impeachment, acadêmicos ouvidos pela BBC dizem que, por enquanto, o debate ainda está mais no nível político do que judicial, já que se aproximam as eleições de 2020.

"É algo mais político do que legal, já que sabemos que Mueller não encontrou evidência clara de conluio (por parte de Trump)", analisa Jonathan Parker, especialista em política americana na universidade britânica Keele.

"Críticos de Trump vão buscar especificamente por (provas de) obstrução e encontrar muito material lá. Já apoiadores de Trump vão analisar o capítulo sobre conluio e dizer 'isso é o que deu início a tudo (à investigação) e não foi encontrado nada, esta narrativa toda é falsa'", opina Jonathan Turley, professor de Direito da Universidade George Washington.

De olho nas eleições, alguns democratas estão menos preocupados com a possibilidade de impeachment de Trump, e mais com o que afeta a vida dos eleitores.

"As pessoas estão preocupadas com o que acontece em sua cozinha, como vão fazer para pagar as contas", afirmou Nancy Pelosi em sua recente viagem à Europa. "Então, eu não estou entre esses que focam no impeachment e em relatórios; deixemos que as fichas caiam onde tiverem de cair quando tivermos os fatos e as provas."