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O acidente de avião na Antártida que mudou profundamente a história da Nova Zelândia

O voo TE901 colidiu com o Monte Erebus - Getty Images
O voo TE901 colidiu com o Monte Erebus Imagem: Getty Images

Andreas Illmer - BBC News

02/12/2019 14h47

A colisão de um avião com turistas contra o Monte Erebus matou 257 pessoas e teve um legado profundo e duradouro sobre o país.

Em 28 de novembro de 1979, um avião de turismo com 257 pessoas a bordo colidiu de frente com um vulcão na Antártida. Quarenta anos depois, o acidente ainda é considerado a pior tragédia da Nova Zelândia em tempos de paz.

O desastre com o voo TE901 no Monte Erebus chocou o país, afetando quase todos seus cidadãos de alguma forma, e levou a anos de investigações - além de um "jogo de empurra" sobre as causas do incidente.

Dois anos antes, a Air New Zealand tinha começado a operar voos panorâmicos sobre a Antártida, com grande sucesso. Os voos ofereciam luxo de primeira classe e uma vista deslumbrante sobre o gelo sem fim na extremidade do mundo. Mas, naquele dia de 1979, as coisas dariam muito errado.

Por volta do meio-dia, o piloto Jim Collins deu duas voltas grandes através das nuvens para reduzir a altitude do avião para cerca de 610 metros e oferecer a seus passageiros uma vista melhor.

Mas, em vez de gelo e neve à distância, havia uma montanha bem à frente. Pouco antes das 13h, os alarmes de proximidade do avião dispararam. Sem tempo para desviar, seis segundos depois, o avião bateu diretamente no Monte Erebus.

A bordo, as pessoas estavam ocupadas tirando fotografias ou filmando na cabine e pelas janelas. Muitas dessas fotos foram encontradas mais tarde nos destroços. Algumas delas foram feitas segundos antes do acidente.

Depois de horas de espera e confusão, a primeira hipótese foi de que o avião teria ficado sem combustível. Onde quer que estivesse, não estava mais no ar.

Operações de busca foram acionadas e logo confirmaram os piores temores: havia destroços na Ilha Ross, nas encostas mais baixas do Monte Erebus, e ficou claro que não havia sobreviventes. O acidente matou 237 passageiros e 20 tripulantes.

Destroços do avião ainda estão na montanha - Phil Reid/Antarctica New Zealand - Phil Reid/Antarctica New Zealand
Destroços do avião ainda estão na montanha
Imagem: Phil Reid/Antarctica New Zealand

"Esse acidente não aconteceria com um avião moderno", disse à BBC o capitão Andrew Ridling, chefe da Associação de Pilotos de Linhas Aéreas da Nova Zelândia. Em parte, isso se deve às lições aprendidas com acidentes como o do TE901.

"O equipamento atual é extremamente bom. Você tem um sistema de navegação por satélite, portanto, estar em uma rota de voo errada assim não seria possível."

As causas do acidente

As investigações apontaram duas causas principais para o acidente. Os pilotos foram instruídos com uma trajetória de voo diferente da que foi colocada no computador do avião.

A equipe achou que sua rota era a mesma dos voos anteriores, sobre gelo e água, quando na verdade estava sobrevoando a Ilha Ross - e se aproximando do vulcão com 3.794 metros de altitude.

A segunda causa foi um fenômeno climático conhecido como "apagão" - e foi isso que provavelmente selou o destino do avião.

O apagão fez com que a luz entre a neve branca ou o gelo embaixo e as nuvens acima criasse uma ilusão de clara visibilidade. O piloto confiou na trajetória de voo automática, imaginando que o branco que via pela janela era simplesmente gelo e neve abaixo, e não uma montanha.

A população da Nova Zelândia era então de apenas cerca de 3 milhões de pessoas - hoje, são 4,7 milhões. Como as pessoas disseram na época, quase todo mundo estava de alguma forma conectado ao desastre no Monte Erebus, fosse por conhecer uma vítima ou um membro das muitas operações heróicas de resgate, ou por ter tomado partido na longa batalha legal que se seguiu.

Foi uma tragédia que deixou o país em choque. "Isso ocorreu em um momento em que uma nação relativamente jovem estava em um período crucial em busca de uma nova identidade", explica Rowan Light, historiador da Universidade Canterbury, na Nova Zelândia.

"Nas décadas de 1960 e 1970, a velha narrativa de ser um posto avançado do Império Britânico havia se fragmentado ou simplesmente não fazia mais sentido."

Os avanços tecnológicos foram uma parte importante dessa busca por um novo caminho. E voar para a Antártida, cerca de 4,5 mil km ao sul, encaixava-se perfeitamente nessa história.

No entanto, uma série de desastres terríveis abalou profundamente essa visão da Nova Zelândia sobre si mesma. Um acidente de trem em Tangiwai, em 1953, deixou 151 pessoas mortas, e o desastre da balsa de Wahine, em 1968, matou 51 pessoas. O acidente no Monte Erebus foi o terceiro e mais mortífero da lista.

"Então, foi um momento realmente interessante com a ocorrência esses desastres, porque eles realmente criaram questionamentos dessa nova narrativa de progresso e controle tecnológico", explica Light.

A batalha jurídica após o desastre no Monte Erebus representou um segundo golpe depois do acidente. Os neozelandeses ficaram chocados com o fracasso em identificar adequadamente o que havia acontecido e com as acusações que foram feitas.

A primeira investigação apontou essencialmente que a culpa havia sido dos pilotos. Eles voaram bem abaixo da altitude mínima de segurança estabelecida pela companhia aérea, e parecia fácil dizer que cumprir esse requisito teria evitado o acidente.

Embora a investigação também tenha descoberto a incompatibilidade nas rotas de voo, ainda assim concluiu que uma altitude maior teria impedido a batida.

'Uma ladainha de mentiras orquestradas'

Colocar a culpa exclusivamente nos pilotos, no entanto, causou controvérsia e, assim, uma segunda investigação foi iniciada, desta vez pela Comissão Real de Inquéritos, a mais alta instância de inquéritos públicos da Nova Zelândia. Os resultados não poderiam ter sido mais díspares: desta vez, a culpa recaiu diretamente sobre a Air New Zealand.

Sim, o avião estava bem abaixo da altitude segura, mas a investigação descobriu que os voos antárticos voavam rotineiramente em níveis extremamente baixos para oferecer uma vista melhor para seus clientes. Até um material promocional da rota cênica se gabava da paisagem, usando fotografias claramente tiradas abaixo da altitude segura.

A Comissão Real não apenas apontou a culpa da companhia aérea devido aos erros na trajetória de voo, mas também alegou que a Air New Zealand havia tentado essencialmente encobrir sua própria responsabilidade com uma conspiração para culpar os pilotos, buscando ser isentada moralmente - e também se beneficiando em termos de pagamentos de indenização aos parentes das vítimas.

O chefe da investigação, o juiz Peter Mahon, descreveu a defesa da companhia aérea como "uma ladainha de mentiras orquestradas" - uma frase que permaneceria gravada na consciência nacional.

'Uma sensação de traição'

A companhia aérea levou o caso a um tribunal de apelações e venceu, contra a acusação de que teria intencionalmente ocultado as causas do acidente. Mais uma vez, a tragédia de Erebus ficava em um limbo, e esse jogo ofuscou a dor das famílias.

Diversas homenagens às vítimas foram realizadas desde o acidente - Getty Images - Getty Images
Diversas homenagens às vítimas foram realizadas desde o acidente
Imagem: Getty Images

O acidente com o TE901 também foi um duro golpe para a reputação da Air New Zealand. A companhia aérea era motivo de orgulho para o país. Mas, ao longo dos anos, formou-se um consenso esmagador de que a empresa, e não apenas a tripulação, era responsável pelos erros que levaram à tragédia.

A companhia nunca mais realizou vôos antárticos, embora uma companhia aérea privada ainda faça essa rota de turismo a partir da Austrália.

Na época, o acidente e suas consequências foram vistos "quase como uma traição pelas pessoas", explica Light.

Em 2009, a Air New Zealand emitiu um primeiro pedido de desculpas, embora apenas por seu comportamento após o ocorrido, não pelo próprio acidente.

Mas, no aniversário do acidente neste ano, a companhia aérea finalmente emitiu o pedido de desculpas completo que tantas pessoas esperavam.

"Peço desculpas em nome de uma companhia aérea que há 40 anos falhou em seu dever de cuidar de seus passageiros e funcionários", disse a presidente da companhia, Therese Walsh.

"Embora palavras não tragam de volta quem perdemos no Monte Erebus, gostaria de manifestar arrependimento em nome da Air New Zealand pelo acidente que matou 257 passageiros e tripulantes."

A primeira-ministra, Jacinda Ardern, também aproveitou o dia para formalizar o primeiro pedido de desculpas em nome do governo da Nova Zelândia.

Perda de inocência da Nova Zelândia?

Quarenta anos depois, o acidente continua sendo crucial para a história recente da Nova Zelândia. Para a geração do pós-guerra, foi a maior tragédia que eles testemunharam no país, e há uma sensação persistente de que pode ter sido onde uma nação jovem perdeu sua inocência, senso de direção, estabilidade e confiança.

Apesar disso, ainda não há um memorial nacional para as vítimas. Uma cruz foi colocada perto do local do acidente, e houve vários eventos realizados pelos parentes das vítimas, mas o debate sobre como deveria ser um possível monumento gerou frustrações.

No início deste ano, a Nova Zelândia aprovou um plano para erguer uma estrutura em Auckland, que a primeira-ministra disse "refletir a enormidade da tragédia e proporcionar um forte senso de conexão e perda".

Enquanto o país se lembra do acidente, a milhares de quilômetros de distância, as ruínas da aeronave ainda estão nas encostas do Monte Erebus. Parcialmente cobertos de neve, os destroços são uma homenagem silenciosa ao voo que terminou em tragédia.