O que se sabe e as dúvidas sobre a polêmica reunião ministerial mencionada por Sergio Moro
Presidente teria discutido seu teste do novo coronavírus, dado 'bronca' em ministros e dito que precisava trocar o comando da PF no Rio para proteger familiares e amigos
A reunião interministerial do dia 22 de abril está no centro das acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro ao presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido).
Segundo o que foi publicado na imprensa brasileira ao longo desta terça-feira (12/05), pessoas que assistiram a um registro em vídeo da reunião disseram que Bolsonaro aparece, no encontro, afirmando que precisaria trocar o comando da Polícia Federal no Rio de Janeiro para evitar que familiares ou amigos seus fossem prejudicados. Bolsonaro nega esta versão.
O vídeo de reunião foi exibido para algumas pessoas relacionadas ao Inquérito 4831 do Supremo Tribunal Federal (STF) na manhã desta terça-feira — o procedimento investiga as declarações de Sergio Moro contra Bolsonaro ao deixar o governo. A exibição do vídeo aconteceu no Instituto Nacional de Criminalística (INC), na Polícia Federal em Brasília.
Assistiram ao vídeo o ex-ministro Moro, acompanhado de seu advogado; policiais federais envolvidos com a investigação; pessoas da equipe do procurador-geral da República, Augusto Aras; e um juiz que trabalha com o relator do caso no STF, Celso de Mello. O advogado-geral da União, José Levi, também esteve na PF. Todos tiveram de deixar os celulares do lado de fora da sala.
Segundo a imprensa, pessoas que assistiram à gravação disseram que o conteúdo é "devastador" para Bolsonaro.
De acordo com o site de notícias G1, Bolsonaro teria dito durante a reunião que sua família sofre perseguição no Rio de Janeiro, e que por isso seria necessário trocar o chefe da Superintendência da PF no Estado.
Ele não cita diretamente a Polícia Federal: usa o termo "segurança no Rio". E diz que, se não pudesse fazer esta troca, mudaria o diretor-geral da PF e o próprio ministro da Justiça e Segurança Pública.
A descrição coincide com o que disse Moro em seu depoimento à PF. "O presidente afirmou que iria interferir em todos os Ministérios e quanto ao MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública), se não pudesse trocar o superintendente do Rio de Janeiro, trocaria o Diretor Geral e o próprio ministro da Justiça", narrou Moro no depoimento. O encontro do dia 22 de abril foi o último do qual ele participou — Moro pediu demissão dois dias depois, em 24 de abril.
Investigadores que assistiram ao vídeo da reunião afirmaram ao jornal O Globo que Bolsonaro aparece no vídeo dizendo que já havia tentado trocar "o segurança" no Rio, e que agora finalmente conseguiria substituí-lo.
Para esses investigadores, nas imagens da reunião, Moro aparece com o semblante carregado e o vídeo deixa claro que Bolsonaro queria trocar os ocupantes de postos-chave na PF para obter informações a respeito de procedimentos de investigação envolvendo familiares e outras pessoas próximas.
Segundo Moro, o vídeo "confirmou" o que ele disse em seu depoimento.
"O acesso ao vídeo da reunião ministerial do dia 22/4 confirma o conteúdo do meu depoimento em relação à interferência na Polícia Federal, motivo pelo qual deixei o governo. Defendo, respeitosamente, a divulgação do vídeo, preferencialmente na íntegra, para que os fatos sejam brevemente confirmados", disse ele ao jornal O Estado de S. Paulo.
Na tarde desta terça-feira, Bolsonaro reagiu a estes relatos sobre a reunião de 22 de abril. O presidente disse que o termos "Polícia Federal", "investigação" e "superintendência" não são citados durante o encontro.
"Continuam desinformando, a mídia. Esse informante, esse vazador, está prestando um desserviço. Não existe no vídeo a palavra 'Polícia Federal' e nem 'superintendência'", disse Bolsonaro a jornalistas na rampa do Palácio do Planalto.
"A preocupação minha sempre foi depois da facada, de forma bastante direcionada para a segurança minha e da minha família", disse ele, a respeito de sua suposta fala. "A Polícia Federal nunca investigou ninguém da minha família", disse.
Bolsonaro disse ainda que a reunião teve "muita coisa" e que a gravação deveria ter sido destruída.
"Em reunião ministerial, sai muita coisa. Agora, não é para ser divulgada. A fita era para ser destruída - após aproveitar imagens para divulgação, ser destruída. Não sei por que não foi", disse.
Ataques a ministros do STF e exame de covid
Além da superintendência da PF, outros assuntos também foram tratados na reunião do dia 22 de abril. A reunião envolveu críticas a ministros do STF, a governadores e prefeitos, e até uma discussão sobre os resultados dos exames de Bolsonaro para o novo coronavírus.
Segundo a colunista de O Globo Bela Megale, fontes que participaram da reunião relataram que Bolsonaro estava de "péssimo humor" no encontro. O presidente teria usado o encontro para dar uma "bronca" em todos os seus ministros, dizendo que todos estavam passíveis de demissão.
Em vários momentos, Bolsonaro usou palavrões. Ainda segundo a colunista, o encontro registrou uma discussão acalorada entre os ministros Paulo Guedes (Economia) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional).
No encontro, Bolsonaro também teria dito que não iria divulgar a "porcaria" do teste para o novo coronavírus, feito por ele. Segundo o Estado de S. Paulo, Bolsonaro teria dito que o exame poderia levar a um processo de impeachment.
O site "O Antagonista" também cita o termo "porcaria de exame" para covid-19. Segundo o site, Bolsonaro teria ressaltado que é ele quem "comanda as Forças Armadas" e teria dito que as usaria se preciso, "para evitar um golpe".
Ainda durante o encontro, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, teria dito que os ministros do Supremo Tribunal Federal "tinham que ir para a cadeia", segundo O Estado de S. Paulo.
Já a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, teria sido registrada durante o evento defendendo a prisão de governadores e prefeitos. Durante o encontro, Bolsonaro teria se referido ao governador de São Paulo, João Doria, como "bosta". Pessoas do governo do Rio de Janeiro seriam "estrume", no dizer do presidente, segundo O Estado de S. Paulo.
O vídeo se tornará público?
O relator do caso no Supremo, ministro Celso de Mello, determinou que a Polícia Federal faça a transcrição de todo o conteúdo da reunião e encaminhe para o seu gabinete. O ministro está trabalhando em sua casa em São Paulo (SP), vivendo em isolamento por pertencer ao grupo de risco para o novo coronavírus.
Só depois de receber a transcrição é que Celso de Mello decidirá sobre o sigilo da gravação. Anteriormente, o ministro já tinha dito que decidiria "brevíssimamente" sobre o assunto.
"Determino à Polícia Federal (...), que proceda, por intermédio de Perito Criminal Federal, à degravação integral do HD externo (...) que lhe foi entregue na data de hoje, autuando-se em apartado, em regime de sigilo (que será pontual e temporário), o que dele se extrair, até que sobrevenha decisão minha (sobre o sigilo)", escreveu o ministro.
Ao longo da tarde, vários políticos de oposição ao governo apresentaram pedidos ao STF para que torne público o conteúdo das gravações. Petições deste tipo foram apresentadas pelo deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
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