Os bombeiros particulares que protegem casas de ricos e famosos dos incêndios na Califórnia
Com incêndios que a cada ano se tornam mais frequentes e devastadores, um fenômeno vem se tornando comum na Califórnia: o uso de bombeiros privados contratados por moradores ricos para proteger suas casas.
Esses serviços já haviam gerado manchetes e provocado polêmica no ano passado, depois que a empresária Kim Kardashian e o rapper Kanye West relataram contar com uma equipe privada para proteger sua mansão nos arredores de Los Angeles, avaliada em mais de US$ 50 milhões.
Neste ano, com diversos focos de incêndio que já levaram à destruição de imóveis e evacuação de mais de 180 mil moradores, entre eles celebridades como o ator Arnold Schwarzenegger e o jogador de basquete LeBron James, o assunto voltou a ganhar atenção.
Essas equipes privadas costumam ser contratadas por seguradoras, que incluem o serviço para alguns clientes em áreas de risco, dependendo do valor da propriedade - geralmente, para ter direito à cobertura, a casa deve ser avaliada em no mínimo US$ 1 milhão (cerca de R$ 4 milhões).
Mas à medida que mais casas são construídas em áreas vulneráveis a incêndios, determinadas seguradoras têm negado cobertura a propriedades localizadas em zonas de alto risco, e alguns proprietários passaram a contratar o serviço diretamente.
"O número de clientes particulares vem crescendo nos últimos dois anos", diz à BBC News Brasil o proprietário da empresa Firebreak Protection Systems, Kris Brandini.
Segundo Brandini, inicialmente sua empresa, que atua há 14 anos no setor, trabalhava exclusivamente com seguradoras. Mas com o recente aumento da procura por parte de proprietários particulares, ele planeja expandir os serviços oferecidos a esses clientes.
Histórico e custos
O uso de bombeiros privados é comum desde pelo menos os anos 1980, quando cortes no orçamento de agências responsáveis pelos parques e florestas nos Estados Unidos levaram o governo a terceirizar parte do combate a incêndios florestais.
Mas ao contrário das equipes daquela época, que eram contratadas pelo governo para substituir funcionários públicos no combate a incêndios e proteger qualquer um nas áreas de risco, os bombeiros privados de agora atendem somente aos clientes que pagam por seu serviço, seja por meio de uma seguradora ou de forma independente.
A proteção de bombeiros privados começou a ser oferecida por seguradoras há pouco mais de uma década, tanto na Califórnia quanto em outros Estados americanos que costumam enfrentar incêndios florestais.
Inicialmente, o serviço era oferecido somente a alguns clientes exclusivos, mas com o aumento da frequência e da magnitude dos incêndios, tornou-se mais comum.
"Proprietários e seguradoras começaram a perceber que as casas haviam sido construídas em áreas muito vulneráveis a incêndios florestais, que surgiam com maior frequência", diz à BBC News Brasil o professor de análise ambiental e história Char Miller, do Pomona College, na Califórnia.
Como muitas dessas residências são avaliadas em vários milhões de dólares, é mais vantajoso para as seguradoras pagar pela proteção complementar de bombeiros privados do que ter de reconstruir a casa e cobrir objetos de valor perdidos em caso de incêndio.
Para quem não recebe o benefício como parte do seguro, e contrata essas equipes individualmente, o custo pode chegar a milhares de dólares por dia, dependendo das características da propriedade e de quantos bombeiros e caminhões são requisitados.
Avaliação de riscos e prevenção
A Firebreak Protection Systems é uma entre várias empresas que prestam esse tipo de serviço. O trabalho começa com medidas de prevenção. Os bombeiros privados não esperam o fogo chegar à propriedade. Antes disso, eles visitam as residências localizadas próximas a focos de incêndio e fazem uma avaliação dos riscos.
Nessa etapa inicial, as medidas preventivas podem incluir instalação de equipamentos de proteção, como sprinklers adicionais, poda de árvores que possam representar riscos, remoção de objetos inflamáveis das imediações e aplicação de retardadores de chamas.
A propriedade passa então a ser monitorada por uma equipe para observar o avanço dos focos de incêndio. Caso o fogo chegue ao local, os bombeiros particulares podem combater as chamas, já que contam com seus próprios caminhões de água.
Brandini e outros especialistas que atuam no setor rejeitam a ideia de que o serviço seja direcionado somente aos mais ricos.
"As seguradoras nos fornecem uma lista de propriedades. Essa lista não traz o valor da casa, tudo o que temos é um nome e um endereço", afirma Brandini.
Ele ressalta que sua empresa atua tanto em mansões quanto em casas mais modestas e que a prioridade dada a cada residência é definida pela sua proximidade aos focos de incêndio e o risco de destruição, e não pelo valor.
Críticas
As empresas privadas representam uma proteção extra para seus clientes, que contam não somente com o corpo de bombeiros local mas também com a proteção dessas equipes especiais.
Mas elas às vezes são criticadas por nem sempre se comunicarem de maneira eficaz com os departamentos de bombeiros locais. Uma das críticas comuns é a de que, em alguns casos, essas equipes entram em zonas de evacuação onde não deveriam e acabam atrapalhando o trabalho do corpo de bombeiros.
Críticos também dizem que não se sabe o nível de treinamento e capacitação dos bombeiros privados e de manutenção de seus equipamentos, já que eles não são fiscalizados pelo Departamento Florestal e de Proteção de Incêndios da California (chamado de Cal Fire).
Brandini admite que, no início, sua empresa e outras enfrentavam alguma resistência por parte do corpo de bombeiros, mas afirma que agora o trabalho dessas equipes é encarado como um recurso extra no combate aos incêndios.
Ele diz que o relacionamento melhorou depois da implementação de protocolos para governar essa relação. Brandini observa que as equipes devem informar sua localização ao corpo de bombeiros, os nomes dos especialistas e o endereço em que vão atuar. Também precisam ficar atentas às comunicações por rádio.
"Acho que (os departamentos de bombeiros) perceberam que as equipes privadas podem ser úteis, desde que não interfiram no trabalho deles", diz Brandini.
"Quando estamos monitorando uma casa, eles não precisam se preocupar com aquela, podem seguir para a próxima."
Lista de clientes
Mas enquanto os departamentos de bombeiros trabalham para proteger todas as propriedades na zona de risco, as empresas privadas só têm permissão para atuar nas residências incluídas na lista de clientes.
"Eu sei que faz sentido para quem tem dinheiro gastar para proteger sua propriedade. Mas também acho que isso levanta questões de justiça social. Enquanto eles têm o dinheiro e a capacidade de proteger suas casas, isso significa que outras pessoas com menos dinheiro recebem menos proteção", observa Miller.
"E isso me incomoda. Esta já é uma sociedade com enormes desigualdades", salienta o professor.
A Califórnia é um dos Estados americanos com mais alto custo de vida e maior desigualdade de renda. Nos últimos anos, milhares de moradores perderam suas residências e pertences em incêndios. Até hoje, muitos não conseguiram reconstruir suas casas.
A onda de incêndios mais recente já devastado uma área de mais de 400 km² (quase um terço do tamanho da cidade de São Paulo).
Segundo Miller, a situação na Califórnia é agravada pelo fato de pelo menos 5 milhões de pessoas viverem em zonas consideradas de alto risco para incêndios florestais, que antigamente não contavam com casas construídas.
O avanço de construções nessas áreas significa que os departamentos de bombeiros, muitas vezes já enfrentando problemas de orçamento e falta de pessoal, nem sempre conseguem proteger toda a região afetada.
Além disso, Miller destaca o impacto das mudanças climáticas no aumento da magnitude e da frequência dos incêndios, que nos últimos anos provocaram mortes e perdas avaliadas em bilhões de dólares.
Diante desse cenário, muitos moradores que têm condições estão buscando a proteção extra representada pelos bombeiros privados.
"Os bombeiros privados estão aqui para ficar, e esse mercado só vai crescer", afirma Brandini.
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