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7 erros de cálculo de Trump na morte de Suleimani que podem impactar os EUA

Brendan Smialowski/AFP
Imagem: Brendan Smialowski/AFP

Marcelo Freire

Colaboração para o UOL, em São Paulo

08/01/2020 04h00

Resumo da notícia

  • EUA podem sofrer impactos a partir do ataque que matou liderança iraniana
  • Circunstâncias de momento podem ter levado Trump a liberar ação
  • Mas ataque pode ter reflexos para os norte-americanos a longo prazo

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode ter cometido erros estratégicos no ataque contra o Irã, de acordo com fontes consultadas pelo UOL. Da justificativa para a ação a um possível aumento da influência de Rússia e China no Oriente Médio, Trump pode ter calculado mal ações que devem causar impacto negativo para os norte-americanos.

Na semana passada, um ataque dos Estados Unidos matou o general Qassim Suleimani, um dos homens mais poderosos do Irã.

Para Vinícius Vieira, professor de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getulio Vargas) e da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado), Trump pode ter tomado essa decisão motivado pelas circunstâncias momentâneas —o recente protesto violento diante da Embaixada norte-americana em Bagdá— e também para tentar demonstrar força e prestígio num contexto de declínio da influência global norte-americana.

Confira sete possíveis erros de cálculo cometidos por Trump na crise com o Irã:

1- Justificativa frágil para o ataque

Trump, como outros presidentes dos EUA que o antecederam, não se preocupou em comunicar à ONU (Organização das Nações Unidos) e ao Conselho de Segurança sobre o ataque a um alvo considerado inimigo —o que, em tese, não seria obrigatório, por não envolver a invasão ou bombardeio a forças de segurança de outro país.

O presidente enviou uma justificativa ao Congresso norte-americano dentro do prazo de 48 horas após o ataque, cumprindo o protocolo interno de seu país. Mas isso não o livrou de críticas e questionamentos, internos e externos. Para justificar a morte de Suleimani, Trump afirmou que o assassinato ocorreu por caráter preventivo, alegando que o general iraniano planejava ataques contra os norte-americanos.

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O argumento ainda não ganhou consistência —alguns críticos pedem, por exemplo, que os EUA comprovem que havia uma ameaça iminente representada na figura do general. "E lembrando que a simples eliminação de um chefe militar não impediria, por si só, um eventual ataque do Irã aos americanos", avalia Vinícius Vieira.

Sem uma base legal forte para justificar o assassinato, Trump pode ter colaborado para um ambiente de instabilidade no Oriente Médio, escalando o conflito. "Se o Iraque tivesse autorizado a morte de Suleimani, seria outra história. Mas, nesse caso, há esse debate sobre se o ataque foi de fato um ato de guerra, o que joga o caso em um vazio jurídico", diz o professor da FGV.

Segundo ele, há evidências de que a ação não foi coordenada entre as autoridades de política externa e segurança nacional americana, o que dificulta ainda mais esse trabalho de construção de uma narrativa que justifique a morte de Suleimani. "Há muitas informações desencontradas", diz Vieira.

2- O tamanho da retaliação iraniana

Trump certamente calculou os riscos ao autorizar o ataque, mas não se sabe se ele incluiu, por exemplo, avaliar o tamanho da retaliação iraniana. O país persa não possui um poderio bélico capaz de ameaçar os EUA, mas há indícios de que os iranianos têm conhecimento profundo sobre ciberataques, podendo atingir importantes organizações, instituições bancárias e empresas americanas.

"Pode ser uma excelente opção para os iranianos porque causa prejuízos na economia caso atinja uma grande empresa, por exemplo. E seria uma forma de impor uma humilhação grande aos EUA se tivesse como alvo uma figura importante do governo, como o vice-presidente", avalia Vieira.

Além disso, volta à mesa a sombra da ameaça nuclear —o Irã avisou, após a morte de Suleimani, que não cumprirá o acordo assinado em 2015. "Se o Irã conseguir fazer uma bomba nuclear, com a retomada de seu programa, possivelmente teríamos uma grande guerra no Oriente Médio, o que hoje não é do interesse de ninguém", diz o especialista.

3- O risco a aliados americanos

As ameaças do Irã impactam os Estados Unidos, mas podem preocupar ainda mais grandes aliados americanos —como Israel, o maior alvo em potencial dos iranianos.

"Trump não se coordenou com os aliados sobre o ataque. Ele poderia ter avisado e se prontificado a arcar com as consequências, mas foi uma decisão que ele tomou sozinho. Israel já é vulnerável ao Irã e pode sofrer consequências, assim como o Reino Unido, que teve um cargueiro preso por dois meses no Irã. É uma série de problemas que podem respingar nos aliados, que não foram devidamente consultados", afirma Vieira.

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4- Aumento da influência de Rússia e China na região

O assassinato de Suleimani representa o maior ataque dos EUA ao Irã em tempos recentes, piorando ainda mais a relação dos norte-americanos com os persas. E, dentro do contexto de queda da influência dos EUA no Oriente Médio, Rússia e China, já simpáticas ao Irã, ganham ainda mais espaço.

"Trump pode ter pensado em um 'tudo ou nada', imaginando que Rússia e China ficariam quietas diante do ataque e mostrariam que não são tão fortes assim. Mas isso não é verdade e pode ter sido um cálculo errado porque, a longo prazo, jogaria o Irã ainda mais no colo da Rússia e da China. Não teria sido melhor os EUA se aproximarem de um Irã possivelmente mais moderado, não nuclear, como se desenhava na época do acordo?", questiona o Vieira.

5- Aumento da influência do Irã no Iraque

Já o Iraque, palco da morte de Suleimani, sempre serviu como uma base importante para os Estados Unidos desde a invasão que derrubou Saddam Hussein, mas há uma tendência de afastamento que seria consolidada com a possível saída das tropas americanas —já solicitada pelo Parlamento iraquiano ao governo local.

Assim como o Irã, o Iraque é de maioria xiita, e uma eventual aproximação dos dois países reduziria ainda mais a influência americana na região, como já foi apontado no tópico anterior.

6- O risco para a popularidade de Trump

Alguns especialistas analisam que a morte de Suleimani seria uma estratégia para alavancar a popularidade de Trump. Neste ano em que ele concorrerá à reeleição debaixo da sombra de um processo de impeachment comandado pelos democratas na Câmara dos Deputados.

A tática, no entanto, pode não ser muito eficiente. Vinícius Vieira diz que, por um lado, o ataque não deve mudar muito os votos dos eleitores no cenário altamente polarizado dos Estados Unidos de hoje. E pode até mesmo prejudicar Trump, que sempre defendeu a retirada das tropas norte-americanas no Oriente Médio e agora poderia se ver numa contradição se enviasse forças militares para atuar em um novo conflito na região.

Ele ressalta, no entanto, que Trump poderia usar a morte de Suleimani para alavancar sua popularidade caso a Defesa norte-americana conseguisse, por exemplo, impedir um ataque do Irã a uma base do país.

7- O discurso de ataque a locais da cultura iraniana

"Se o Irã atacar qualquer americano ou qualquer patrimônio americano, teremos como alvo 52 locais, alguns de grande importância para a cultura iraniana", ameaçou Trump no último sábado (4), gerando uma onda de críticas para a possibilidade de que o país dizimasse alguns dos inúmeros patrimônios culturais do Irã, considerado "berço" das antigas civilizações.

Uma eventual destruição de um patrimônio histórico quebraria acordos internacionais assinados pelos EUA e constituiria em crime de guerra. Após a ameaça de Trump, autoridades como os secretários de Estado, Mike Pompeo, e da Defesa, Mark Asner, afirmaram que qualquer ofensiva norte-americana respeitaria as leis dos conflitos armados, mostrando um recuo em relação à retórica do presidente.

A frase de Trump, no entanto, gerou uma campanha em defesa dos patrimônios culturais iranianos e fez crescer o clima de antipatia de parte da comunidade internacional com os Estados Unidos.

Fontes consultada: Council on Foreign Relations.

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