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Construção de hospitais, corridas às compras e quarentena: como a Argentina está enfrentando o coronavírus

Governo argentino espalhou cartazes pelas ruas pedindo que a população fique em casa para se proteger do vírus - Marcia Carmo/BBC
Governo argentino espalhou cartazes pelas ruas pedindo que a população fique em casa para se proteger do vírus Imagem: Marcia Carmo/BBC

Marcia Carmo

De Buenos Aires para a BBC Brasil

20/03/2020 13h45

Mergulhado em crise econômica há dois anos, país foca combate ao vírus, mas teme consequências econômicas da paralisação das atividades.

Mergulhada em uma crise econômica que vem se arrastando há quase dois anos, a Argentina agora corre para enfrentar a pandemia do novo coronavírus.

Na noite de ontem, o presidente Alberto Fernández anunciou uma quarentena para todo o país até o dia 31 de março. Ele disse que o "isolamento é a forma de salvar" a vida nestes tempos de covid-19.

"Todos os argentinos devem ficar em casa. Ninguém precisa entrar em pânico. Ainda estamos em tempo de controlar essa pandemia. Quem não puder justificar sua presença na via pública será punido", disse o presidente argentino.

Ele anunciou que forças de segurança estarão a postos para manter as ruas vazias e que, quando abordadas, as pessoas deverão justificar o que estão fazendo fora de casa.

Hospitais de emergência

Fernández disse que após ver o que ocorreu em outros continentes, decidiu tomar a medida drástica para proteger os próprios argentinos. Para ele, o coronavírus é um "inimigo invisível" e a "prevenção" a melhor saída neste momento.

Somente supermercados, farmácias e instalações de saúde estarão abertos. Além das ruas, as estradas também serão controladas para que a circulação das pessoas — e do vírus — diminua.

Ele reconheceu que o país vive uma grave crise, mas enfatizou que a prioridade agora é a saúde pública diante do coronavírus.

As declarações do presidente argentino, que contou com apoio da oposição e de infectologistas, ocorreram após uma série de ações anunciadas por outros integrantes do governo, como a construção de oito hospitais de emergência, a recuperação de outros dois que estavam abandonados, a divulgação de cartazes nas ruas para que os argentinos fiquem em casa e a suspensão de voos domésticos e ônibus intermunicipais.

Fernández já havia decretado, no fim de semana, o fechamento das fronteiras, que está em vigor, e a medida foi seguida internamente por pelo menos seis das 24 Províncias do país.

Ontem, diante da expectativa do anúncio da quarentena praticamente total, a lotação foi ainda maior nos supermercados de alguns bairros de Buenos Aires.

Em Palermo, o aumento dos preços entre a quarta e a quinta-feira era visível — casos de alimentos e de produtos de limpeza, por exemplo.

As filas nos supermercados, açougues, casas de queijos, nos bancos e correios eram feitas nas calçadas. Como medida de precaução, a presença de clientes no interior dos estabelecimentos foi limitada a números que variavam de cinco a 20.

Bomba econômica

A paralisação das atividades no país gera dúvidas sobre seus efeitos na já combalida economia argentina.

Em entrevista na quarta-feira, Fernández disse que estava analisando uma "medida extrema" para que todos ficassem em suas casas e que buscava o momento para implementar a decisão.

"Se conseguirmos que as pessoas fiquem uma semana inteira em suas casas, o vírus não circulará, mas isso tem consequências econômicas", disse Fernández.

A inflação argentina foi de 53,8% em 2019 e vinha mostrando leve desaceleração nos primeiros meses deste ano, como observaram ministros da área econômica.

Segundo estimativas, a economia argentina registrou retração entre 2,1% e 2,2% em 2019. O governo esperava uma melhora em 2020, mas a volatilidade com os efeitos econômicos do coronavírus — que incluem nova disparada do dólar e desvalorização do já enfraquecido peso, a alta do chamado risco-país, termômetro que mede se um país pode pagar suas dívidas — está levando autoridades locais à cautela.

"Existe incerteza e não só aqui na Argentina, mas no mundo, não podemos prever qual será o desempenho (da economia) neste ano", disse o ministro de Desenvolvimento Produtivo, Matías Kulfas, à imprensa local.

Fila correios argentina - Marcia Carmo/BBC - Marcia Carmo/BBC
Filas nos supermercados, açougues, casas de queijos, nos bancos e correios são feitas nas calçadas
Imagem: Marcia Carmo/BBC

Na estrada

Mesmo antes do anúncio da quarentena em todo o país, as medidas contra a propagação do vírus eram intensificadas, incluindo a presença de policiais nas estradas, nesta quinta-feira, alertando os motoristas sobre os riscos da doença. Motoristas com febre eram orientados a voltar para casa.

As equipes de controle fazem a vigilância no caminho para os destinos turísticos do país, com o objetivo de fazer com que os argentinos desistam da viagem antes do feriado nacional na segunda-feira.

Hotéis de balneários e de montanhas fecharam as portas, nesta semana, por precaução contra a covid-19, a doença causada pelo vírus.

"Queremos que as pessoas entendam a gravidade dessa doença. Já vimos o que aconteceu na Espanha e na Itália", disse a ministra de Segurança, Sabina Frederic.

Na imprensa local, infectologistas também citam os altos índices do coronavírus nos dois países europeus. De acordo com eles, houve casos de pessoas que entenderam a quarentena "como um feriado" e acabaram "levando o vírus para lugares turísticos".

Nesta quinta-feira, numa campanha da Associação de Entidades Jornalísticas (Adepa, na sigla em espanhol) todos os jornais impressos saíram com a mesma capa que dizia: "Al vírus lo frenamos entre todos. Viralicemos la responsabilidade. #SomosResponsables" (Em tradução livre: 'Vamos frear o vírus, todos juntos. Viralizemos a responsabilidade #SomosResponsáveis").

A Argentina registra três mortes e 128 pessoas com o coronavírus. O temor, porém, é que o índice de casos aumente e, por isso, o governo está reforçando a área de saúde pública, para atender a possíveis infectados.

Ajuda da ONU e da China

O ministro de Obras Públicas, Gabriel Katopodis, anunciou a construção de oito hospitais modulares com cerca de mil metros quadrados de área e capacidade para 560 camas, incluindo as de terapia intensiva.

Os hospitais, disse a assessoria do ministro à BBC News Brasil, serão construídos na Grande Buenos Aires e no interior do país, onde foram registrados mais casos da doença.

Além desses hospitais, que devem ficar prontos num prazo de dois meses, outros dois serão recuperados nos locais mais populosos da Província de Buenos Aires, como La Matanza.

"É um plano organizado com o Ministério da Saúde para ampliar a rede de saúde do país diante da emergência que estamos encarando", disse Katopodis.

Os hospitais serão construídos com financiamento do ministério e apoio do Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (UNOPS).

A Argentina recebeu ainda a doação por parte da China de um pacote de produtos de prevenção contra o novo coronavírus, segundo detalhou a assessoria de imprensa da embaixada do país asiático em Buenos Aires.

São quase 200 mil máscaras, 20 mil luvas, dez mil roupas especiais de uso médico, kits de reativos rápidos para detectar o vírus, além de 550 termômetros digitais e três equipamentos especiais para serem usados nos aeroportos.