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Por que a morte de Qassim Suleimani pelos EUA é uma boa notícia para o Estado Islâmico

O chefe da milícia iraquiana Abu Mahdi-al-Muhandis morreu no mesmo ataque dos EUA que matou Qasem Soleimani - AFP
O chefe da milícia iraquiana Abu Mahdi-al-Muhandis morreu no mesmo ataque dos EUA que matou Qasem Soleimani Imagem: AFP

Jeremy Bowen - Editor de Oriente Médio, Bagdá

10/01/2020 09h54

Assassinato de general iraniano provocou suspensão de operações de coalizão que combatia grupo jihadista e muda foco de milícias xiitas, que estavam entre principais inimigos do EI no Iraque.

A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de assassinar o general Qassim Suleimani, chefe da Força Quds do Irã, desencadeou uma série de consequências.

Uma das primeiras está ligada à guerra inacabada contra jihadistas - extremistas em "guerra santa" contra o Ocidente.

Quase imediatamente, a coalizão liderada pelos EUA que luta contra o grupo Estado Islâmico suspendeu as operações no Iraque. Os EUA e seus aliados anunciaram que seu principal trabalho agora é se defender.

Do ponto de vista militar, provavelmente eles não tinham outra escolha.

O Irã e as milícias que o apoiam aqui no Iraque juraram vingança pelos assassinatos causados pelo míssil disparado por um drone americano contra o veículo de Suleimani, quando este deixava o aeroporto de Bagdá.

Isso coloca as forças americanas no Iraque, além das forças dos aliados ocidentais que trabalham ao lado dos EUA, diretamente na linha de tiro.

Isso é muito bom para o Estado Islâmico e vai acelerar sua recuperação dos golpes que levou quando seu "califado" foi destruído.

O fato de o Parlamento iraquiano ter aprovado uma moção exigindo a retirada das tropas americanas de todo o país também foi uma boa notícia para os extremistas.

O Estado Islâmico tem sido muito resiliente ao longo de muitos anos. Ele se regenerou das ruínas de um grupo anterior, a Al Qaeda, no Iraque.

Uma grande operação militar em 2016 e 2017 foi necessária para acabar com o controle do Estado Islâmico sobre um território que se estendia pelo Iraque e pela Síria.

Muitos combatentes jihadistas acabaram mortos ou na prisão. Mas isso não acabou com a organização. Ela ainda está ativa em seus antigos locais no Iraque e na Síria, montando emboscadas, extorquindo fundos e acabando com mais vidas.

O Estado iraquiano possui unidades militares e policiais de elite, treinadas principalmente pelos americanos e aliados europeus que se juntaram à luta contra o Estado Islâmico.

Desde o assassinato de Suleimani, os EUA suspenderam o treinamento e as operações, assim como a Dinamarca e a Alemanha.

Os alemães estão levando seus treinadores militares que estavam no Iraque para a Jordânia e o Kuwait.

As forças iraquianas assumem a maioria dos riscos em relação às operações contra o Estado Islâmico. Mas, além do treinamento, eles contam com a ajuda logística vital das forças americanas, que agora estarão confinados em suas bases.

Os militantes do Estado Islâmico têm ainda mais a comemorar. Quando Donald Trump decidiu matar Suleimani, eles assistiram a um espetáculo em que um de seus inimigos, o presidente dos EUA, assassina outro.

Em 2014, os jihadistas foram para a ofensiva, capturando grandes áreas do Iraque, incluindo a cidade de Mosul.

O principal clérigo xiita no Iraque, o aiatolá Ali al-Sistani, chamou às armas para combater os extremistas sunitas.

Jovens xiitas se voluntariaram aos milhares - e Suleimani e sua Força Quds tiveram um papel de peso na transformação desses jovens em unidades armadas. Essas milícias eram inimigos cruéis e muitas vezes brutais do Estado Islâmico.

Agora, os grupos apoiados pelo Irã foram absorvidos pelas forças armadas iraquianas sob uma organização abrangente chamada Mobilização Popular. Os líderes de milícias mais importantes tornaram-se poderosos líderes políticos.

Nos anos seguintes a 2014, os EUA e as milícias enfrentaram o mesmo inimigo. Mas as milícias xiitas agora parecem voltar às suas raízes, que estão na luta contra a ocupação liderada pelos EUA após a invasão de 2003.

Eles mataram muitos soldados americanos - ajudados pelo treinamento e melhores armas fornecidas por Suleimani -, o que foi uma das razões que levaram Trump a ordenar o ataque na semana passada.

Desde que Trump retirou-se unilateralmente do acordo nuclear do Irã em 2018, a relação entre americanos e iranianos estava ficando cada vez mais tensa.

Antes de Suleimani ser morto, as milícias xiitas já tinham voltado a atacar americanos.

Um ataque no final de dezembro a uma base no norte do Iraque - em que um funcionário americano foi morto - foi respondido com ataques aéreos que mataram pelo menos 25 combatentes de um grupo chamado Kataib Hezbollah.

O líder do grupo, Abu Mahdi al-Muhandis, se encontrou com Soleimani no aeroporto de Bagdá e estava com o general iraniano no mesmo carro alvejado pelo drone na sexta-feira (03) passada.

A história revela que os extremistas jihadistas têm mais sucesso quando podem tirar proveito da instabilidade, caos e inimigos divididos e enfraquecidos.

Isso já aconteceu antes e há uma forte chance de que isso aconteça novamente.