O que está por trás do sucesso econômico da Bolívia de Evo Morales?
A economia da Bolívia deve registrar neste ano o maior crescimento da América do Sul. A última projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgada em outubro, sinaliza um avanço de 4% do Produto Interno Bruto (PIB).
Não é exatamente uma situação nova. Na última década, o país vem crescendo em média a 5% ao ano. O ciclo, que já foi chamado de "milagre econômico boliviano", começou em 2006, quando Evo Morales chegou ao poder.
Uma das primeiras e principais medidas do presidente, que tenta se reeleger neste domingo para um quarto mandato, foi a nacionalização do petróleo e do gás natural.
Parte das empresas privadas foi transferida para as mãos do Estado. As multinacionais tiveram que renegociar os contratos com a estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos para continuarem operando no país e passaram a pagar mais para explorar jazidas.
Mais de uma década depois, entretanto, o cenário que se desenhava no início do governo do primeiro líder indígena a ascender ao poder no país é outro.
Multinacionais, empresas privadas e estatais convivem na Bolívia em um modelo de crescimento ancorado na exploração dos recursos do setor de óleo e gás - que, para alguns, vem dando sinais de esgotamento.
Bolsa Família à boliviana
A onda do boom de commodities que sustentou o crescimento de parte da América Latina até a crise financeira de 2008 também passou pelo país e patrocinou uma melhoria sem precedentes nas condições de vida de milhões de bolivianos.
No caso da Bolívia, o período de bonança da economia se manteve mesmo depois da queda nos preços das commodities e o fim do boom - que se deu por volta de 2014 e, não por acaso, coincide com a desaceleração da economia brasileira.
Isso se deve em parte à política fiscal expansionista do governo boliviano, que segue financiando as políticas de transferência de renda e os programas que reduziram a miséria no país quase pela metade. O percentual da população abaixo da linha de pobreza na Bolívia caiu de 63% para 35% entre 2005 e 2018, de acordo com o Banco Mundial.
Entre os principais programas que existem hoje na Bolívia estão o Bono Juancito Pinto, com foco nos estudantes, o Renta Dignidad, voltado para idosos, e o Bono Juana Azurduy, pago a mulheres grávidas ou com filhos pequenos.
O Bono Juancito Pinto foi um dos primeiros a serem implementados, em outubro de 2006. Com o objetivo de incentivar a matrícula e permanência das crianças na escola, ele paga um benefício de 200 bolivianos (cerca de R$ 120) por ano a estudantes de escolas públicas que tenham mais de 80% de presença nas aulas.
O Renta Dignidad, vigente desde 2007, paga um complemento de renda aos cidadãos com mais de 60 anos - 250 bolivianos (R$ 148) àqueles que já recebem aposentadoria e 300 bolivianos (R$ 178) àqueles que não recebem o benefício - porque, por exemplo, trabalharam como informais e não conseguiram contribuir durante a vida produtiva.
É financiado a partir da arrecadação de um imposto cobrado sobre os recursos de óleo e gás, o Impuesto Directo a los Hidrocarburos, e de dividendos de empresas públicas.
O Bono Juana Azurduy, por sua vez, é bancado com recursos do Tesouro e pago a mulheres grávidas ou com filhos de até 2 anos em situação de vulnerabilidade social. Está condicionado ao cumprimento do calendário de vacinação e de consultas médicas. O programa foi lançado em abril de 2009, meses depois de uma missão boliviana visitar o Brasil para conhecer a experiência do Bolsa Família.
'Economia plural'
Apesar de começar com uma política de nacionalizações, tipicamente identificada com governos de esquerda mais radicais, o modelo de crescimento boliviano não excluiu as empresas privadas. Pelo contrário.
Além das multinacionais de óleo e gás, o país também teve a um aumento da presença de marcas internacionais em setores que vão de alimentação a moda e entretenimento, interessadas no incremento de renda no mercado doméstico resultado, em boa parte, das políticas de transferência de renda.
O modelo foi batizado de "economia plural", com a participação tanto setores tradicionais quanto aqueles antes alijados, como as pequenas e médias empresas e os grupos indígenas.
É uma espécie de modelo misto, com forte presença do Estado de um lado, tanto no controle dos recursos naturais quanto nas políticas de transferência de renda para os mais pobres, e um ambiente bem mais amistoso do que se poderia imaginar à atuação de grandes empresas, muitas multinacionais.
Políticos de oposição como o empresário Samuel Medina dizem que, na prática, o presidente "governa com capitalismo para os amigos e com socialismo para os inimigos".
O adversário diz que o presidente favorece setores como o agronegócio e os produtores de coca, por exemplo, que são mais próximos a ele, enquanto empresários de outros ramos têm dificuldade para fazer negócios no país por conta de entraves burocráticos e de insegurança jurídica.
Medina disputou e perdeu a disputa presidencial em 2014, vencida por Morales Evo com folga no primeiro turno.
Eleições
Às vésperas das eleições, Evo está à frente nas pesquisas de intenção de voto, mas a distância em relação ao oponente, Carlos Mesa, diminuiu nas últimas semanas.
Polêmicas envolvendo as investidas do atual presidente para tentar se manter no poder reduziram sua popularidade entre setores que formam uma base de apoio importante, como a classe média.
O pano de fundo para a situação política atual do presidente remonta a 2009, quando o país promulgou uma nova Constituição, aprovada em um referendo popular, que permitia a ele se reeleger duas vezes - o que aconteceu em 2010 e 2014.
Em 2016, seus correligionários tentaram mudar a Constituição para permitir que concorresse a um quarto mandato em 2019 - o projeto não previa limites para a reeleição de um presidente.
A proposta foi rejeitada pela maioria dos eleitores por uma margem estreita, configurando a primeira grande derrota eleitoral de Morales em uma década.
Ainda assim, o presidente recorreu à Suprema Corte e, posteriormente, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que deram sinal verde para sua quarta candidatura, sob forte protesto da oposição e de vários setores da sociedade boliviana.
Mas essa não é a única polêmica que engrossou o caldo da corrida eleitoral neste ano. Opositores acusam Morales de fazer vista grossa para a corrupção e criticam sua política ambiental.
O último tema foi bastante discutido em meados deste ano, no auge das queimadas na Amazônia: em julho, o governo boliviano ampliou as áreas em que agricultores podem fazer queimadas controladas de 5 para 20 hectares.
Morales foi criticado por líderes indígenas e ambientalistas, que acusaram sua administração de aprovar leis para anistiar desmatadores e promover a expansão da fronteira agrícola.
O presidente disse na época que o controle das queimadas era importante, mas argumentou: "De que vão viver as pequenas famílias, os pequenos produtores sem o 'chaqueo'"?
Aumento do déficit público
Em 13 anos de governo, Morales conseguiu manter o nível de crescimento da Bolívia e controlar a inflação, que vem desacelerando e ficou perto de 2% em 2018.
O desempenho de alguns indicadores, entretanto, acenderam sinal de alerta. Um deles são as contas públicas, que estão no vermelho desde 2014 e vêm se deteriorando. Em 2018, o déficit chegou a 8,3% do PIB - para efeito de comparação, no Brasil, o déficit foi de 1,7% do PIB no mesmo período.
Os recursos vindos da exploração de commodities como o gás natural, que responde por 32% dos embarques, têm diminuído, com a recuada dos preços e a desaleração de parceiros importantes como Brasil e Argentina. Os dois países compram cerca de um terço de tudo o que a Bolívia vende ao exterior.
O governo tem tentado diversificar a economia com a exploração de recursos como estanho e o cultivo de soja, além de ensaiar a exploração das jazidas de lítio na região do Salar do Uyuni. Mas não tem sido suficiente para reverter a tendência.
Como tem mantido seu nível de gastos, o endividamento também vem crescendo. Passou de 36,8% do PIB em 2008 para 53,8% em 2018, nível ainda inferior ao de vizinhos como o Brasil, que chegou a 80% do PIB neste ano.
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