Crise na Venezuela: as 5 vezes em que a oposição anunciou 'ofensiva final' contra Maduro, mas fracassou
Nos últimos anos, a oposição venezuelana tem indicado repetidamente que está prestes a derrubar o governo. Mas, até agora, não conseguiu.
Desde que Nicolás Maduro assumiu a Presidência da Venezuela em 2013, os líderes da oposição se revezam convocando grandes manifestações semelhantes à liderada nesta semana por Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional, que anunciou uma "ofensiva final" contra o chavismo.
A onda de protestos levou a confrontos violentos e prolongados com as forças de segurança que já resultaram em centenas de mortes, mas sem atingir seu principal objetivo: que o atual presidente venezuelano deixe o Palácio de Miraflores, sede do governo.
As razões pelas quais a oposição não conseguiu derrubar o governo são várias e estão relacionadas com erros e virtudes de ambas as partes, segundo analistas.
A seguir, a BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, relembra as maiores manifestações do tipo ocorridas na Venezuela nos últimos cinco anos.
1. O panelaço
Em 14 de abril de 2013, Nicolás Maduro derrotou Henrique Capriles, então candidato da coalizão oposicionista Mesa da Unidade Democrática (MUD), nas eleições presidenciais.
A diferença percentual de votos entre os candidatos foi mínima: 50,61% para Maduro, contra 49,12% para Capriles.
Um dia depois, o líder do MUD anunciou que exigiria a recontagem dos votos e convocou a população a realizar um "panelaço" de protesto para deslegitimar a vitória de Maduro.
"Que seja ouvido em todo o mundo", disse Capriles diante de milhares de pessoas, em sua maioria estudantes, que foram às ruas.
Em resposta, Maduro convocou seus partidários a fazer um "foguetaço" para celebrar com fogos de artifício o novo triunfo eleitoral da Revolução Bolivariana.
Dias depois, quando os protestos perderam intensidade, Capriles optou por apresentar um pedido de impugnação do resultado da eleição na Justiça venezuelana e em organizações internacionais.
Após o "panelaço" contra Maduro, a liderança de Capriles começou a enfraquecer, abrindo espaço para a consolidação de Leopoldo López, ex-prefeito de Chacao, reduto antichavista, considerado mais radical.
2. 'A saída'
Com López como um de seus principais líderes, o MUD fez um apelo no início de 2014 para uma nova ofensiva contra o chavismo.
Os protestos foram chamados de "a saída", em referência ao fato de que a solução para os problemas que a Venezuela atravessava estaria nas manifestações.
"A saída está nas ruas", afirmou López em janeiro de 2014, quando os protestos eclodiram em diferentes partes do país.
Em fevereiro daquele ano, as manifestações se multiplicaram depois que um tribunal venezuelano emitiu um mandado de prisão contra López, acusado de incitar violência, conspiração e outros crimes.
Após vários dias, em meio a fortes trocas de acusação com Maduro, López reapareceu acompanhado de uma multidão e se entregou aos membros da Guarda Nacional Bolivariana.
"Se a minha prisão serve para despertar o povo, para despertar a Venezuela, então terá valido a pena este encarceramento infame imposto com covardia", declarou com um megafone.
Diferentes tipos de protestos foram registrados a partir desse momento, até quase o meio de 2014, incluindo bloqueios de estradas, manifestações universitárias, marchas e greves de diferentes setores.
O chavismo reagiu convocando grandes manifestações de apoio de seus partidários.
Como resultado desses confrontos, 43 pessoas morreram entre fevereiro e junho de 2014. Quase 500 ficaram feridas e cerca de 2.000 foram detidas.
López foi considerado culpado das acusações e foi detido em uma prisão militar.
Em julho de 2017, ele recebeu o benefício da prisão domiciliar, sendo vigiado por agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin), condição que perdurou até 30 de abril deste ano, quando deixou sua residência ao amanhecer para entrar na embaixada espanhola.
3. A 'tomada da Venezuela'
No fim de 2015, a oposição conseguiu sua maior vitória desde o início da Revolução Bolivariana em 1999, ao ganhar por uma ampla margem as eleições parlamentares e, assim, assumir o controle da Assembleia Nacional - com 112 dos 167 assentos.
No entanto, o Supremo Tribunal de Justiça declarou a entidade legislativa "em desacato", e desde então o governo de Maduro não reconhece os poderes da Assembleia.
Diante deste cenário, a oposição iniciou um grande abaixo-assinado para solicitar a realização de um referendo para revogar o mandato de Maduro.
Em outubro de 2016, quando o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) descartou a possibilidade de levar adiante o plebiscito, foi organizada uma nova ofensiva nas ruas.
O protesto foi chamado de "tomada da Venezuela" e conseguiu mobilizar milhares de pessoas em Caracas.
Segundo o então correspondente da BBC Mundo na Venezuela, Daniel García Marco, as manifestações no fim de 2016 exigiam que o CNE restabelecesse a possibilidade de retomar o referendo.
Os líderes da oposição da época, sendo Henrique Capriles o grande protagonista, falavam de uma "ruptura do Estado de direito" por decisão do órgão eleitoral.
"Ou restauram a ordem constitucional e cessam o golpe de Estado na Venezuela, restituindo os direitos fundamentais, ou em 3 de novembro todo o povo venezuelano virá para Caracas, e vamos para (o Palácio de) Miraflores", afirmou Capriles.
No fim das contas, a manifestação foi suspensa.
4. As 'guarimbas' de 2017
Com o cancelamento do referendo para revogação do mandato de Maduro, a oposição venezuelana organizou algumas manifestações não muito expressivas nos primeiros meses de 2017.
Mas a chama voltou a acender no fim de março após duas decisões controversas do Supremo Tribunal de Justiça em que a entidade judicial assumiu as funções da Assembleia Nacional e retirou a imunidade dos parlamentares.
Embora estas decisões tenham sido revogadas alguns dias depois, os grupos opositores saíram novamente em massa às ruas multiplicando as chamadas "guarimbas" (barricadas de resistência) em várias cidades.
Durante semanas, foram registrados violentos confrontos entre os manifestantes e as forças de segurança, que deixaram 127 mortos e mais de 3 mil feridos.
"Marchas, bloqueios de estradas e atos de repúdio ao governo foram realizados no país quase diariamente", escreveu o jornalista da BBC Daniel García Marco à época.
Graças à ativação do Plano de Zamora, estratégia militar implementada pelo governo de Maduro para manter a ordem interna, as forças de segurança do país receberam o apoio de milícias civis chavistas, conhecidas como "coletivos" e classificadas como organizações "paramilitares" pela oposição.
Os protestos se estenderam por quase 60 dias e foram perdendo força ao longo das semanas.
Em meio a tudo isso, o governo deu mais uma cartada: instalou uma Assembleia Nacional Constituinte com poder plenipotenciário, integrada somente por representantes chavistas.
5. Operação Liberdade/Fase final
O último episódio da jornada da oposição para derrubar Maduro começou em 23 de janeiro deste ano, quando o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, se autoproclamou "presidente interino" da Venezuela.
Desde então, ele se tornou o rosto da oposição e chegou a ser reconhecido como chefe de Estado por cerca de 50 países, incluindo o Brasil.
Em 23 de fevereiro, após Maduro anunciar o fechamento das fronteiras com o Brasil e com a Colômbia para impedir a entrada de caminhões com ajuda humanitária internacional, Guaidó realizou seu primeiro grande ato contra o governo.
Ele tentou romper o bloqueio com a esperança de que os militares ficariam ao seu lado e poderia continuar assim a desafiar o governo a partir da fronteira, e não de Caracas.
No fim das contas, nenhum caminhão conseguiu cruzar a fronteira e tampouco houve um racha nas Forças Armadas, como esperava a oposição. Estima-se, no entanto, que mil soldados tenham deixado o país em busca de refúgio na Colômbia.
Dois meses depois deste episódio, teve início o que Guaidó chamou de "fase final" da Operação Liberdade.
Em 29 de abril, ele convocou novamente civis e militares para se juntarem a uma grande manifestação com o intuito de tirar Maduro do poder.
Por que as ofensivas não tiveram sucesso?
Ainda não sabemos qual será o desfecho desta "fase final" promovida por Guaidó, mas analistas avaliam que os quatro levantes anteriores não tiveram sucesso por diferentes motivos.
As razões vão desde os próprios erros das lideranças da oposição até a maneira dura com a qual o governo venezuelano impõe ordem nas ruas.
O analista político Amauri Chamorro diz à BBC News Mundo que não se pode ignorar que o chavismo tem experiência adquirida após sobreviver "à tentativa de golpe de Estado de 2002, à greve da indústria petrolífera e à violência das guarimbas".
"A direita não tem apoio das Forças Armadas venezuelanas como a imprensa internacional quer acreditar. O mesmo vale para o apoio popular", diz Chamorro, assessor do ex-presidente equatoriano Rafael Correa.
Segundo ele, Guaidó está cometendo os mesmos erros do passado ao deixar nos últimos dias seu "apelo à família" e voltar à "violência máxima", protagonizada pela oposição nos anos anteriores.
"Ele perdeu muitos dos setores em que inicialmente se pensava que ele poderia avançar com uma agenda de oposição", avalia.
A analista política Sandra Borda indica, por sua vez, que um dos fatores indispensáveis ??para entender o que aconteceu durante todos esses anos é a violência que o governo bolivariano é capaz de empregar.
"Já mostrou que não tem nem sequer a intenção de manter as aparências neste aspecto", afirmou a especialista à BBC News Mundo, após os confrontos na fronteira com a Colômbia e a Venezuela em fevereiro.
Ao logo desses anos, políticos contrários ao chavismo denunciaram intensas perseguições políticas, prisões arbitrárias, tortura e censura à imprensa, entre outras acusações.
Entre os fatores que podem ser atribuídos à oposição, Borda destaca que em nenhum momento ela conseguiu rachar ou abalar a lealdade da maior parte das Forças Armadas durante todo esse tempo.
Apesar dos inúmeros apelos de Guaidó e de outros líderes da oposição, o que parece ser um dos pontos essenciais para o triunfo da Operação Liberdade não foi alcançado até agora: que os militares mudem de lado.
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