'Quase morri de covid-19, mas comércio precisa reabrir para povo não morrer de fome', diz comerciante de SP
Com máscara e roupas hospitalares, um homem visivelmente debilitado é empurrado em cadeira de rodas enquanto é aplaudido atravessando um corredor formado por médicos e enfermeiros. Dono de uma pequena loja de carros no Itaim Paulista, extremo leste de São Paulo, Edson Simões dos Santos, de 45 anos, teve covid-19 e ficou 15 dias em coma na UTI.
"Eu não tinha nenhuma comorbidade, mas posso te dizer que morri e nasci de novo. Eu fui lá e voltei. Durante o tempo internado, eu tinha a impressão de que haviam ratos me mordendo, que tinha um caixão do meu lado. Foi terrível", lembra ele.
Mesmo depois de ter sentido os sintomas mais graves da doença causada pelo coronavírus Sars-Cov-2, Santos é um defensor da reabertura imediata do comércio. No ponto de vista dele, se forem tomadas todas as precauções de isolamento, devem morrer mais pessoas de fome e outros problemas causados pela estagnação econômica do que pela própria doença.
"O governo fechou vários comércios que geram muitos empregos e não causam aglomerações. Estou com minha loja, onde todos poderiam trabalhar distantes uns dos outros e com poucas pessoas dentro, fechada. Mas por que também não fecham as adegas aqui perto de casa? Também não proíbem a venda de cerveja no posto de gasolina, onde as pessoas fumam narguilé juntas e depois levam a doença para casa", afirmou.
Até agora, o Brasil registrou mais de 730 mil casos de covid-19. Entre os contaminados, mais de 38 mil morreram.
No ponto de vista do comerciante, o mais correto teria sido orientar a população a usar máscara, isolar os idosos, fechar escolas, teatros e impedir eventos com aglomeração. E só depois fechar os comércios menores.
Para ele, a divergência de opiniões entre governo federal, estaduais e municipais só prejudica e confunde ainda mais a população. Enquanto o presidente, Jair Bolsonaro (sem partido), defende a reabertura das lojas, o governador paulista, João Doria (PSDB), só deve começar a flexibilizar as regras da quarentena na Grande São Paulo a partir do dia 15 próximo.
Já o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), não garante que o comércio seja reaberto na data prometida por Doria. Tudo vai depender de um conjunto de fatores, principalmente a oferta de leitos de UTI na cidade.
Enquanto isso, a maior preocupação do pequeno comerciante é como se manter financeiramente até que tudo seja retomado.
"Eu estou tendo que empurrar minhas contas. O banco aceitou prorrogar, mas coloca juros e a gente vai sofrendo por causa da briga política deles (governantes). Se eu fico mais um mês fechado, eu quebro", afirmou Edson.
'Eu não acreditava'
O empresário não acreditava na existência do coronavírus. Ele imaginava que a doença era uma invenção, pois não conhecia ninguém que tenha sido contaminado.
Depois de passar alguns dias sentindo falta de apetite, o comerciante começou a sentir frio e a ter uma tosse seca. Ele buscou ajuda em uma farmácia e, no dia seguinte, começou a cuspir catarro com sangue.
Já no hospital, ele estava com 40º de febre e uma saturação de oxigênio de 70%, quando o normal é estar acima de pelo menos 95%. Os médicos também constataram que seu pulmão estava debilitado, mesmo que Edson não tenha relatado dificuldades para respirar.
No hospital, logo após tomar os primeiros medicamentos, o comerciante dormiu. Quando acordou, estava de fralda e ligado a um tubo de oxigênio. Ele foi transferido de hospital, perdeu 17 kg durante a internação e só soube que ficou 15 dias em coma quando chegou em casa, após 20 dias no hospital.
"Eu perdi a noção. Fiquei tanto tempo deitado que criei feridas no meu corpo. Eu tinha alucinações de que ratos estavam me mordendo. Quando eu via esses machucados, eu tinha certeza de que foram os ratos. Depois que voltei para casa, fiquei uma semana em quarentena, isolado em um quarto, fazendo curativos nos machucados e fisioterapia, pois eu não conseguia ficar em pé", contou à reportagem.
As três sessões semanais de fisioterapia também servem para ajudar na respiração, na coordenação motora e na normalização da circulação sanguínea. O comerciante diz que ainda está trêmulo, com o pé inchado e um dedo dormente. Ele também vai ter que fazer exercícios de fonoaudiologia porque o tubo na garganta afetou sua voz.
Ele conta que não faz ideia de onde se contaminou e que não houve outro caso de covid-19 em sua família. A maior preocupação do comerciante era com a mãe, uma fumante de 75 anos.
O retorno ao trabalho
Em um decreto publicado na última sexta-feira (5), o prefeito Bruno Covas determinou que concessionárias de veículos poderão reabrir em um esquema especial de atendimento, com horário reduzido e seguindo as normas de distanciamento.
Edson vai reabrir o comércio com seus três funcionários. Segundo ele, a loja não precisará se adaptar, pois já tem mesas de atendimento distantes umas das outras. A preocupação dele é com o volume de vendas.
"Eu acho que, esse ano, se eu ganhar dinheiro para comer é muito. Tem muita gente desempregada que não vai comprar carro. O cara comprava para fazer Uber e hoje não compra. Músico está morto. Não pode fazer show, tocar em barzinho e isso tudo vira uma bola de neve. Não podemos parar para não morrer de fome, mas a economia só volta ano que vem", afirmou.
Questionado pela reportagem sobre o risco de sobrecarga no sistema público de saúde caso o comércio seja retomado agora, ele responde que esse sistema já é historicamente saturado.
"Manteria o comércio aberto mesmo com os leitos lotados. O hospital sempre vive cheio mesmo. A saúde no Brasil é um lixo. O país nunca teve estrutura. Não é por causa dessa doença que os hospitais vão encher. Ele sempre foi assim. É um problema político e histórico", disse à reportagem.
Armário vazio
Durante o período internado, Edson diz que o isolamento também causou problemas psicológicos.
"Eu ficava chorando sozinho. Ninguém vai te ver. O enfermeiro entra no quarto só para tirar sangue e dar medicação. A TV mostra o dia inteiro que tem muitas pessoas morrendo e que não tem vacina. Você se sente um lixo o tempo todo", afirmou.
Fora do hospital, Edson conta que nunca tinha recebido tantas ligações na vida.
"Pessoas que eu não vejo há mais de 20 anos acharam meu telefone. Preocupadas comigo porque muita gente morreu. Eu mesmo não acreditava nessa doença. Passei a dar mais valor à vida, a um abraço", afirmou.
Ele diz que seu único pedido é para que os comércios reabram "com todos os cuidados e com uma população mais consciente e educada". E relata conhecer pessoas, entre elas um amigo, que já está sem comida em casa por conta da crise.
"Se não voltar, muitos empresários vão fechar. Conheço uma pessoa que já está com o armário vazio. Você acha que ele tem mais medo do vírus ou da fome?"
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