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A surpreendente estratégia de premiê da Austrália que conseguiu 'milagre' da reeleição

Hywel Griffith e Jay Savage - Da BBC News em Sidney (Austrália)

20/05/2019 05h15

Há 9 meses no cargo e atrás nas pesquisas, conservador Scott Morrison derrotou rival apostando, entre outros fatores, pela mudança no tom e pelo reforço à imagem de 'paizão'.

Há 9 meses no cargo, o primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison contrariou as expectativas e conseguiu se reeleger neste sábado.

"Sempre acreditei em milagres", disse ele, comemorando o resultado.

O bom desempenho da coalizão de governo chefiada por Morrison no pleito contradisse as pesquisas de opinião, que não lhe davam a vitória, e a percepção, na política australiana, de que turbulências no comando do país não combinam com sucesso nas urnas.

Morrison era ministro da Fazenda de seu antecessor, Malcolm Turnbull, que deixou o cargo em agosto de 2018 após sofrer intensa oposição da ala à direita do Partido Liberal, do qual ambos fazem parte.

Desde então, o político apostou em uma estratégia disciplinada, centrada sobre sua própria figura, tentando evocar a imagem do líder confiável que achava que a Austrália queria.

Essa e outras três estratégias garantiram a vitória apertada contra o rival Bill Shorten, do Partido Trabalhista, que surpreendeu as pesquisas de intenção de voto e até as de boca de urna.

1. Reposicionamento da marca 'ScoMo'

Antes de entrar para a política, Scott Morrison foi diretor geral do órgão de turismo australiano, o Tourism Australia. Lá, em 2006, ele aprovou a polêmica campanha de promoção do país com o slogan "So where the bloody hell are you?" (algo como "Então onde diabos você está?"), que chegou a ser banida no Reino Unido e posteriormente veiculada em outra versão.

Ele também causou controvérsia como ministro da Imigração, em 2013 e 2014, quando lançou a "Operação Fronteiras Soberanas" para impedir a chegada de refugiados por mar à Austrália, sob o argumento de que a medida prevenia afogamentos.

Como primeiro-ministro, entretanto, decidiu mudar o tom.

Conservador e bastante religioso, Morrison se vendeu aos eleitores como um homem comum, um pai de família em quem o país poderia confiar.

Abraçou o apelido "ScoMo" e passou a usar um boné em praticamente toda aparição pública, abastecendo a internet de um farto manancial de memes.

Começou a soltar frases de efeito, entre elas "A fair go for those who have a go" (algo como "dar uma chance a quem tem algo a oferecer"), repetida desde o início da campanha, ou o uso da expressão "o quão bom é..." ao apresentar alguém. Depois da vitória no último sábado (19/5), o mantra da vez era "Quão maravilhosa é a Austrália!".

Seu esforço para parecer autêntico chegou em alguns momentos ao limite da informalidade, como no vídeo compartilhado nas redes sociais em que, sentado sobre a escrivaninha com uma das pernas aberta, ele fala sobre como está trabalhando para ir além do que chamou de "bolha de Canberra", a burocracia estatal na capital australiana.

https://twitter.com/scottmorrisonmp/status/1052775871491100672

Mesmo que ridicularizada por muitos, a estratégia provavelmente ressoou entre muitos eleitores, avalia Andrew Hughes, especialista em marketing político da Universidade Nacional da Austrália.

"Ele conseguiu de forma bem-sucedida atrair a atenção das classes mais marginalizadas com uma imagem de 'paizão'."

2. Neutralização do fator 'caos'

Quando Turnbull foi deposto, em agosto de 2018, o apoio popular à coalizão liderada pelo Partido Liberal despencou.

As perdas foram sendo recuperadas nos meses seguintes, com um aumento gradual da aprovação de Morrison como primeiro-ministro.

Essa percepção se tornou central para sua estratégia, que desviou atenção das divisões internas do governo provocadas por questões como as mudanças climáticas e a política energética do país, que tem na queima de carvão uma das principais fontes de geração de energia.

Enquanto o rival, Bill Shorten, concentrou o discurso de campanha em sua equipe, o primeiro-ministro pintou as eleições como uma escolha quase binária entre ele e o líder do Partido Trabalhista, Bill Shorten.

O premiê também intensificou os ataques. Um episódio ilustrativo nesse sentido aconteceu em um dos últimos debates, quando os candidatos puderam fazer duas perguntas um ao outro. Shorten usou suas duas perguntas para vender as propostas do Partido Trabalhista, enquanto Morrison criticou as mesmas.

A vitória veio apesar da falta de propostas mais concretas, afirma a professora Anne Tiernan, da Griffith University. "O espectro da agenda foi limitado pelo conjunto de fatores que o levou ao cargo de primeiro-ministro (no ano passado)", ela afirma, referindo-se às disputas internas do partido.

3. Economia como tema central

Morrison colocou a economia - tradicionalmente vista como ponto forte de seu partido - como tema central da campanha. Prometeu dias melhores e argumentou que o Partido Trabalhista representaria um retrocesso nessa área.

Shorten, por sua vez, apostou no discurso contra as mudanças climáticas e promovendo uma agenda extensa de reformas que não foi, entretanto, capaz de mobilizar o eleitorado, especialmente em Queensland, Estado com grande número de eleitores conservadores com uma gama bastante diversa de preocupações.

Morrison conquistou número importante de assentos em Queensland fazendo uma campanha focada na promessa de geração de empregos. Ele registrou vitórias expressivas em colégios eleitorais perto da área em que se planeja a construção de uma minha de carvão da empresa indiana Adani.

O debate sobre a mina em Carmichael tem dividido a Austrália. O projeto vem sendo criticado por ambientalistas, mas parte da comunidade local o aprova por causa da perspectiva de abertura de novas vagas. O governo apoia a iniciativa, enquanto o Partido Trabalhista não demonstrou uma posição definida.

O Estado foi determinante para a vitória do premiê, que o exaltou em seu discurso de agradecimento: "O quão maravilhoso é Queensland?"

O que acontece agora?

Tendo conquistado o improvável, Morrison volta ao assento de primeiro-ministro com muito mais poder.

Ele tem à frente, entretanto, o desafio decisivo de definir a identidade de seu partido em um momento em que moderados e conservadores estão em conflito aberto.

No curto prazo, espera-se que ele reconvoque o Parlamento para discutir o corte de impostos prometido durante a campanha. A agenda de longo prazo ainda está em construção.

O governo deve continuar sob escrutínio em diversos temas, incluindo os esforços para combater as mudanças climáticas, a questão do reconhecimento dos aborígenes australianos e a presença feminina no Parlamento.