Como seria um eventual conflito entre os EUA e Irã?
Repórter da BBC, Jonathan Marcus analisa as possíveis estratégias caso os dois países entre em conflito após o Irã derrubar um drone americanos nessa semana.
Um avião de reconhecimento não tripulado dos Estados Unidos foi derrubado por mísseis iranianos nessa semana. Em seguida, o presidente americano, Donald Trump, confirmou que ordenou - e depois abortou - um ataque de retaliação ao país do Oriente Médio, mudando de ideia 10 minutos antes do bombardeio. A sequência de eventos forneceu um vislumbre sobre a possibilidade de um conflito entre os dois países.
Mas e se Trump não tivesse mudado de ideia, o que poderia ter acontecido? É provável que os primeiros ataques americanos teriam alcance limitado, visando mísseis ou radares iranianos, associados ou similares aos que abateram o drone norte-americano.
O ataque teria sido acompanhado por uma clara advertência diplomática ao Irã (como parece ter sido entregue na noite de quinta-feira) de que se trataria de uma ação limitada, servindo apenas como retaliação à perda da aeronave americana.
Trump também teria oferecido uma espécie de trégua. De acordo com relatos, os Estados Unidos de fato enviaram uma mensagem para Teerã - que foi transmitida através de Omã: nela havia um pedido de negociações.
Mas e se, mesmo assim, os ataques fossem adiante? O que aconteceria então? O próximo passo provavelmente seria dado pelo Irã. De fato, o país teria respondido à mensagem do EUA na noite de quinta-feira, segundo relatos.
O país não estava interessado em negociações e deu um aviso: "Qualquer ataque contra o Irã terá consequências regionais e internacionais", disse um funcionário não identificado à agência de notícias Reuters.
Então, para onde poderia ir esse conflito e como seria?
Há muitas variáveis a serem consideradas e é mais fácil dizer o que não aconteceria. A administração Trump pode ser um inimigo implacável do regime iraniano, mas dificilmente iria promover uma invasão terrestre do Irã em larga escala para derrubar o regime. O país não é o Iraque de Saddam Hussein. O Irã é um desafio totalmente mais complexo, tanto militar quanto politicamente.
Qualquer ataque iraniano a navios ou aeronaves dos EUA quase certamente seria rebatido por um contra-ataque dos americanos. As instalações navais iranianas, as bases aéreas, e assim por diante, seriam atingidas por bombardeios lançados de aviões e de navios.
O foco, em parte, seria o Corpo da Guarda Revolucionária, cujo braço naval parece ter desempenhado um papel importante nos eventos recentes.
É claro que os Estados Unidos podem realizar ataques contra a infra-estrutura militar do Irã. Mas o Irã também tem meios de se defender. Ele pode usar uma variedade de arsenais, atingindo pequenos barcos ou submarinos para interromper as operações nas águas do Golfo de Omã. Petroleiros poderiam ser atacados, forçando os americanos a tomarem medidas para protegê-los também.
Os EUA claramente têm uma vantagem extraordinária na coleta de informações e na análise da situação. Mas como a queda do drone muito sofisticado e extremamente caro ilustra, também há vulnerabilidades significativas no país.
O Irã acredita que danificar ou afundar alguns navios de guerra americanos a ponto de tornar o preço desse conflito tão alto que Trump poderia desistir de pagá-lo.
Qualquer guerra seria caracterizada por esse aspecto "assimétrico". Este termo sugere uma guerra dos fracos contra os fortes - dois lados com objetivos muito diferentes e métricas muito diferentes para o sucesso. Se uma guerra começar, os Estados Unidos vão tentar atacar as forças armadas do Irã, inicialmente derrubando as defesas aéreas iranianas e assim por diante.
Mas o Irã também pode causar danos suficientes a ponto de transformar a opinião pública dos EUA em contrária ao conflito.
Sob pressão, o Irã também poderia tentar espalhar o conflito de forma mais ampla, exortando aliados no Iraque, na Síria ou em outros lugares a atacar alvos americanos.
De forma mais extrema, poderia até tentar convencer o Hezbollah (em conjunto com suas próprias forças na Síria) a lançar ataques com foguetes contra Israel. O objetivo seria demonstrar a Trump que uma campanha bélica e punitiva de curta duração, na verdade, poderia incendiar toda a região.
Mas por que qualquer país se permitiria entrar em uma guerra como essa? Afinal, os conflitos modernos não são "vencidos" em nenhum sentido convencional. Os americanos deveriam ter aprendido muito bem essa lição no Afeganistão e no Iraque.
E o Irã pensa que poderia "vencer" os Estados Unidos em algum sentido significativo? A realidade é que em algum lugar entre os ataques, por um lado, e um conflito em grande escala por outro, ambos os países talvez acreditem em ganhos estratégicos caso haja umn conflito
Os Estados Unidos querem conter o Irã. E danificar seriamente suas capacidades militares - especialmente as do Corpo dos Guardas da Revolução Islâmica - serviria a esse propósito. Um sério ataque a Teerã poderia, em última análise, impactar a política interna do país, embora uma guerra pudesse ter o resultado de consolidar o apoio ao atual regime iraniano, liderado por Hassan Rohani.
O Irã também pode estar perseguindo sua própria versão de alto risco de uma política de "mudança de regime". O país pode ver a atual administração de Trump como agressiva, mas igualmente indecisa e sem apoio de seus principais aliados ocidentais.
Ao atrair os americanos para um conflito dispendioso e aberto, a liderança iraniana pode acreditar ser capaz de suportar a guerra, ao mesmo tempo em que prejudicam as chances do presidente Trump na próxima corrida presidencial, em 2020.
Uma leitura iraniana do cenário político dos EUA pode fazer com que os democratas, no poder, tenham maior probabilidade de retornar a algum tipo de acordo nuclear e, portanto, estariam mais dispostos a relaxar as sanções econômicas impostas ao país.
O problema para Teerã é que o tempo não está do seu lado. A pressão econômica das sanções prejudica muito o país. O Irã tem relativamente poucas cartas para jogar além das ameaças. Assim, pode-se ver a escalada como um caminho para sair desta crise. Por outro lado, o presidente Trump diz "não ter pressa", como sugerem seus tuítes.
O americano parecia pronto para atacar o Irã após a queda do drone, mas, em seguida, teve um momento de reflexão e desistiu da medida. Muitos esperam que essa reflexão do presidente prevaleça nos próximos dias.
Uma guerra com o Irã seria de fato cara e imprevisível. Não resolveria o problema do programa nuclear do Irã nem a crescente proeminência do Irã na região. Esse foi o resultado indireto da última grande guerra de Washington no Oriente Médio - a destruição do regime de Saddam Hussein no Iraque. Conflitos, deve ser lembrado, têm consequências não intencionais.
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