Bolsonaro terá 'centrão', mas impeachment pode avançar se houver apoio popular, dizem autores de pedido
Um eventual processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ainda não tem apoio suficiente para avançar dentro do Congresso, mas as condições políticas para o impedimento podem ser criadas se o clamor pela saída do mandatário crescer na sociedade.
Esta é a avaliação da maioria dos políticos - de esquerda e de direita - que já protocolaram pedidos de impeachment do político paulista.
Nos últimos dias, Bolsonaro intensificou as negociações com partidos do chamado "centrão", visando formar uma base de apoio para si no Congresso - um dos objetivos do movimento é justamente blindar o governo na eventualidade de processo de impeachment.
Nesta quarta-feira (06), o Diário Oficial trouxe a nomeação de Fernando Marcondes de Araújo Leão como presidente do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs). Leão é filiado ao Avante (antigo PT do B), mas foi indicado pelo Partido Progressista (PP). Comandará um orçamento de R$ 2,1 bilhões, dos quais R$ 265 milhões estão livres para investimentos. É a primeira entrega de um cargo de peso feita por Bolsonaro a legendas do centrão.
A reportagem da BBC News Brasil conversou com líderes políticos que assinam sete dos 36 pedidos de impeachment apresentados até agora contra o presidente da República - entre as pessoas ouvidas estão o ex-governador do Ceará, Ciro Gomes; a líder do PSL na Câmara, Joice Hasselmann (SP); e o líder do PSB, o deputado Alessandro Molon (RJ).
A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) é signatária de um dos primeiros pedidos de impeachment contra Bolsonaro, apresentado por deputados do PSOL em 18 de março. Segundo ela, o presidente pode ter alterado a correlação de forças na Câmara ao negociar o apoio do que ela chama de "base alugada" do centrão - mas ela acredita que isto pode ser revertido com pressão popular.
"Ele (Bolsonaro) está comprando o que existe de pior na política brasileira: Roberto Jefferson (do PTB), Valdemar Costa Neto (do PL), em troca de cargos. E esse pagamento da 'base alugada' é feito todo com dinheiro público", disse a deputada à BBC News Brasil.
"Então, momentaneamente, essa correlação pode ter se alterado. Não sei quantos (deputados) já se venderam, nessa 'base alugada' desses partidos com os quais ele está negociando, mas a Câmara também é muito permeada pela pressão popular", afirmou Melchionna.
"Eu acho que, para conseguirmos uma correlação de forças favoráveis lá dentro, a gente precisa aumentar a pressão do lado de fora. E essa pressão da sociedade está crescendo", disse ela.
"Sim, nós acreditamos que é viável o caminho do impeachment", disse à BBC News Brasil Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos principais líderes do Movimento Brasil Livre (MBL), de direita.
"Pode não ter maioria na Câmara agora, neste momento, mas é uma questão de tempo até a situação do Bolsonaro se deteriorar. Ele cada vez mais radicaliza o discurso, deixa o ambiente político cada vez pior, e ainda trabalha para agravar a crise econômica e a crise sanitária, de saúde. Por isso, tanto do ponto de vista jurídico, quanto do ponto de vista político (...), o impeachment é para a gente a melhor saída possível", disse ele.
O MBL, um grupo de direita, foi um dos principais propulsores do impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2015 e 2016.
O pedido de impeachment do grupo contra Bolsonaro foi apresentado no fim de abril. Acusa o mandatário do crime de concussão, ao interferir no comando da Polícia Federal com a finalidade de proteger a si e seus familiares de investigações. Concussão é o crime cometido pelo funcionário público que usa o cargo para obter vantagens pessoais.
"Politicamente, a gente acredita que mais do que nunca é importante a direita anti-Bolsonaro (...) marcar posição. Justamente para se diferenciar daquilo que o Bolsonaro representa, que definitivamente não é nem liberalismo, nem conservadorismo", disse Kataguiri numa mensagem de áudio enviada à reportagem.
Adversário de Bolsonaro nas eleições de 2018, Ciro Gomes (PDT) ressalta que cabe ao Congresso decidir sobre o impeachment. "O juízo político de conveniência e de oportunidade de um procedimento de impeachment são parte da deliberação do Parlamento", disse ele à BBC News Brasil.
"Como instituição da sociedade civil, meu partido (PDT) e eu nos sentimos obrigados a fazer a representação demonstrando os crimes e pedindo as providências. Sem esta mensagem contra Bolsonaro, se poderia pensar que seus crimes não provocam a devida reação do povo brasileiro que cultiva o estado de direito democrático", explicou o ex-governador do Ceará em mensagem de texto enviada à reportagem da BBC.
O pedido é assinado por ele e pelo presidente do PDT, Carlos Lupi, além da ativista Jovita José Rosa. Na peça, Bolsonaro é acusado de atentar contra o livre exercício dos demais Poderes da República, ao participar de manifestações que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). O partido também anexou 765 páginas de provas para embasar a peça.
"O pedido de impeachment que fizemos foi baseado em três crimes de responsabilidade: atentar contra o regular funcionamento das instituições da república; atentar contra a federação e atentar contra a saúde pública", disse Ciro Gomes à BBC News Brasil.
"Outros crimes comuns cometidos por ele são da alçada da Procuradoria-Geral da República e do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, enquanto os crimes de responsabilidade são causa de impeachment e julgamento pelo Parlamento", disse Ciro.
"É possível sim que o processo de impeachment ande na Câmara. Naturalmente que isso depende de uma série de fatores", disse à BBC o líder do PSB na Câmara, Alessandro Molon (RJ). "Mas um fator fundamental, que é o apoio da população a esta iniciativa, tem crescido substancialmente. E vai ficando claro que os brasileiros querem o afastamento do presidente, para proteger o país de seus atos contrários aos interesses da nação."
O pedido de impeachment do PSB foi apresentado no fim de abril, e atribui 11 crimes de responsabilidade a Jair Bolsonaro.
Para começar a tramitar no Congresso, um pedido de impeachment depende de uma única pessoa: o presidente da Câmara dos Deputados, cargo hoje ocupado por Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Se ele acatar o pedido, a primeira etapa é a formação de uma comissão de deputados indicados pelos líderes dos partidos, que devem decidir de forma preliminar se aceitam ou não o pedido.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado e um dos autores do pedido de impeachment feito pela Rede, avalia que há dificuldades para o funcionamento de uma comissão deste tipo, por causa da pandemia do novo coronavírus.
Mesmo assim, diz ele, caberia a Maia analisar a admissibilidade dos pedidos de impeachment.
"Nós sempre evitamos, sempre buscamos não conturbar mais o ambiente. Enfrentar a crise sanitária da pandemia (do novo coronavírus) junto com o impeachment, já é demais para o país", disse Randolfe.
"Só que, com o depoimento do Moro (ao pedir demissão do cargo de ministro de Justiça no fim de abril), não fazer nada já seria prevaricação da nossa parte. Moro foi vítima do crime de falsidade ideológica. Ele próprio foi vítima (...). As provas dos crimes estão apresentadas. Por causa dessa circunstância, nós não titubeamos (em apresentar o pedido)", disse ele.
Ex-aliados hoje pedem o impedimento
Dos 36 pedidos de impeachment formulados contra Bolsonaro, ao menos dois são de políticos que apoiaram o presidente no começo de seu governo e foram do mesmo partido que ele: Joice Hasselmann (PSL-SP) e Alexandre Frota (PSDB-SP).
O MBL de Kim Kataguiri também apoiou Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018, mas não participou do governo. Enquanto isso, Frota foi vice-líder do PSL, antigo partido de Bolsonaro, e Joice Hasselmann atuou como líder do governo no Congresso.
O pedido de Hasselmann teve como motivação a saída de Sergio Moro do governo. Segundo ela, em seu discurso de despedida, Moro apontou "meia dúzia de crimes" cometidos por Bolsonaro.
"Mas os mais graves (são) a falsidade ideológica, ao publicar um documento com a assinatura do ex-ministro, que ele não assinou; e também a interferência direta na Polícia Federal. Que tem investigações que desembocam na cozinha presidencial, que desembocam nos filhos do presidente", diz ela, em vídeo enviado à reportagem.
"Para proteger aos filhos (...), o presidente tenta há meses uma interferência na Polícia Federal. Isso é inadmissível. Como o próprio ex-ministro Moro disse, nem na época do PT, que nós tiramos do poder, houve uma interferência tão direta na Polícia Federal. A PF tem que ter sim a sua independência, a sua autonomia, e o crime (de Bolsonaro) é muito grave", disse Joice, que é a atual líder do PSL.
"O presidente (Bolsonaro) deveria renunciar imediatamente, para que o vice, Hamilton Mourão, assuma e possa dar tranquilidade ao país. Mas todos nós sabemos que não é do perfil de Jair Bolsonaro. Ele gostou muito da cadeira presidencial e não irá renunciar ainda que os crimes estejam escancarados", opinou ela.
"O Brasil precisa de paz, de tranquilidade, e esse processo de impeachment também não pode ser uma arena político-partidária, ideológica. É claro que a esquerda, a oposição, vai tentar surfar em cima disso. Por isso que é importante que os partidos de direita, mais alinhados com a direita, como o meu, tomem a frente deste processo", diz Joice.
Alexandre Frota foi o autor de um dos primeiros pedidos de impeachment de Bolsonaro, ainda em 19 de março. Segundo ele, o impeachment "está muito bem amarrado" juridicamente; Bolsonaro, no entanto, ganhou tempo ao conseguir o apoio do centrão.
"Tem que fazer a construção política (do impeachment). Agora que o Bolsonaro comprou o 'centrão', levou lá para dentro a corrupção que ele disse que nunca iria ter no governo dele. Ele negociou, distribuiu cargos, secretarias. Esse é o Bolsonaro. Comprou o 'centrão' e tem agora uma bancada de 180 a 200 deputados, incluindo os ex-PSL que hoje não têm partido", disse Frota à BBC News Brasil, por meio de um áudio no WhatsApp.
"Ele está trabalhando como sempre trabalhou. Ficou 28 anos lá dentro (do Congresso), na velha política. Bolsonaro é um incapaz, inoperante, mentiroso principalmente. E agora a 'velha política' está aí para todo mundo ver. Hoje, ele é sócio de vários corruptos no governo dele" , critica o deputado. Frota foi um dos principais articuladores no Congresso pela aprovação da reforma da Previdência, apresentada pelo governo em 2019.
Como funciona um impeachment
Embora as etapas de um processo de impeachment estejam definidas em lei, a duração do processo todo varia conforme as circunstâncias da política.
No caso da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o impeachment se consumou em nove meses (do dia 02 de dezembro de 2015 até 31 de agosto de 2016). Na destituição do ex-presidente e hoje senador Fernando Collor (PROS-AL), o processo terminou com a renúncia dele, quatro meses depois da abertura do impeachment pela Câmara.
Um pedido de impeachment pode ser apresentado por qualquer cidadão - inclusive por pessoas sem formação em Direito. Aceito o pedido pelo presidente da Câmara, ele é então analisado pela comissão formada por deputados indicados pelos líderes dos partidos.
A comissão pode ter entre 17 e 66 integrantes, desde que seja respeitada a proporção das bancadas dos partidos na Câmara. Este grupo aprova um parecer - favorável o contrário ao impeachment - que é então votado pelo plenário da Câmara (os 513 deputados). Para que siga adiante, o pedido precisa do "sim" de pelo menos 342 representantes. Se chancelado pelos deputados, o presidente é afastado do cargo, a princípio por seis meses, ou até que a votação seja concluída.
Em seguida, o pedido precisa ser analisado em uma nova Comissão Especial, novamente indicada pelos líderes. Se aprovado, o impeachment segue para o Senado - onde será votado em um julgamento comandado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Para ser concluído, precisa dos votos de 54 dos 81 senadores.
Nos últimos dias, Maia tem evitado falar sobre o assunto. A última vez que mencionou o tema foi numa entrevista a jornalistas em 27 de abril, uma segunda-feira. Ele adotou um tom cauteloso. "Quando você trata de um tema como impeachment, eu sou o juiz. Então não posso ficar falando", disse.
"O papel da Câmara, neste momento, é que a gente volte a debater, de forma específica, o combate ao coronavírus. Temos tratado de conflitos políticos, conflitos nas redes sociais, mas não podemos tirar do debate e da pauta os projetos e projeções em relação ao enfrentamento do vírus", disse ele.
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