Quem é Anthony Fauci, principal cientista dos EUA no combate ao coronavírus, que contradiz Trump sobre cloroquina
Médico, um dos um dos mais importantes especialistas do mundo em epidemias, e o presidente americano frequentemente divergem sobre medidas para lidar com pandemia, mas ele segue contando com apoio de Trump, apesar de críticas de seus aliados.
Não é somente no Brasil que a duração das medidas de distanciamento social e o uso de hidroxicloroquina em pacientes com covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, têm gerado divergências entre o presidente e o principal especialista em saúde do governo.
Nos Estados Unidos, o médico Anthony Fauci, considerado o mais importante especialista em doenças infecciosas do país e um dos principais integrantes da força-tarefa criada pela Casa Branca para responder à pandemia, costuma contradizer o presidente Donald Trump nessas e em outras questões ligadas ao novo coronavírus.
Mas, enquanto no Brasil o embate público travado entre o presidente Jair Bolsonaro e o titular da pasta da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, levou a rumores no início desta semana de que Bolsonaro cogitava demitir o ministro, nos EUA, por enquanto, Fauci segue contando com o apoio de Trump, apesar de críticas por parte de aliados do presidente.
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Diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos desde 1984, Fauci é um dos principais especialistas do mundo em epidemias, tendo servido nos governos de seis presidentes de ambos os partidos (Ronald Reagan, George Bush, Bill Clinton, George W. Bush, Barack Obama e Donald Trump). Teve papel crucial no combate a diversas epidemias anteriores, principalmente a de HIV/Aids, a partir dos anos 1980.
O cientista de 79 anos de idade defende que regras rígidas de distanciamento social devem ser mantidas em todo o país para conter o avanço do novo coronavírus. Até quinta-feira (09/04), os EUA, principal epicentro da pandemia, já registravam mais de 455 mil casos e mais de 16 mil mortes.
Quando Trump anunciou, no fim de março, que pretendia reabrir a economia americana até a Páscoa, Fauci e a coordenadora da força-tarefa da Casa Branca, Deborah Birx, apresentaram ao presidente modelos que previam entre 100 mil e 240 mil mortes no país.
Após ouvir as recomendações dos especialistas, Trump acabou estendendo as regras de distanciamento social até pelo menos o fim de abril - apesar de os governadores terem liberdade para definir as regras em seus Estados, e alguns ainda não terem determinado medidas obrigatórias para que a população não saia de casa.
Hidroxicloroquina
Sua atuação na força-tarefa da Casa Branca e a participação constante em briefings diários e em entrevistas a diversos veículos de imprensa transformaram Fauci em herói para parte dos americanos, mas também em alvo de alguns aliados de Trump, que acusam o cientista de prejudicar a economia e tentar impedir o tratamento de doentes com hidroxicloroquina.
No início deste mês, Fauci passou a contar com segurança extra, depois de sofrer ameaças. Pelo menos nove agentes especiais foram designados para proteger o cientista. Segundo a imprensa americana, além das ameaças recebidas, haveria também a preocupação com "fãs fervorosos" que vinham tentando se aproximar de Fauci.
O uso de hidroxicloroquina em pacientes infectados com o novo coronavírus é um dos principais pontos de divergência entre Trump e Fauci. Assim como Bolsonaro, o presidente americano também é entusiasta do uso do medicamento - que é indicado para o tratamento de doenças como artrite reumatoide, lúpus e malária.
Mas Fauci, assim como Mandetta, alerta que os estudos sobre a segurança e a eficácia do uso da droga em casos de covid-19 ainda são muito limitados e há o risco de efeitos colaterais graves, que incluem arritmia cardíaca e podem, em alguns casos, ser fatais.
No fim de março, a Food and Drug Administration (FDA), agência do governo americano responsável pelo controle de medicamentos, emitiu uma ordem emergencial permitindo que médicos usem a hidroxicloroquina em pacientes infectados pelo novo coronavírus
No último domingo, as divergências entre Fauci e Trump a respeito da droga voltaram a ficar claras durante uma coletiva de imprensa, na qual o presidente repetiu que havia "sinais poderosos" da eficácia da hidroxicloroquina em casos de covid-19.
"O que temos a perder?", perguntou Trump. Quando um repórter questionou Fauci sobre as evidências médicas da eficácia da hidroxicloroquina, Trump interrompeu antes que o cientista pudesse responder: "Você sabe quantas vezes ele já respondeu a essa pergunta? Talvez 15", disse o presidente, impedindo que Fauci falasse.
Ataques
Fauci é considerado um dos poucos integrantes do governo que se arriscam a corrigir Trump em público. Quando o presidente disse que logo uma vacina contra o coronavírus estaria disponível, o cientista discordou e alertou que, na verdade, levaria mais de um ano.
Muitos creditam a Fauci a mudança de tom de Trump em relação à pandemia. Depois de inicialmente minimizar os riscos do coronavírus, que chegou a comparar a uma gripe comum, o presidente passou a admitir a gravidade da crise e recomendar medidas de distanciamento social.
Mas a disposição de contrariar Trump tem levado a ataques por parte de aliados do presidente. O cientista virou alvo de várias teorias da conspiração de que faria parte de um grupo secreto com o objetivo de prejudicar Trump, que concorre à reeleição em novembro. A hashtag #FauciFraud (FauciFraude, em português) aparece em milhares de tuítes.
No mês passado, viralizou na internet uma imagem do cientista com a cabeça baixa e a mão cobrindo o rosto, parecendo tentar conter o riso enquanto o presidente se referia ao Departamento de Estado como "Departamento do Estado Profundo" (em referência a um suposto grupo dentro do governo que agiria nas sombras para prejudicar o presidente).
Críticas
Alguns comentaristas conservadores passaram a questionar a credibilidade e as recomendações de Fauci. Lou Dobbs, da Fox Business Network, criticou o cientista por sua resistência em relação à hidroxicloroquina. "O presidente estava certo e, francamente, Fauci estava errado", disse Dobbs em seu programa.
O âncora Tucker Carlson, da Fox News, dedicou seu programa na semana passada a críticas à atuação de Fauci. Carlson disse que o médico não deveria estar tomando decisões que afetam os rumos da economia do país, que manter a quarentena no país seria "suicídio nacional" e que o desemprego resultante será um desastre maior do que vírus.
A linguagem é parecida com a utilizada nas críticas à atuação do ministro Mandetta, que defende a importância do isolamento social para retardar a disseminação do coronavírus no Brasil.
Nesta semana, o deputado Osmar Terra (MDB-RS), cotado para assumir a pasta caso Bolsonaro demita Mandetta, disse que "quem vai matar o Brasil não é o coronavírus, é a quarentena".
Bolsonaro alerta para os danos que as medidas de isolamento causarão à economia. O presidente já defendeu a reabertura do comércio em pronunciamento transmitido em rede nacional e manteve contato próximo com o público em várias ocasiões, ignorando as regras de distanciamento.
Nos EUA, 16,8 milhões de americanos já pediram seguro desemprego nas últimas três semanas, um aumento sem precedentes, em meio a medidas que fecharam o comércio, empresas e escolas e paralisaram a economia do país, onde milhões seguem a recomendação de permanecer dentro de casa para evitar o avanço do coronavírus.
Rumores
Nas últimas semanas, artigos publicados na imprensa americana sugeriram que Trump e alguns membros da Casa Branca poderiam estar perdendo a paciência com Fauci. Um dos motivos seria o fato de o cientista criticar o presidente em entrevistas a alguns veículos, ao mesmo tempo em que elogia Trump quando fala com a imprensa conservadora.
Mas tanto Trump quanto Fauci rejeitam os rumores de tensão. Em entrevista no mês passado à revista Science, Fauci disse que "apesar de discordarmos em algumas coisas, ele (Trump) ouve". Segundo o cientista, Trump "tem seu próprio estilo. Mas em questões importantes, ele ouve o que eu digo".
Mas, na mesma entrevista, ao responder sobre o fato de que há declarações feitas por Trump que não seriam "verdadeiras" ou "baseadas em fatos", Fauci disse: "Não posso pular em frente ao microfone e empurrá-lo. Ok, ele disse isso, Vamos tentar corrigir da próxima vez."
No fim de março, circulou na internet um vídeo em que Fauci diz a colegas que Trump "quase sempre" ignora as sugestões que faz ao presidente antes das coletivas de imprensa diárias.
Mas apesar das divergências e da pressão de alguns aliados descontentes com Fauci, Trump parece continuar ouvindo o especialista, a quem costuma chamar de Tony.
"Fauci talvez seja a única figura capaz de suportar os ataques, lidar com o presidente e transmitir sua mensagem", escreveu a colunista Margaret Sullivan, do jornal Washington Post.
"A fórmula que o trouxe até aqui inclui partes iguais de energia infinita, diplomacia robusta e a disposição de repetir calmamente o que disse para quem quiser ouvir - incluindo o presidente."
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