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Polêmicas turbinam público de Bolsonaro nas redes, mas 'sentimento negativo' sobre presidente aumenta

Bolsonaro durante desfile do 7 de Setembro em Brasília - Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo
Bolsonaro durante desfile do 7 de Setembro em Brasília Imagem: Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo

André Shalders

da BBC News Brasil em Brasília

09/09/2019 16h45

Foram dias conturbados no Palácio do Planalto. Na segunda metade de julho deste ano, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) engatou uma série de declarações polêmicas. Atacou governadores do Nordeste ("paraíbas"), dados sobre a fome e a jornalista Miriam Leitão, entre outros. Mas o que afinal o presidente ganhou com isso?

Nas redes sociais, ao menos, as declarações polêmicas aumentaram o alcance de Bolsonaro e sua repercussão - mais curtidas, mais retuítes e mais seguidores no Facebook, segundo levantamento preparado pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas (DAPP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a pedido da BBC News Brasil.

Mas isso não significa que a reação tenha sido sempre positiva. Dados do mesmo levantamento do DAPP-FGV, assim como uma análise da startup Arquimedes, mostram que algumas das "polêmicas" tiveram resultado negativo para o governo no Twitter.

"Quando Bolsonaro posta coisas polêmicas, ligadas à pauta de costumes ou que têm um conteúdo de confrontação, ele colhe de volta uma resposta expressiva de seus apoiadores", diz o doutor em sociologia e diretor do DAPP-FGV, Marco Ruediger.

"Ele reforça a própria base de apoiadores com esse tipo de fala. Não o interessa deixar crescer algum oponente no campo da direita, então é um movimento para fidelizar o público dele."

O período entre os dias 19 e 29 de julho é um bom exemplo do efeito que as falas polêmicas do presidente têm sobre as suas redes sociais.

A sequência começa com a fala captada acidentalmente sobre "governadores de Paraíba" (19 de julho); inclui a assertiva de que "falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira"(19); e segue com o questionamento dos dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe, também em 19 de julho).

Inclui ainda os ataques aos jornalistas Miriam Leitão, da TV Globo (20 de julho), e Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil (27 de julho); e termina com a fala sobre as circunstâncias da morte do pai do atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz (29 de julho).

Neste período de dez dias, Bolsonaro ganhou 26.029 novos seguidores em sua página oficial no Facebook. Parece pouco se comparado aos atuais 9,8 milhões de pessoas que acompanham o presidente por lá, mas não é: o número representa um incremento de 29,3% em relação aos seguidores amealhados nos dez dias anteriores (20.119).

Embora as declarações não tenham sido feitas apenas em redes sociais - incluem falas a jornalistas - os efeitos foram sentidos na internet.

Mais polêmicas e vida pessoal

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Imagem: Evaristo Sá/AFP

As postagens de Bolsonaro também fazem mais sucesso quando ele aborda temas polêmicos ou assuntos ligados à vida pessoal - e menos quando promove iniciativas do governo.

No período analisado pelo DAPP-FGV, uma das postagens mais bem-sucedidas de Bolsonaro no Facebook era uma foto do atirador de elite do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio - o profissional tinha acabado de atingir um homem que sequestrou um ônibus na ponte Rio-Niterói. A foto gerou 532 mil reações.

"Parabéns aos policiais do Rio de Janeiro pela ação bem sucedida que pôs fim ao sequestro do ônibus na ponte Rio-Niterói nesta manhã. Criminoso neutralizado e nenhum refém ferido. Hoje não chora a família de um inocente", escreveu o presidente ao lado da imagem do policial com o fuzil erguido.

A imagem puxou para cima o engajamento (isto é, a quantidade de "likes", comentários e compartilhamentos) de Bolsonaro nas redes no dia 20 de agosto - e a data acabou sendo a terceira melhor para Bolsonaro no período analisado (de 15 de maio a 20 de agosto de 2019).

Para efeito de comparação, o pior dia de Bolsonaro no Facebook, no período da análise, foi em 28 de maio (com apenas 1,27% de engajamento, ante 11,42% do dia 20 de agosto).

Naquele dia de maio, Bolsonaro publicou três vezes no Facebook. Tiveram baixa repercussão um trecho de entrevista à rede Record sobre economia (35 mil reações) e um vídeo da TV Brasil sobre iniciativa do Ministério da Justiça e Segurança Pública (25 mil).

A postagem que mais engajou as pessoas naquele dia foi o vídeo de um encontro do presidente com o humorista Carlos Alberto de Nóbrega (149 mil reações).

O DAPP-FGV também compilou os números de "likes" e compartilhamentos de Bolsonaro no Twitter, desde maio de 2018 até o fim de julho deste ano.

O desempenho de Bolsonaro no Facebook cresceu de forma vertiginosa ao longo da eleição presidencial - o auge foi no dia 8 de outubro, dia seguinte ao 1º turno de votação.

Naquele dia, as postagens de Bolsonaro no twitter receberam nada menos que 900.338 "likes" e 246.185 retuítes. Após o pico nas eleições, o desempenho de Bolsonaro no Twitter caiu fortemente em janeiro de 2019.

Ao longo do ano, cresceu de forma constante, e no fim de julho já alcançava a metade do engajamento da época da eleição.

Reação nem sempre é positiva

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Imagem: Marcos Corrêa/PR

As postagens polêmicas podem até aumentar o alcance de Bolsonaro, mas não necessariamente têm impacto positivo sobre a imagem dele nas redes sociais: o número de pessoas falando sobre o presidente e seguindo suas publicações aumenta, mas a maioria emite uma opinião negativa sobre ele.

Resultados parecidos surgem no levantamento do DAPP-FGV e em análises da startup Arquimedes, consultada pela reportagem.

Para descobrir como as redes sociais estão reagindo, os pesquisadores usam uma técnica chamada "análise de sentimento" - resumidamente, consiste em usar um conjunto de regras estatísticas para avaliar a reação dos usuários a uma postagem ou figura pública, por exemplo.

"Nem sempre essa repercussão toda (nas redes sociais) tem um resultado positivo para ele. De um mês para cá (ao longo de agosto), o sentimento positivo tem caído. Mesmo que o número de interações tenha aumentado, o número de pessoas falando bem do presidente diminuiu", diz Ruediger.

Como presidente da República, diz o sociólogo, Bolsonaro aglutina também seguidores e interações com pessoas que não são exatamente apoiadores: pessoas que fazem oposição ao governo podem sentir que é importante seguir o presidente no Twitter, por exemplo.

A Arquimedes é uma startup de análise de dados baseada em São Paulo. Para avaliar como os internautas estão se sentindo em relação ao governo, a empresa desenvolveu uma ferramenta chamada Índice de Sentimento Arquimedes (ISA).

Embora seja impactado também pelas falas polêmicas de Bolsonaro, o ISA avalia a opinião das pessoas sobre o governo como um todo. Por isso, também é afetado por medidas concretas do presidente, como a decisão de indicar o filho Eduardo Bolsonaro para a Embaixada do Brasil nos EUA.

Segundo analistas da Arquimedes, a sequência de "caneladas" de Bolsonaro, no fim de julho, acabou tendo efeito negativo sobre a opinião dos internautas a respeito do presidente no Twitter.

"O período foi de queda (da avaliação do governo), até ele encontrar uma polêmica que funcionou para ele, que foi a discussão sobre o pai do presidente da OAB. (Os seguidores de Bolsonaro) levantaram a questão de Felipe Santa Cruz ter sido filiado ao PT; de ter uma imagem de 'sindicalista'. Então, isso despertou o sentimento anti-PT na base dele", diz um analista Arquimedes.

A variação diária do Índice de Sentimento Arquimedes pode ser acompanhada aqui.

Segundo este analista, os apoiadores de Bolsonaro na internet se dividem entre uma parte mais ideológica, identificada com o escritor Olavo de Carvalho, e grupos mais pragmáticos, que defendem a pauta anticorrupção representada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, ou o liberalismo de Paulo Guedes, ministro da Economia.

Ele observa que os "pragmáticos" costumam não intervir no debate para defender o presidente quando a polêmica entra demais no terreno dos costumes - e por isso o resultado líquido para o governo Bolsonaro é negativo.

'Bolsonaro está falando para um nicho'

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Imagem: Walterson Rosa 10.dez.18/Folhapress

Deysi Cioccari é cientista política e estuda a trajetória midiática de Bolsonaro desde antes da campanha eleitoral de 2018. Segundo ela, as pesquisas de opinião mais recentes mostram que o presidente está dialogando apenas com seu eleitorado mais fiel - algo como 23% dos brasileiros, que apoiaram o atual presidente da República desde o começo da corrida eleitoral de 2018.

Na segunda-feira (02/09), pesquisa do instituto Datafolha mostrou um aumento da rejeição de Bolsonaro. O número de pessoas que consideram o governo "ruim" e "péssimo" subiu de 33% na última pesquisa do instituto, realizada no começo de julho, para 38% no último levantamento.

"Bolsonaro está governando para uma parcela muito específica da população, que são aqueles 22% ou 23% que já endossavam ele quando era apenas pré-candidato. A popularidade vem caindo, se aproximando desses 23% do começo da campanha eleitoral. É a primeira vez que a gente vê um presidente (em início de mandato) com uma reprovação tão alta", diz Deysi.

"O que ele faturou com as polêmicas? Ele ganhou mais exposição midiática, algo que ele já faz desde 2014, quando começou a se projetar nacionalmente. Ele solta frases de impacto, por que é um espetáculo de si mesmo", diz ela.

"Em tempos de internet, é a voz mais alta e a opinião mais chocante que prendem a nossa atenção. E o Bolsonaro faz isso muito bem. Como não tem um embasamento técnico (em áreas como a economia), prende a atenção por meio do espetáculo", avalia Cioccari, que é professora da Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo.

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O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.